Alunos criticam a atuação partidária no ME

Segundo professor Ruy Braga, da FFLCH, a participação dos partidos é natural, mas não deve funcionar como obstáculo ao movimento
No ato no centro de São Paulo, questionamentos iam além da presença da Polícia Militar na Universidade (foto: Isadora Bertolini Labrada)
No ato no centro de São Paulo, questionamentos iam além da presença da Polícia Militar na Universidade (foto: Isadora Bertolini Labrada)

A participação dos partidos políticos no Movimento Estudantil (ME) causa estranhamento em alunos que pela primeira vez se envolvem nos debates políticos na USP. Os partidos divulgam suas siglas com bandeiras e camisetas nos atos, reuniões e assembleias. O tema vem sendo discutido não só entre os alunos “novatos”, mas também por aqueles que já conheciam o ME antes dos últimos acontecimentos. Para além das bandeiras, as richas, os conflitos e sectarismo internos também chamam atenção. Mas apesar de aparentemente evidenciarem uma falta de união e organização, tais conflitos são naturais, e fazem parte da democracia, segundo Ruy Braga, professor de sociologia da FFLCH.

Para Alessandra Alves, estudante do 2º ano de Jornalismo da ECA, a presença de alunos filiados a partidos no ME não é ruim: “São esses estudantes, mais familiarizados com o espaço político, que ajudam a organizar calendários de greve, dinâmicas de assembleias e a lógica das reuniões”. No entanto, como também afirma Henrique Cunha, aluno do 4º ano do curso de Ciências Sociais, atualmente o problema está em como é a atuação desses partidos, representada por estudantes. “Privilegiar a construção do grupo político do qual faz parte em detrimento da construção e fortalecimento das entidades estudantis é perigoso”. Para ele, as bandeiras e cartazes, por exemplo, poderiam priorizar a divulgação de pautas de interesse dos estudantes da USP, e não servir meramente para divulgação de siglas.

“Se isso de fato está acontecendo, é um erro”, explica Ruy Braga. “A presença de um partido político no interior de um movimento não deve funcionar como obstáculo. Ele deve ser útil para que o próprio movimento se auto-organize e alcance seus objetivos. Isso é parte da lógica da ação coletiva”. O professor destaca que o ME é como outros movimentos sociais. “Ele é dinâmico, vivo, e é transpassado por conflitos, com diferentes pontos de vista.”

Braga entende que a “política estudantil” significa fundamentalmente participação política no campus, que por sua vez exige organização política dos estudantes. Segundo ele, essa organização pode evoluir para algum tipo de militancia, que é uma forma de organização política. “Desde que existe vida, movimento e política estudantil, existe algum tipo de relação com partidos, estabelecidos ou não, ou em vias de se consolidar”.

Mariana Viel, que é aluna do 3º ano da Letras, tem participado das reuniões e assembleias e conta que percebe a presença dos partidos, mas também observa que “nem sempre eles olham para os estudantes”.

Para Wellington*, a participação dos partidos desvia o foco da função essencial dos Centros Acadêmicos e do Movimento Estudantil em geral: “Eu sou contra, pois a atuação dos partidos vem propondo sempre questões para problemas da sociedade, de fora, deixado de lado o que realmente nos interessa”. Mariana Tariguchi, estudante do 2º ano de Turismo da ECA, acredita que os partidos podem piorar a imagem do Movimento. “Todo esse partidarismo acaba afastando muitos estudantes, e os próprios partidos nunca deixam claro até que ponto contribuem para as reinvindicações estudantis”, comenta.

Seguindo o que aprendeu sobre Residência em seminário, Davi Almeida, aluno do 2º ano de Farmácia, salienta que também pode ser importante o que esses estudantes podem levar de boas e novas ideias para o interior dos partidos, que, por sua vez, atuam na sociedade. “Assim como em uma Residência, há uma via de mão dupla que precisa ser considerada”. De acordo com Virgílio Bressan, também do 2º ano da Farmácia, é essencial tomar cuidado com a possibilidade de as pessoas não filiadas a partidos terem menos voz no Movimento.

Como salienta Braga, “a vida estudantil não é uma vida isolada do resto da sociedade. Brigas e richas fazem parte da democracia estudantil. “Esse tipo de conflito é antigo, e mostra o movimento se auto educando, se testando, amadurecendo. Pior seria se um grupo tivesse uma tal hegemonia que definisse tudo. Democracia é assim mesmo, meio confusa. O que não é confuso é o sistema político brasileiro. Ele é estruturado à base de interesses muito consolidados. Ele não é democrático. Aqueles que reclamam das assembleias estudantis, não percebem que, lá fora, o espaço de uma autêntica participação democrática é muito pequeno.

* Nome fictício