O movimento precisa entrar nos eixos?

A Assembleia Geral dos Estudantes definiu cinco eixos políticos: “Fora Rodas”, “fora PM”, criação de um plano de segurança alternativo, não-punição administrativa ou criminal aos 73 presos na reintegração de posse da reitoria, e retirada de todos os processos administrativos contra estudantes e funcionários – sua adesão pela comunidade USP apresenta divergências.
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Todos esses eixos políticos se inserem na mesma raiz: a defesa da democracia – Jorge Luiz Souto Maior
O movimento atual é vazio. A liberdade é de pensamento, não de fazer o que quiser – Manuel Enriquez Garcia

O movimento precisa entrar nos eixos? (foto: Giovanna Rossin/Ana Pinho)


Todos esses eixos políticos se inserem na mesma raiz: a defesa da democracia

Jorge Luiz Souto Maior é professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco

Os eixos são plenamente pertinentes diante do momento pelo qual passa a Universidade. São, também, legítimos, até porque as pessoas têm o direito de buscar, por ações políticas, reconstruir continuamente a ordem jurídica.

Acredito que todos os eixos se inserem na mesma raiz: a defesa da democracia. Tem havido, ao longo dos últimos anos, perseguições políticas inconcebíveis no âmbito da Universidade. Essa situação é ainda mais alarmante em se tratando de um ambiente acadêmico, onde o desenvolvimento de ideias deve constituir o objetivo principal.

A convivência com o necessário contraditório, que venha acompanhado de manifestações, é essencial à democracia e a USP não pode ser uma ilha, antidemocrática, em nossa sociedade. Além disso, não se pode furtar ao debate acerca dos eixos propostos, que não são apenas dos alunos, mas também dos professores, conforme deliberação da Adusp, simplesmente desqualificando os manifestantes e criminalizando seus métodos de luta. Decididamente, os conflitos, dentro de um ambiente acadêmico, que prima pelo processo educacional, devem ser resolvidos por intermédio de diálogo e aprendizado e não com força bruta.

A iniciativa da Administração da Universidade de levar o conflito [da ocupação da Reitoria] à Justiça, por intermédio de uma ação de natureza possessória, foi, em verdade, um ato também político, ou, mais propriamente, uma forma de judicialização da política, para evitar o diálogo. A atuação judicial se inseriu neste contexto político e acabou servindo à prática de um ato, determinado pelo governo do Estado e não pelo Judiciário, dado o seu vulto, que foi muito além do que a mera reintegração.

Na ação policial, aliás, vários direitos humanos foram gravemente desrespeitados. Buscou-se, isto sim, criminalizar não só os integrantes daquele movimento, mas dar um recado para todos os demais possíveis atos políticos de natureza reivindicatória, dentro ou fora da USP. Desse modo, tentar obter a anistia dos estudantes e dos servidores envolvidos, nesta e em manifestações anteriores, significa, meramente, dar continuidade ao processo de natureza política instaurado, até porque não se pode deixar de expressar solidariedade a todos aqueles que têm lutado para imprimir na USP o sentido pleno da coisa pública.

A recusa ao diálogo a respeito das reivindicações [por parte da Reitoria] significa que o maior problema que nos conduziu a toda essa instabilidade, que é o da negação dos contrários, persiste. Uma negação, aliás, que adquire ares de intolerância, produzindo perseguições de natureza pessoal, extremamente perniciosas ao ambiente educacional.

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O movimento atual é vazio. A liberdade é de pensamento, não de fazer o que quiser

Manuel Enriquez Garcia é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP

A melhor maneira para analisarmos o tema é por meio de um retrospecto histórico. Quando cursava Economia, ficamos três meses em greve, em 1968. É algo que veio do movimento estudantil de Paris, e acabou coincidindo com duas coisas: os veteranos dizendo que o curso era ruim e não preparava para o mercado de trabalho, e a ditadura militar, que nos tirava toda e qualquer liberdade de expressão.

Comparando com aquela época, há alguns pontos em comum: a falta de perspectiva na maior universidade brasileira para seus alunos, currículos defasados, necessidades de melhorar os professores, um ambiente muito centralizador. À luz do que fizemos naquela ocasião, esse movimento atual é vazio. Os estudantes estão brigando por quê?

Era contra esse cerceamento de liberdade que a Universidade tinha que lutar, naquela época. Havia sempre um coronel de plantão que, por meio de seus “assessores”, tolhia a liberdade de opinião em sala de aula. Quando falávamos que não queríamos a polícia, não era a viatura da polícia. Era a tropa de choque do exército junto com outros órgãos, que vinham aqui com uma função bem definida.

Os manifestantes pedem “fora viatura da polícia, não quero você na minha privacidade”. Mas qual é a sua privacidade? Quais os direitos que você quer ter? É liberdade de pensamento, não de se fazer o que quiser.

Acho que a viatura é necessária. Na FEA, um aluno foi assassinado. Saí talvez uma hora antes, não sei se cruzei com o assassino. Uma menina da Administração foi violentada. Casos como esse ocorrem aqui dentro, a USP faz parte do Brasil, e a presença da viatura evita crimes.

No caso da invasão da Reitoria [e do pedido de não-punição aos 73 presos], é um pouco diferente. Há um inquérito policial, em que constam acusações de depredação de patrimônio público, e cabe ao Ministério Público (MP) não oferecer a denúncia. Ninguém tem mais condição, do ponto de vista jurídico, de mexer neste inquérito, além do MP e do juiz. A Reitoria não tem qualquer poder decisório. Talvez ao final destes 70 e tantos, três ou quatro sejam indiciados.

Se houve perda patrimonial, o reitor não pode abrir mão [dos processos]. Se não há um culpado, ele é quem terá que pagar. Está gerenciando um bem público, é o responsável perante a lei, precisa evitar assumir as responsabilidades alheias.

A Universidade não tem dinheiro, a Guarda Universitária não tem dinheiro. Vai colocar quantos guardas a mais? Três? Quando você chama a viatura, tem uma. Mas, se for necessário, podem vir mais 40.

Que o aluno pense de forma diferente é uma coisa boa. Seria uma tragédia se os jovens pensassem como eu – embora eu ainda faça ressalvas que não penso tão mal assim. Acredito que, com o passar do tempo, essas feridas vão cicatrizar, e algo mais palpável [no movimento estudantil] vai aparecer.

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