“Ocupação expressa falta de diálogo”, diz DCE

Grupos de estudantes contrários à PM no campus se dividem quanto aos passos tomados após a intervenção policial na FFLCH
Manifestantes do dia 31 de outubro criticam o acordo que aumenta a presença da PM no Campus com cartaz cuja tipografia é característica do grupo MNN (foto: Victor Francisco Ferreira)
Manifestantes do dia 31 de outubro criticam o acordo que aumenta a presença da PM no Campus com cartaz cuja tipografia é característica do grupo MNN (foto: Victor Francisco Ferreira)

A divisão político-ideológica dentro do movimento estudantil foi uma das causas principais tanto das discussões e confrontos da noite do dia 27 de outubro, quanto da ocupação da administração da FFLCH. Por volta das 18h30 daquele dia, três estudantes foram abordados por dois policiais da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (ROCAM) da Polícia Militar (PM) no estacionamento da História e Geografia e flagrados com 20 gramas de maconha. O fato aqueceu imediatamente as discussões sobre a função, eficácia e ação da PM no Campus, inclusive entre policiais e alunos.

Discordando da negociação entre o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e a diretoria da FFLCH sobre o encaminhamento dos três alunos à delegacia, estudantes ligados a grupos contrários à gestão do DCE tentaram impedir que os três fossem levados para assinar o termo circunstanciado (TC), documento policial para crimes leves. A alegação era de que os alunos estavam sendo convencidos pela diretora da Faculdade, Sandra Nitrini, pelo DCE e pelos advogados a aceitarem o procedimento policial, o que significaria uma espécie de “submissão à reitoria”.

De acordo com Vladimir Sampaio, um dos advogados que auxiliou os três estudantes naquela noite, a abordagem policial não foi considerada abusiva. “Tudo começou quando um outro aluno, que nem era amigo deles, saiu espalhando que os meninos estavam sendo presos, e aí foi juntando cada vez mais gente”, conta.

O fato começou a tomar grande proporção. De acordo com o Tenente Coronel Souza, que esteve na FFLCH, havia cerca de 10 a 12 viaturas e em torno de 500 estudantes no local. No entanto, pode ser observado um número de no mínimo 13 viaturas cercando a Faculdade.

Sala das Sociais

Após tentativas de diálogo em meio à multidão que se aglomerava no estacionamento, os três alunos se reuniram com dois advogados, representantes do DCE e com a diretora Sandra Nitrini e o vice-diretor Modesto Florenzano, além de três professores: Flavio de Campos, Lincoln Secco e Maurício Cardoso. Policias chegaram a entrar no edifício como espécie de escolta do grupo, mas saíram do local sob ordem da direção da faculdade e protestos dos estudantes.

“Ficamos na sala por cerca de 40 minutos, protegidos por um grupo de alunos na porta que entendeu que era preciso que os três tomassem decisões e fossem assessorados em relação a isso”, conta Maurício.

Escoltados pelo mesmo grupo de alunos, os três seguiram para dois carros, da diretora e um do próprio Maurício. Sandra havia recusado a oferta da viatura feita pelo delegado da Polícia Civil. Os manifestantes sequer perceberam que o trio já estava a caminho da delegacia quando a situação se intensificou. Neli, representando o Sintusp, também chegou a participar da reunião.

Sampaio afirma que os alunos flagrados queriam ir para a delegacia e acabar o mais rápido possível com a situação. “O problema é que [alguns estudantes] não nos deixavam mais sair da sala”. Segundo Maria Joana*, outra advogada que participou do fato, a vontade dos alunos envolvidos deveria prevalecer sobre as reivindicações do movimento estudantil e suas dissidências. “Tem que ser respeitada a vontade deles, e não a vontade da ‘assembleia do caralho’”, ironizou.

“DCE Traidor!”

Pouco antes da reunião no prédio das Ciências Sociais, ainda no estacionamento, estudantes questionavam a posição tomada pelo DCE nas negociações com a diretora. Alguns alunos dirigiram-se ao diretor da entidade, João Victor, dizendo: “O advogado tá errado! Não tem que assinar nada!”. Em seguida, iniciaram-se gritos de protesto contra o diretório (“DCE traidor!”)  e contra o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), ao qual são filiados diversos membros da atual gestão do DCE.

