Como catracalizar os espaços públicos

Catracas estão em fase de implementação na entrada principal da FEA. Porém a faculdade não será a primeira da USP a limitar a livre circulação por seu espaço: na Odontologia, no IO e na Medicina as catracas já existem há tempos, levantando novamente a questão: pode-se limitar a circulação de pessoas no espaço público?
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Deve se lembrar que entre ser um parque e ser Universidade, a USP é primeiro Universidade – Marcos César Alvarez
A questão é se os benefícios que vêm do controle de acesso superam seus custos – Thomás de Barros


Deve se lembrar que entre ser um parque e ser Universidade, a USP é primeiro Universidade

Marcos César Alvarez é professor de Introdução à Sociologia na FFLCH-USP

A Cidade Universitária é um espaço público que tem objetivos diferentes de outros espaços: abriga uma instituição que visa a construção de conhecimento baseada em ensino, pesquisa e extensão. Este último indica que a Universidade deve manter contato com o público, mas isso não significa que o contato não possa ser direcionado para que seja melhor aproveitado o que a USP tem a oferecer.

Eu acho que faz parte da própria definição da Universidade que o acesso seja regulado a partir dessas funções. É legítimo que em determinado momento alguém não possa ter acesso a um espaço aqui dentro, se disso depende a segurança de um laboratório e o uso de salas de aula.

O senso comum considera algo público como algo sempre livre e aberto, que todo mundo pode usar, o que no caso da Cidade Universitária não se aplica, pois é um espaço que deve ser utilizado obedecendo a função para qual foi criado: a construção de conhecimento. Deve-se lembrar que entre ser um parque e ser Universidade, ela é primeiro Universidade.

A instalação de catracas para controlar a entrada é algo que deve ser pensado de acordo com as especificidades de cada unidade. Há unidades onde isso é necessário, nas quais esse controle implicaria um ganho em termos de segurança de equipamento, entre outros. E há unidades onde isso não é preciso. Não vejo a FFLCH como um espaço de circulação restrita. É uma unidade que tem equipamentos e discussões abertas para a sociedade. Se só pudessem entrar pessoas com carteirinha, criaria uma cisão muito grande em algo mais interessante integrado.

Porém, uma coisa é controlar a circulação de pessoas em um prédio e outra é impedir que circulem pelo Campus como um todo, que muitos utilizam até como rota alternativa para escapar do trânsito. Acho que essa medida só deveria ser pensada se a circulação de veículos de fora estivesse inviabilizando os alunos, professores e funcionários de chegarem em seus prédios. Por enquanto há somente pequenos problemas de circulação com os quais podemos lidar.

Uma política excessiva de controle deve ser evitada, pois geralmente cria um custo muito grande, sem garantir a segurança. Não é o fato de investir em muros altos, com guarita e câmeras que evita os assaltos. Deve haver uma discussão para achar um ponto ideal entre controle e livre circulação, o que é muito difícil. A ideia de que se maximizarmos o controle teremos mais segurança é fictícia. A Cidade Universitária está dentro da cidade de São Paulo, não acredito que ela possa ser muito mais segura do que o ambiente no qual está inserida.

Todas as medidas de segurança devem ser direcionadas para permitir que a Universidade cumpra suas funções básicas. Acho que a circulação livre e irrestrita não existe em lugar público nenhum.

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A questão é se os benefícios que vêm do controle de acesso superam seus custos

Thomás de Barros é diretor de comunicação do Centro Acadêmico Visconde de Cairu

A Comissão de Segurança da FEA é um órganismo consultivo ligado à diretoria no qual alunos, professores e funcionários reunem-se para debater o projeto de segurança. Foi diagnosticada uma série de problemas que precisavam ser sanados. Para tanto, foi formulado um amplo programa de diversas etapas, das quais algumas já estão em emplementação e outras, mais drásticas, aparentemente ficarão no papel.

A primeira fase previa a instalação de câmeras que foram colocadas logo no começo do ano e, depois disso, a instalação de catracas que permitirão o acesso apenas com a carteirinha USP. O objetivo é nobre: tentar reduzir pequenos incidentes que acontecem todos os anos, como furtos de notebook, mochilas e etc. Sem dúvida, pensando nesses pequenos furtos, as catracas devem melhorar a situação. A questão é se os benefícios que vêm do controle do acesso superam os seus custos – os mais óbvios: falsa sensação de segurança e o fechamento da FEA em si mesma, reduzindo sua integração com o resto da Universidade.

Teoricamente, o objetivo da catraca não é bloquear o acesso, mas controlá-lo, saber quem está entrando e como. No entanto, a colocação dessa barreira pode desestimular as pessoas a virem aqui. O problema que a Diretoria vê na FEA é o fato de funcionar como corredor entre outras unidades da USP, de forma que pessoas estranhas, às vezes mal intencionadas, entram sem cerimônia. Mas é aí que surge a questão de para quem a FEA deve estar aberta e como deve funcionar. É mais seguro obrigar as pessoas a contornarem o prédio, em uma rua escura?

Além disso, é justo perguntarmos se não haverá uma restrição as manifestações espontâneas. O professor Reinaldo Guerreuro, em entrevista ao JC, disse que o objetivo das catracas é nos dar mais liberdade, e não menos. Concordo com essa perspectiva, mas isso deve ser debatido.

Sobre se a Universidade deve estar aberta a sociedade, é evidente que a academia em geral deve. Em Economia, especialmente, os avanços em termos de programas de pesquisa tem sempre muito a ver com os assuntos do cotidiano, então a Universidade deve não só estar aberta como dialogando com ela o tempo inteiro. A Universidade pública principalmente, pois quem a financia são os contribuintes estaduais.

Agora, da mesma forma que dependemos de um aprofundamento desse contrato, entendemos que é legítimo que quem frequenta esse espaço queira segurança e proteção. É importante que elas sejam garantidas. Mas isso não é e não pode ser razão para bloquear o acesso ao espaço da Cidade Universitária.

Controlar o acesso aos portões da Universidade é uma questão mais complicacada, pois trata-se de um espaço muito maior. Fizemos uma consulta aos alunos da FEA no começo do ano e a maioria concordou que é necessário sim um controle maior de acesso, mas mais importante que isso é a prevenção, que a polícia, Guarda Universitária e companhia estejam bem integradas. Na USP, apesar de haver poucas saídas, criminosos conseguem se esconder aqui dentro e ninguém faz nada.

Esse é um debate que não tem ponto final. Na FEA, após o trágido incidente de maio, estudantes parecem dispostos a aceitar uma ampliação dos mecanismos de controle. Eu como estudante concordo, mas não podemos esquecer que a Universidade precisa estar aberta para formas de expressão.

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