As faíscas do mundo e da USP não são iguais

Professores explicam as diferenças entre movimentações sociais em diversos países do mundo e dentro da universidade

Em 15 de maio de 2011, por toda a Espanha, milhares de pessoas saíram às ruas contra o resgate dos bancos, medida de contenção da crise econômica tomada pelo governo espanhol. Insatisfação e protestos já existiam antes, mas o 15M, como foi chamado, desencadeou várias outras manifestações ao redor do mundo, inclusive no Brasil.

Pouco mais de cinco meses depois, em 27 de outubro, três alunos foram flagrados fumando maconha pela Polícia Militar dentro da Cidade Universitária. Outros estudantes se juntaram para impedir que a PM os conduzisse à delegacia, o que levou a um confronto. Desde então, ocupações, assembleias e manifestações estão ocorrendo por toda USP. Muita polêmica envolveu o caso. Haveria relações entre os protestos de estudantes da USP e aqueles observados mundo afora?

Análises

Em entrevista concedida ao Estado de S. Paulo, o pensador marxista Michael Löwy, radicado na França, argumenta que o processo de movimentos internacionais se assemelha aos da USP. Iniciados com estudantes, os protestos ao redor do mundo foram abraçados pela sociedade em geral. Unificadas por um sentimento de indignação com a ordem social e o método de representatividade, as manifestações podem até ter estourado com um pretexto mínimo e não terem ideia exata de seus resultados, mas acima de tudo, geram uma tomada de consciência: “Por mais que comece com uma história de maconha e confronto com a polícia, acaba se transformando em um protesto antissistêmico”.

Há, no entanto, estudiosos que consideram as diferenças entre os movimentos da USP e do mundo maiores do que as semelhanças. Para Lúcio Kowarick, professor titular da Faculdade de Ciências Sociais da FFLCH, as causas divergem: no norte da África se trata de pedir uma democracia que ainda não existe, uma mudança sem volta. Nos EUA e na Europa, não se visa uma derrubada de poder, mas uma contestação de um capitalismo especulativo, que gera desemprego e concentra a renda nas mãos de poucos. Na USP, pede-se por ampliação de direitos da cidadania. “A aproximação entre a USP e o mundo é por se tratar majoritariamente de jovens que desejam uma maior inserção na sociedade, mas não passa disso”, afirma Kowarick.

Eugênio Bucci, jornalista e professor da ECA, diz que tudo começa na Espanha, passa para o mundo árabe, volta para a Espanha na revolta dos indignados, que se espalhou pela Europa e depois para Wall Street. Todos esses movimentos encarnam ideais de liberdade, justiça e paz social, além de terem a vocação de expor contrastes. Eles dizem: “os oprimidos somos nós”.

Com relação à USP, Bucci acredita que os autores do movimento que resultou na ocupação da reitoria gostariam de se filiar a essa tendência, mas não conseguiram. “Primeiro, a baixíssima representatividade dessa minoria que entrou na reitoria após ignorar uma decisão de Assembleia. Segundo, os movimentos do mundo geraram simpatia da opinião pública. Mesmo dentro do movimento, a tentativa de transformar os 72 presos em heróis é vista com desconfiança. E também difere do Chile, porque lá a repressão pôs em relevo as reivindicações dos estudantes, ao passo que aqui a repressão se tornou um fim em si mesma de protesto”.


Universidades em movimento nos EUA

Os protestos nos EUA não se resumem só às praças, metrôs e ruas das grandes cidades. O movimento se expandiu para campi universitários com barracas espalhadas pelos gramados. Um exemplo disso é o Occupy Harvard: desde o último dia 9, os estudantes se instalaram no jardim da Instituição localizada no estado de Massachusetts.

Na declaração de princípios publicada no site oficial do movimento, o grupo se diz favorável a uma “universidade para os 99%, não uma corporação para o 1%”, como solidariedade ao Occupy e protesto contra a corporativização da educação superior. Em medida sem precedentes na história de Harvard – que já teve outros tipos de ocupação anteriormente, como durante a Guerra do Vietnã e em 2001 – a diretoria da escola fechou um portão que liga a academia à área residencial da Instituição, a fim de manter a ordem nos jardins da Universidade.

Na costa oeste do país dois policiais estão em licença administrativa por terem usado spray de pimenta nos manifestantes no Campus da Universidade da Califórnia, na cidade de Davis (UC Davis), no dia 20 (domingo). Os estudantes marcaram novos protestos para os dias subsequentes, e estão arrecadando barracas e alimentos para suas atividades através de uma página no Facebook. O movimento Occupy UC Davis surgiu alinhado ao Occupy Wall Street e também em solidariedade às movimentações ocorridas na Universidade de Berkeley, na Califórnia.


