Com a palavra, o reitor João Grandino Rodas

Em janeiro de 2010, o professor João Grandino Rodas assumiu a reitoria da USP. Formado em Música, Educação, Direito e Letras, passou mais de quatro décadas de sua vida dentro da Universidade, entre diplomas, aulas e a diretoria da São Francisco. Em 21 de novembro, o reitor respondeu por e-mail as perguntas do Jornal do Campus sobre a reintegração de posse, a greve e a falta de diálogo interna.
(foto: Yuri Gonzaga/JC - 18/09/2009)
O reitor João Grandino Rodas (foto: Yuri Gonzaga/JC - 18/09/2009)

Jornal do Campus: Como o senhor vê a atitude dos que entraram na reitoria na madrugada de 1/11: ocupação ou invasão?
João Grandino Rodas:A tomada violenta do prédio da reitoria, com destruição do patrimônio público, contrariou até mesmo os costumes de certos grupos estudantis, pois representou ação desatinada de um grupo que acabara de perder em assembleia. Do prisma jurídico, foram perpetrados atos tipificados como crime no Código Penal Brasileiro, além de atos que ensejam pagamento de indenização, conforme o Código Civil Brasileiro.

JC: A Comissão de Negociação da Reitoria tentou negociar a saída dos alunos. Como o senhor avalia essa negociação?
JGR: A Comissão negociou exaustivamente, inclusive com mediação judicial, tendo chegado a acordo, com prorrogação de prazo, para a desocupação, assinado perante a juíza da 9ª Vara da Fazenda Pública, por três representantes do movimento discente. O cumprimento de acordo judicial teria demonstrado boa fé e a real disposição de contribuir para resolver pacificamente questões e para participar de agenda construtiva para a USP.

JC: A maioria dos alunos da USP se mostrou contrária à ocupação. Porém, a reintegração de posse foi vista como “truculenta” por muitos. Qual é sua opinião em relação à atuação da PM?
JGR: A reintegração da posse por meio de força judicial deu-se em razão de o grupo invasor não ter cumprido acordo judicial de desocupação, assinado em juízo. Em um Estado de Direito pleno, como é o caso do Brasil, a ordem judicial normalmente é cumprida, por representar a força do direito. Seu descumprimento acarreta consequências sérias, entre elas, a reintegração por meio de força policial, que, nesse caso, é totalmente legal e legítima. Assim, no caso em questão, a responsabilidade pelo uso da força policial recai naqueles que afrontaram a ordem judicial. Eventual “truculência”, utilizada em caso concreto, não deve ser medida simplesmente pelo efetivo utilizado, mas pela maneira como foi feita e pelos resultados. A PM entrou no imóvel desarmada, sem portar gases ou balas de borracha e retirou todos sem danos. Qual foi a truculência? Por outro lado, e se os 19 mercenários; os 2 funcionários; os 2 alunos e ao mesmo tempo funcionários; e os 50 alunos que estavam no prédio tivessem tido tempo para usar os coquetéis “molotov” e a gasolina que possuíam armazenada? Não teria sido necessária a entrada em cena do apoio externo da PM para evitar uma catástrofe?

JC: Qual seria um modo eficaz dos alunos protestarem e pedirem por melhoria nos campi?
JGR: A melhora da Universidade em todos os sentidos, olhado do ponto de vista dos alunos, deveria passar por dois pontos. Primeiramente, a representação discente deveria ser utilizada à saciedade, ou seja, os representantes dos alunos deveriam participar em todas as reuniões e ativamente. Tanto nas unidades quanto nos órgãos centrais da Universidade, seria proveitoso que não houvesse faltas sistemáticas de representantes discentes; e a postura “de ser contrário a tudo”, fosse substituída por postura firme de reivindicações e de colaboração, em posição de igualdade, com os órgãos administrativos. Em segundo lugar, os protestos extraordinários são cabíveis, por meio de demonstrações etc, mas nunca com a utilização de atos que sejam crime segundo o direito penal, como vem acontecendo há décadas na USP. É interessante verificar que, nos últimos anos, no Brasil, somente minorias sindicais e discentes da USP, além de poucos outros grupos extremistas, têm usado da violência física e da destruição de bens públicos como meio de protestar. Tal tipo de protesto tem gerado antipatia geral, interna e externamente à Universidade.

JC: Há planos de alterar o Regimento de 1972? Como interpreta: “manter e preservar a boa ordem, o respeito, os bons costumes e preceitos morais”?
JGR: É importante relembrar que, quando se discutiu e aprovou, em 1990, o regimento geral ora vigente, os próprios representantes discentes preferiram manter os dispositivos disciplinares em vigor desde 1972. Tal atitude fez com que esses dispositivos fossem “recepcionados” pelo estatuto e regimento vigente, passando a ser parte deles. Muito embora sendo parte integrante da legislação interna atual na USP, é óbvio que sua letra deve ser interpretada em consonância com os tempos atuais. Assim, não teria cabimento a punição de alguém por não ter agido com certos modos de respeito, costumes ou preceitos morais, hodiernamente não mais exigidos pela sociedade. Entretanto, não são dessas filigranas que se trata! Mas sim de atos de violência física contra pessoas e bens públicos que, na esfera penal, são qualificados como crimes; na área civil, ensejam indenização; e que podem, na área administrativa, após o devido processo legal e concedido o direito de defesa, fundamentar penalidades administrativas. Importa ter em mente que a possibilidade de punição administrativa acima referida não se fundamenta apenas nas regras da própria USP, mas sim no direito administrativo brasileiro, que, por si só, é suficiente para embasar punição.
Entretanto, acho importante que se discuta e se venha a aprovar regras com redação atual sobre punições na Universidade. A discussão servirá para inculcar em todos que qualquer sociedade deve possuir regras básicas, que se infringidas, acarretam consequências.

