Alunos da Poli negociam trabalhos prontos

Excesso de atividades, falta de tempo e alta cobrança são as justificativas de alunos que compram exercícios de Cálculo Numérico

Os meses de outubro e novembro marcam a temporada de venda de trabalhos na Escola Politécnica. Motivados pela necessidade de concluir a disciplina de Cálculo Numérico, alguns alunos optam pela compra de trabalhos, conhecidos como EPs (sigla para exercício-programa, em que o aluno deve escrever um programa de computador para concluir determinada tarefa), para garantir a aprovação. Em contrapartida, outros estudantes oferecem os trabalhos a preços altos, faturando até 200 reais por EP.

A disciplina é oferecida no segundo semestre da graduação na Escola Politécnica pelo Instituto de Matemática e Estatística e é conhecida entre os alunos como uma das mais difíceis do curso. A média geral da primeira prova, realizada no dia 1º de setembro, foi de apenas 3,4. O índice de reprovação varia entre 30 e 40%, sendo que 14% dos alunos abandonaram a disciplina antes da primeira prova deste semestre, e sempre há reoferecimento.

Oferta

A venda de EPs na Poli é um fato conhecido por muitos mas praticado por poucos. É difícil encontrar participantes do esquema.

H., aluno do terceiro ano de engenharia naval, vendeu um EP em seu segundo ano de Poli. Cobrou 10 reais por ponto que o trabalho recebesse e embolsou 100 reais no total. H. demorou quatro horas para concluir o EP e afirma: “Foi dinheiro fácil”.

R., colega de classe de H., já vendeu dois EPs este semestre. “Recebi muitos pedidos, mas fiz apenas dois, por falta de tempo”, disse o estudante, que leva entre 10 e 20 horas para fazer cada um. O valor cobrado depende da complexidade do trabalho, variando entre 5 e 20 reais por ponto. O perfil de sua clientela é bem definido: “A maioria são alunos que estão fazendo a matéria pela segunda vez. Compram não porque não sabem, mas por falta de tempo ou preguiça”.

(arte: Ana Marques)A cobrança é realizada de duas maneiras. Se o pagamento é antecipado, parte do valor é devolvida se a nota não for máxima. Outra opção é cobrar após a entrega das notas, mas só “quando vendido para pessoas conhecidas ou confiáveis”, ressalta R.

G. esqueceu-se dessa recomendação no ano passado, quando chegou a vender quatro trabalhos, cobrando entre 150 e 200 reais cada. Vendia apenas para amigos até que surgiram interessados desconhecidos, cujo contato se resumia a um endereço de e-mail ou número de telefone. “Você quer ganhar dinheiro, então você vende. O problema é que alguns demoram muito para pagar, ou não pagam. Aí você vai correr pra onde? Pra polícia?”, diz G., que parou de vender trabalhos desde o incidente.

 Dinheiro jogado fora?

O professor Saulo Rabello Maciel, coordenador de Cálculo Numérico há mais de uma década, acredita que a venda de trabalhos contraria o propósito da universidade. “Os alunos estão aqui para aprender alguma coisa. O diploma deveria refletir o aprendizado, não ser o principal objetivo”, diz o professor.

A prática merece punição, mas identificar os esquemas é complicado. “Não temos efetivamente como comprovar isso”, diz Rabello. Para evitar fraudes, todos os EPs entregues são comparados, dois a dois, por um programa de computador. O procedimento ajuda a encontrar trabalhos que foram copiados ou que são extremamente semelhantes, mas resolve “parcialmente” a questão das compras. Para Rabello, “isso certamente dificulta a vida do vendedor, porque ele tem que fazer produtos diferenciados para cada ‘cliente’, mas não impede completamente”. O aluno R. concorda: “É mais difícil quando você faz mais de um EP, tem que pensar em novos caminhos para resolver os mesmos problemas”.

O professor Rabello ressalta que o EP não é o único mecanismo de controle de aprendizado. A nota dos EPs equivale a 20% da nota final e o aluno é automaticamente reprovado caso não consiga média igual ou maior a 5 nas provas ou nos trabalhos. “O aluno compra o trabalho, gasta seu dinheiro e ainda tem uma chance razoável de ser reprovado na disciplina. Aquela tarefa não vai lhe valer nada do ponto de vista da aprovação se ele não tiver um bom desempenho nas provas”, resume o professor. Ao não fazer os EPs, as chances de ir bem nos exames diminuem. “O exercício é parte da disciplina, algo necessário para o aprendizado do aluno”, explica Rabello. O resultado? “O aluno que compra tem pouquíssima chance de sucesso”.

Apesar dos riscos, um aluno que não quis se identificar apelou para a compra do EP quando cursava um reoferecimento da disciplina. Pagou 100 reais e foi aprovado. Ele critica: “O EP exige muito tempo do aluno, e nós já temos muitas tarefas. Além disso, o nível de cobrança não está de acordo com as aulas”.