O mundo em movimento

Saiba mais sobre as manifestações que estão acontencendo em diversos países, ora a partir de causas similares, ora focando em características da região. Alguns estão ainda acesos, outros esperam os efeitos da fumaça.

O Mundo em movimento (arte: Ana Marques)

Primavera Árabe

Jovens árabes sob regimes ditatoriais viveram sob os efeitos do desemprego, baixa qualidade de vida e de direitos políticos. E é a democracia a principal reivindicação dos que saíram aos milhares às ruas da Tunísia, Egito, Síria, Líbia, Bahrein, Arábia Saudita, Jordânia, Omã, Iraque, Argélia, Kuwait, Marrocos e Irã. Desde que um jovem tunisiano ateou fogo a si próprio contra uma ação policial em dezembro passado, os líderes da Tunísia e Egito foram depostos e o da Líbia, morto. Centenas de manifestantes também foram mortos e milhares feridos.

Cada país possui suas especificidades, como a intervenção militar na Líbia, a guerra civil na Síria ou o receio da tomada do poder por extremistas islâmicos no Egito. Aliás, os protestos nesse país continuaram após a troca de poder, pois os cidadãos consideram que o Conselho Supremo das Forças Armadas, a junta militar que assumiu o país em fevereiro, dá privilégios aos militares. Mas existem vitórias além da deposição dos ditadores, como o direito ganho pelas mulheres sauditas de votar e disputar cargos nas eleições municipais.


Espanha

O Movimento dos Indignados é organizado principalmente nas redes sociais (por meio de grupos como o ¡Democracia Real Ya!) e é contra as medidas de resgate aos bancos, os próprios bancos e instituições financeiras, a classe política dirigente e os ajustes nas finanças. O movimento também busca reformar o sistema eleitoral espanhol, no qual os pequenos partidos saem prejudicados.

O movimento não se sente representado pelos partidos políticos majoritários, que teriam maior interesse em impedir o colapso das instituições financeiras do que em manter a estabilidade da população. As manifestações se inspiraram em protestos ao redor do mundo.Os manifestantes creditam aos bancos e à classe mais alta a culpa pela crise econômica de 2008 e tem o slogan: “A sua crise, nós não pagaremos”.

O Movimento ganhou o nome de 15M porque começou em manifestação com cerca de trinta mil pessoas em dezenas de cidades no dia 15 de maio. Na noite deste mesmo dia foi erguido um acampamento no centro de Madri que foi dissolvido pela polícia na mesma madrugada. A repressão policial fez com que diversas outras praças fossem ocupadas em protesto. O 15M passou das praças aos bairros, continuando os protestos em assembleias.


Grécia

Durante a última década, a Grécia acumulou uma dívida igual a 142% de seu PIB, com altos gastos sociais e de funcionalismo público, somados a empréstimos pesados. Estava vulnerável demais na crise de 2008 para conseguir superá-la e, desde então, tem recebido pacotes de ajuda financeira de bilhões de euros de outros países europeus e do FMI.

A questão social entra nas medidas de austeridade que tais pacotes exigem. Maiores impostos de valor agregado (IVA), aumento de 10% nos impostos de combustíveis, álcool e tabaco, redução de salários no setor público e privado, demissões, cortes de receita e de previdência. Desde maio de 2010, protestos e greves de cidadãos insatisfeitas ocorrem nas ruas gregas. Alguns violentos, outros mais pacíficos; alguns com milhares, outros com dezenas de milhares de pessoas. Neste ano, os protestos contaram com a organização do movimento Direct Democracy Now! e com influências do 15M e do Occupy.

O país recebeu perdão de metade da dívida externa e, de Papandreou para Papademos, o primeiro-ministro foi substituído.


Chile

O Chile passa pelas maiores manifestações estudantis desde o fim da ditadura (1973-1990). Iniciados em 6 de junho, protestam por melhorias na educação universitária, que ainda funciona nos moldes de 1980, por Augusto Pinochet. Nesse modelo, as universidades públicas não são gratuitas, enquanto que as privadas são muito caras e de baixa qualidade, como apontam os estudantes.

Os manifestantes também defendem melhor distribuição da renda, mesmo não se encontrando em crise econômica. A CUT (Central Única dos Trabalhadores) chilena faz greves para dar força ao movimento. Durante uma das manifestações em 26 de agosto, um estudante foi morto por um tiro disparado pela polícia, o que comoveu a população.