JC: O que acha do atual método de eleição para o cargo de reitor?
JGR: Perquirindo tanto no exterior, quanto no Brasil, há muitas formas de escolha dos dirigentes de universidades e tais formas evoluem com o tempo. Atualmente, os dirigentes das universidades europeias (mais próximas às brasileiras em razão de sua estrutura e por serem públicas), são eleitos por diminuto número de pessoas, por ter sido priorizada a administração profissional. Um exemplo curioso é a da Universidade de Coimbra, que, desde 1975, havia abolido até mesmo a nomenclatura diretor, substituindo-a por presidente do conselho diretivo. Atualmente, poucas dezenas de personalidades escolhem o reitor coimbrão, que não precisa obrigatoriamente ser docente da Universidade, nem mesmo ter a nacionalidade portuguesa. Não estou propugnando tal método, pois cada caso é um caso. Seria bom que a USP continuasse a discutir suas formas de poder. Contudo, a se continuar o extremismo de posições, nada será modificado. Basta lembrar que, em 2007, a então reitora chegou a colocar no calendário acadêmico um período exclusivo para a realização de congresso sobre o poder na Universidade, período esse transcorrido em branco, pois as “representações” discentes e sindicais não se entenderam quanto ao modo de levá-lo a cabo. Por fim, se se pretende que a USP mantenha suas atuais posições nos rankings e os melhores, não há universidade mais bem colocada que não seja gerida, ao menos no campo administrativo, de maneira profissional.

JC: Institutos e faculdades da USP encontram-se em greve de alunos. Pede-se pela saída da PM do Campus, mais iluminação, poda de árvores, etc… Como avalia a força dessa greve para atingir os objetivos?
JGR: Sobre o status da greve “decretada”, os meios de comunicação informam constantemente seu alcance, Assim como noticiaram a antidemocrática mudança para março da eleição dos componentes do DCE (nesse interregno, haverá vácuo do poder ou a diretoria se autoconcederá extensão de mandato?). Por outro lado, acerca da potencialidade futura da paralisação, somente quem for dotado de poderes divinatórios poderá se pronunciar.
Diria que pode ser retirado do rol de objetivos da greve a melhora da iluminação nos campi da USP. Como já noticiado há um ano, os órgãos centrais da Universidade vem estudando e trabalhando para transformar os campi da USP em exemplo de luminância. Há meses, após licitação, fez-se projeto, nos moldes da Avenida Paulista e do Parque do Ibirapuera, utilizando os mais modernos equipamentos e lâmpadas “led”, para que a iluminação dos campi fosse feita sem corte ou desbaste de árvores. Estranhei o movimento advogar corte de árvores, sem antes perquirir outros métodos que as poupassem. Em certos lugares, os postes serão estrategicamente colocados abaixo das árvores, para que elas sejam poupadas. Finda a licitação para a execução das obras, em 8 meses o projeto estará implantado no campus do Butantã e, em 18 meses, em todos os campi da USP. Com o novo sistema, o gasto de eletricidade mensal da USP será de 20% do atual. Dessa maneira, a economia fará com que o moderno sistema se pague.
No que tange à permanência da PM, é de se recordar que a Constituição Federal concede à PM, e somente a ela, o poder de polícia em todo o território nacional. Para que tal seja mudado, há dois caminhos: emendar a referida Constituição e parte do território nacional se proclamar novo Estado soberano e ser reconhecido pela comunidade internacional. O convênio com a PM, firmado após aprovação de seu texto pelo Conselho Gestor do Campus, não é, nem poderia ser, o fundamento da possibilidade de a PM exercer o poder de polícia no campus. Ele foi negociado com a PM justamente para permitir que haja na USP polícia comunitária, que conheça e respeite as particularidades universitárias; que interaja com a Guarda Universitária (que não possui nem pode exercer poder de polícia, por disposição constitucional); e que instituições externas à USP e à PM, como o Instituto São Paulo Contra a Violência, possam velar pelas formas de policiamento na Universidade.

JC: Há planos de discussão, replanejamento ou revogação do convênio entre PM e USP?
JGR: Consoante o já exposto, não só há possibilidade como a conveniência e o desejo de que quaisquer organizações de estudantes participem da discussão e da melhora do convênio em tela.

JC: Acha que há diálogo suficiente entre departamentos, unidades e administração? Por quê?
JGR: O diálogo nunca é suficiente e necessita de melhora permanente. Logo no início desta administração, sem prejuízo dos canais institucionais competentes, foram nomeados dois assessores do reitor, um para propiciar relacionamento direto com os alunos e outros com os funcionários (portarias publicadas no Diário Oficial do Estado em 21/04/10). Eles poderiam ser mais utilizados.

Colaboraram: Isadora Bertolini Labrada, Maria Clara Nicolau Vieira, Mariana Payno Gomes e Leandro Carabet