Intervenção artística no muro da São Remo busca chamar atenção para a falta de diálogo entre a USP e a sociedade

Quem passasse pela Avenida Prof. Almeida Prado na sexta-feira, 25/11, por volta das 15h, não poderia deixar de ver.  Contornando parte da avenida, está o muro que separa a vizinha comunidade São Remo do espaço da Universidade de São Paulo.  No meio de todo o concreto, há um pequeno portão de pedestres que fica aberto durante o dia. Ali, estudantes e moradores da comunidade se reuniram para uma intervenção artística.

A pintura nos muros da São Remo reuniu uspianos e crianças da comunidade (foto: Mayara Teixeira)
A pintura nos muros da São Remo reuniu uspianos e crianças da comunidade (foto: Mayara Teixeira)

A atividade foi proposta pelo Fórum de Extensão da USP e incorporada ao calendário de greve estudantil. Cerca de 50 estudantes, crianças da comunidade e grafiteiros convidados refletiram sobre a existência do muro, a segregação entre o ambiente acadêmico e a sociedade e desenharam livremente o que essa separação representava para eles.

Antes da pintura, as pessoas conversaram sobre o que o muro representa (foto: Denise Eloy)
Antes da pintura, as pessoas conversaram sobre o que o muro representa (foto: Denise Eloy)

“No nosso entendimento, o Movimento Estudantil só está combatendo um dos lados da questão da insegurança. A USP ainda não consegue dialogar com diversos atores sociais, principalmente a comunidade que a circunda. Não existe um diálogo entre a Universidade e a São Remo, o que existe é o diálogo do muro. Ao fazer os desenhos, chamamos atenção para essa barreira”, disse Leonardo Rodarte, aluno de Relações Internacionais, e membro do Fórum de Extensão e do projeto de extensão Educar para o Mundo.

“Abrir o campus é uma questão muito importante para nós, estudantes de extensão. Uma grande bandeira da extensão que simboliza muito a nossa ideia hoje é a questão de querer derrubar os muros construindo pontes”, disse Mariana Gondo, aluna de Direito, membro do Fórum de Extensão e do projeto de extensão Serviço de Assistência Jurídica Universitária (Saju).

Os muros do lado esquerdo do portão de pedestres foram pintados e grafitados (foto: Mayara Teixeira)
Os muros do lado esquerdo do portão de pedestres foram pintados e grafitados (foto: Mayara Teixeira)
“Desenhei a São Remo ali em cima”

Para as crianças, que não sabiam se pintavam ou cantavam no microfone, a atividade também motivou uma reflexão sobre o espaço em que vivem.  “Estou achando ótimo. [Essa atividade] vai significar que do outro lado tem pessoas que vivem”, disse Gustavo.  “O muro só atrapalha, porque eles pensam que nós somos vândalos”, explicou Henrique *, amigo de Gustavo.

As crianças da São Remo participaram desenhando nos muros (foto: Beatriz Montesanti)
As crianças da São Remo participaram desenhando nos muros (foto: Beatriz Montesanti)
O grafiteiro Felipe Ruído buscou integrar sua arte aos desenhos das crianças (foto: Denise Eloy)
O grafiteiro Felipe Ruído buscou integrar sua arte aos desenhos das crianças (foto: Denise Eloy)

“Eu desenhei a São Remo ali em cima”, apontou João* para o desenho que para ele representava a sua comunidade.  Ao lado, Felipe Ruído, grafiteiro convidado que estudou na Unesp e hoje dá aula de grafite no Rio Pequeno, tentava fazer com que sua arte se completasse com os desenhos das crianças. “Estamos chamando atenção para o muro, para a questão de que ele separa a favela do campus. O objetivo é integrar com o pessoal da comunidade e também provocar a mudança, ver o que pode ser feito”, disse. “A criançada está brincando e ajudando, está rolando uma coisa coletiva com eles”, completa.

Como a atividade não tinha autorização da Coordenadoria do Campus, a Guarda Universitária orientou os alunos para que a pintura se restringisse aos muros da São Remo, ao lado esquerdo do portão de pedestres. Praticamente toda a extensão do muro disponível, até a parte que fica escondida atrás das árvores, foi coberta com dizeres como: “será a USP parte da cidade?”, “a maioria está atrás dos muros”, “a revolução da união”, “menos muros, mais educação”.

Histórico do muro

A discussão em torno do acesso da Comunidade à USP não vem de hoje. Toda essa questão foi levantada juntamente com um muro, construído entre 1995 e 1997, para controlar o número de transeuntes pelo campus e preservar os patrimônios da Universidade. O muro acabou restringindo o acesso dos são remanos à Cidade Universitária a dois portões – o do HU, e o portão de pedestres, com saída para a Rua Aquianés.

O prefeito do campus da USP na época da construção, professor Gil da Costa Marques, afirmou que o muro deveria existir apenas como barreira física, para garantir a preservação das instituições da USP, mas não deveria ter incitado algumas das hostilidades entre são remanos e a comunidade uspiana (entrevista concedida ao NJSR, no ano passado)

“Eu sempre vi esse muro e nunca refleti até que eu ouvi falar que que ele foi uma construção recente. Para mim, não estava muito claro que esse muro não estava aqui. O pessoal fala tanto em partilhar a Universidade, que faz parte da cidade, mas não é isso que esse muro representa” disse Thiago de Azevedo, aluno de Administração, que participou da grafitagem.

A extensão na USP

O Fórum de Extensão da USP é um grupo que reúne alunos de seis projetos de extensão: o SAJU da Faculdade de Direito, o Educar para o Mundo de Relações Internacionais, o Redigir da ECA, o Escritório Piloto da Poli, o ITCP da USP e o Labex da EACH.

A intenção do Fórum de Extensão, ao promover a atividade, era integrar uspianos e são remanos (foto: Denise Eloy)
A intenção do Fórum de Extensão, ao promover a atividade, era integrar uspianos e são remanos (foto: Denise Eloy)

“Esses grupos trabalhavam com extensão popular dentro da USP, mas não se conheciam, até que em 2009, se uniram para tentar trabalhar em projetos coletivamente, trocar experiências e desafios, e pautar a questão da extensão dentro da Universidade de São Paulo”, disse Leonardo.

Para os membros do Fórum, é preciso aproveitar o momento. Os uspianos estão mobilizados e discutindo a integração da Universidade com a sociedade, é uma oportunidade de  “chamar atenção para a questão da extensão que não é levada a sério na USP”.

Segundo a Pró-Reitora de Cultura e Extesão da USP, Maria Arminda, em texto no site da Pró-Reitoria: “A extensão caracteriza-se, por isso mesmo, por ser um setor de extrema complexidade, pois cobre um arco amplo de ações: das atividades essenciais de atendimento público como a clínica, aos cursos de especialização, convênios, desenvolvimento e ensino.”

“Extensão é um conceito em disputa ainda hoje na USP”, disse Leonardo. “A USP a encara como qualquer coisa que não seja nem pesquisa nem ensino, ou seja, é um grande balaio que cabe tudo. A gente não acredita que extensão seja isso.Essa é nossa proposta, extensão deve ser muito mais do que cursos pagos”, completa.

A trilha sonora da atividade foi sugerida pelas crianças da comunidade (foto: Mayara Teixeira)
A trilha sonora da atividade foi sugerida pelas crianças da comunidade (foto: Mayara Teixeira)