Nos dias 4 e 6 de novembro, as manifestações tomaram as ruas pedindo por educação pública de qualidade, uso de plebiscito para solução de problemas nacionais e anulação da Constituição do Chile, criada durante a ditadura. Nos dias 9 e 17, aconteceram debates no poder Legislativo.

As propostas feitas pelo governo para conter as manifestações não foram aceitas pelos estudantes. A direita chilena responde dizendo que seus opositores políticos se escondem por trás dos líderes estudantis.


Estados Unidos

A ocupação de Wall Street, o centro financeiro da nação mais rica do mundo, tem diferentes causas e objetivos. O bordão “nós somos os 99%” se origina da grande desigualdade social. Um exemplo disso é o fato de os 400 americanos mais ricos possuirem mais do que os 150 milhões da camada mais baixa da pirâmide social, segundo dados da revista Forbes e do Federal Reserve, o Banco Central Americano. Os manifestantes armaram acapamento no Zuccotti Park , em Wall Street, no dia 17 de setembro, usando-o como base para protestos.

Eles lutam contra o desemprego e a favor do aumento dos impostos aos mais ricos. Alguns se dizem anarquistas, enquanto outros desejam a reforma do sistema, baseada no princípio da “accountability” (responsabilidade política, social e administrativa).

Recentemente, o movimento foi reprimido pela polícia nova-iorquina, que retirou as barracas por meio de uma ordem judicial. Hoje, os manifestantes se preocupam com novas maneiras de manter o parque ocupado à noite, mesmo sofrendo essa contingência. As soluções vão de colchões comunitários à ação de duas Igrejas que abriram as portas aos ocupantes. A ideia do Occupy já chegou a várias cidades dos EUA, como Minessota, San Diego, Chicago e Denver.


Inglaterra

Protestos de estudantes

Os cortes do governo na educação e o aumento do valor dos cursos universitários foram as principais causas dos protestos de estudantes em Londres, em 9 de novembro, quando 10 mil pessoas se reuniram nas ruas da cidade.

A polêmica surgiu de uma medida anunciada pelo governo de David Cameron, que previa que no início de 2012 as universidades poderiam triplicar o valor das matrículas, podendo atingir até 9 mil libras (R$ 25,4 mil). Os estudantes acreditam que esse valor fará com que muitos fiquem de fora do sistema educacional. Os manifestantes também se opõem à parte do pacote de austeridade que visa reduzir o déficit orçamentário que atingiu quase 11% do PIB do país.

A Polícia inglesa mobilizou 4 mil policiais para controlar a manifestação. A medida foi tomada porque no ano anterior as autoridades foram criticar por não conseguir conter o movimento.

“Occupy”

A versão inglesa do Occupy Wall Street está forte não só em Londres, mas também em mais sete cidades. Os protestos já duram cinco semanas. O movimento tende a ser pacífico e consiste em crítica à desigualdade de oportunidades gerada pelo atual sistema do capitalismo especulativo.

Na sexta, 18 de novembro, manifestantes do Occupy London tomaram um prédio de propriedade do banco suíço UBS, mas que se encontrava fechado há alguns anos. No dia seguinte fizeram um protesto simbólico: uma “reinauguração” do prédio do banco, batizando-o de “bank of ideas” (banco de idéias). O UBS poderá solicitar a reintegração de posse a qualquer momento. As manifestações continuam sem previsão de término.


Islândia

Proporcionalmente, a crise na Islândia foi a maior de todos os tempos na economia e mesmo a nacionalização de seus três maiores bancos não impediu que o país entrasse em recessão em 2008. Dívida externa e queda da moeda monstruosas, FMI e países nórdicos injetam bilhões.

Os islandeses devem pagar uma indenização a clientes estrangeiros de um dos bancos por causa do colapso. Os protestos nas ruas, pacíficos, forçaram a renúncia do governo, à qual se seguiram eleições e um novo governo de esquerda eleito. Entre a pressão internacional pelo pagamento e o povo, o presidente decidiu recusar a lei e fazer um referendo.

Em 2010, a maioria da população votou contra o pagamento e o FMI congelou os empréstimos. Apesar disso, o governo lançou investigações contra os responsáveis pela crise financeira, incluindo o ex-presidente de um dos bancos. Além disso, os islandeses queriam fazer uma nova constituição: a primeira era igual à da Dinamarca, sua ex-colonizadora, e a nova deveria libertar o país do poder exagerado das finanças internacionais. 25 cidadãos independentes foram eleitos para participar da constituinte, que teve lugar também na internet, por onde qualquer um pode participar de reuniões via streaming e enviar comentários. A primeira proposta foi está atualmente em avaliação por um comitê do Parlamento.

Colaborou Bruno Capelas