Aluno da ECA é abordado por “olhar feio” para policiais militares

Criminalidade caiu em mais de 80% com a presença da PM, mas a comunidade uspiana propõe discussões mais profundas sobre sua real eficácia e função

Na manhã do dia 5 de outubro, em frente à Praça do Relógio, João* chegava à Escola de Comunicação e Artes (ECA), quando avistou dois policiais parados. Em frente à Adusp, foi abordado. “Eles vieram atrás de mim, cada um em uma moto. Pediram para parar, e disseram que era uma revista de rotina”, contou.

Segundo o estudante, os guardas justificaram a ação dizendo que João havia os “olhado feio”, e isso seria suficiente para considerá-lo suspeito: “Em nenhum momento encostaram em mim, mas a maneira como aconteceu foi uma agressão. Me senti humilhado sendo revistado do lado de onde eu estudo e trabalho. Eu disse que não concordava com o que eles estavam fazendo, e me perguntaram se eu era contra a presença da PM no campus”. A resposta dos policiais, segundo o estudante, teria sido: “Então pede para fechar a USP”.

João destaca, no entanto, que teve coragem de contestar porque se sentiu protegido pelo ambiente universitário. “Dificilmente isso acontece lá fora, porque a sociedade sente medo da polícia, que ainda é autoritária e violenta”.

Passados cinco meses desde assassinato do estudante Felipe Ramos Paiva, no estacionamento da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), grupos de estudantes, funcionários e professores tentam estimular uma discussão mais profunda sobre a presença intensiva da PM no Campus.

“Ignorar que a USP faz parte da sociedade, e também enfrenta problemas de segurança pública é perigoso, e devemos considerar que é diferente o papel da PM sob um regime autoritário e sob um regime democrático”, sugere Cícero de Araújo, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). “Enquanto em uma ditadura a violência vinha principalmente do Estado, vestida de PM, hoje, no regime democrático, há violência entre pessoas, entre a própria sociedade, entre órgãos internos da própria USP”.

Outro lado

Em relação ao caso de João, o Capitão Masseras, da área de Recursos Humanos do 16º Batalhão, responsável pelo policiamento da USP, explica que “o que pode ter acontecido, mas que não justifica a ironia na forma de tratamento, é a abordagem baseada no que chamamos de critério descritório, por meio do qual aprendemos a perceber em pequenos comportamentos certo receio da polícia, o que levanta suspeitas”. De acordo com o policial, será convocada uma investigação sobre o caso.

Masseras, que além de policial é aluno da FFLCH, salienta que tem sido promovido um treinamento especial aos policiais que trabalham no Campus, baseado na “filosofia da polícia comunitária”. Seu objetivo é ajustar a conduta do policial àquela esperada pela comunidade onde vai atuar. O capitão esclarece que esse treinamento, no entanto, ainda está no começo da implantação.

De acordo com Masseras, os policiais também participam constantemente do que chamam “Campanha da abordagem”, onde o policial é ensinado sobre como deve ser sua postura quando aborda, “principalmente depois que a suspeita não é fundamentada”, destaca. “É importante que a comunidade da USP entenda que a hora da abordagem é um momento de tensão para o policial, no qual ele está mais vulnerável, caso o abordado seja de fato um criminoso, e esteja armado”, afirma. “Assim, a colaboração da Reitoria, em parceria com a comunidade, pode fazer o trabalho dos policiais ser ainda mais eficiente, como vem sendo, já que os índices de criminalidade cairam em mais de 80%”.

Quando o assunto são as manifestações, os protestos, as festas e as drogas, a posição parece clara: “A PM não vai interferir de maneira nenhuma nas festas, mas se o policial flagrar, por exemplo, o uso de drogas, ele é obrigado a tomar uma providência, pois ‘não existe democracia se não existir lei”.

Critérios

José e Joaquim*, da Guarda Universitária, são a favor da intensificação da presença da polícia. “As ocorrências diminuíram muito. Já não há furtos de veículos, por exemplo, faz uns dois meses, e sempre que alguém nos pede ajuda, a polícia chega mais rápido”, completa. A Guarda também tem recebido atenção e treinamento, onde fica claro para ambas as partes que a PM não deve se envolver em manifestações, e que, nesses casos, a Guarda é que deve proteger o patrimônio.

Porém, Joaquim questiona sobre quais seriam os critérios que devem ser considerados na hora da abordagem: “é a cor da pele? É a barba grande? É o corte de cabelo? É a calça larga? Qual é o limite? Eu sou negro, e acho se eu estivesse sem farda, já me colocariam na parede”.

Assim como os seguranças, pessoas entrevistadas na região do Butantã também são a favor da intensificação do policiamento, mas não sem ressalvas. “Acho que a PM está muito corrupta, tenho mais medo da polícia do que do bandido. Deveria haver melhoria do salário deles, pois é um serviço duro e perigoso”, opina Mirtes da Silva, jornaleira moradora do Capão Redondo.

Começo da Discussão

A primeira providência que João tomou, após a revista, foi rumar à diretoria da ECA. Mauro Wilton, diretor da Unidade, pediu que escrevesse uma carta detalhada, que seria encaminhada ao superintendente de Segurança da USP, Adilson Carvalho. O envio foi confirmado pela secretaria do próprio diretor. João também enviou a carta para o JC e para amigos, que imprimiram o relato e espalharam-no pela ECA, convocando reuniões para debater o fato e as ideias envolvidas.

No dia 13 de outubro, foi realizada uma reunião aberta na ECA para discutir a função e eficácia da PM no campus. O roubo ao Centro Acadêmico e à Atlética da Escola, que aconteceu no dia seguinte à abordagem de João e representou um prejuízo de cerca de R$ 15 mil para as entidades estudantis foi colocado em pauta: “Como pode um assalto desse acontecer com a tal presença da polícia aqui?”, disse Mariana*.

A discussão está relacionada a um dos grandes problemas enfrentados atualmente pela USP. “Vivemos uma crise interna, democrática, com problemas que afligem os movimentos associativos”, explica Cícero.

*Nomes fictícios