Os principais grupos políticos contrários à atual gestão do DCE e à sua atuação no conflito e que controlam a ocupação da administração da FFLCH são: a Liga Estratégica Revolucionária Quarta Internacional (LER-QI), que defende, entre outras coisas, a extinção da polícia em todo o mundo, o Partido da Causa Operária (PCO) e o Movimento Negação da Negação (MNN).

Desde o acordo assinado entre a Polícia Militar, a Secretaria de Segurança Pública e a Reitoria, no dia 8 de setembro, o Sintusp deixou clara sua posição sobre a presença da PM no Campus. “Nós somos contra. Na verdade, o que defendemos é a extinção da Polícia Militar, não só do Campus, mas como instituição com poder na sociedade”, explica Brandão, diretor do Sindicato. “A PM foi criada para repressão política, e pode interpretar o que quiser como ‘perturbação da ordem’, poder empregado contra professores, alunos e funcionários no ambiente universitário, representando mais ameaça do que segurança”.

Magno, também do Sintusp, estava na FFLCH na noite de quinta-feira e participou da Assembleia convocada pelos estudantes logo após a confusão entre PMs e alunos. A diretora da FFLCH deixou bem claro para João Victor, diretor do DCE, que não via motivo para envolvimento nem do Sindicato nem da Associação dos Docentes da USP (Adusp), o que expressa claramente o quanto a manifestação já ganhava um cunho político, indo além de um fato pontual. “A Adusp não tem que se envolver, nem o Sintusp. Um representante do DCE já basta”, afirma Sandra à João, logo antes da reunião com os estudantes que iriam mais tarde para a 91ª DP.

As decisões acordadas na reunião sobre as possibilidades do que poderia acontecer com os alunos flagrados durou cerca de três horas. Enquanto isso, a esfera de tensão e discussão aumentava no lado de fora. Os alunos, segundo o advogado, deveriam ser encaminhados para a delegacia, pois os procedimentos não poderiam acontecer na própria universidade. Essa era uma das reivindicações iniciais do DCE e da diretora da FFLCH, que buscavam preservar a integridade dos estudantes. No entanto, Sandra assinou um documento se comprometendo a não abrir nenhum tipo de processo administrativo contra os alunos. Uma das punições que podem ser definidas pelo Ministério Público é a doação de uma cesta básica para uma instituição de caridade.

Assembleia e ocupação

Na Assembleia convocada logo após o confronto físico com a PM, foi decidido por votação que a administração do prédio da FFLCH seria ocupada naquele mesmo dia, com uma margem de nove votos a favor. Rechaçado nessa primeira Assembleia, e nas decisões que se seguiram, o DCE acredita ser muito ruim que os estudantes “tomem decisões radicalizadas”, com tanta divergência no seu interior. “O que aconteceu na Assembleia que decidiu sobre a ocupação foi o convencimento de uma maioria conjuntural, momentânea, o que é diferente de uma maioria significativa”, diz João Victor.

Mesmo com todas as divergências internas, para o movimento estudantil é clara a opinião de que a presença da Polícia no Campus não é solução para os problemas de segurança. Nesse sentido, apesar de receber até xingamentos nas assembleias, e ter sido excluído de comissões da ocupação, o posicionamento do DCE expõe a necessidade de as ações, como a mobilização para o ato que aconteceu no dia 31 de outubro, serem unitárias, conjuntas. “Acreditamos sim que a ocupação da administração é a expressão da falta de diálogo entre os estudantes e a reitoria“, diz João. Como escrito na nota de esclarecimento publicada pelo DCE, “Só será possível avançar caso a discussão sobre segurança no campus e a presença da PM seja feita com mais estudantes das diversas unidades. É necessário dar consequência política a este movimento. Do contrário, o isolamento não permitirá nenhuma conquista real para os estudantes da USP, mas sim desgastes, conflitos e enfraquecimento”.

O ato do dia 31 de outubro tinha como principal bandeira a revogação do acordo entre PM e Reitoria, com críticas pesadas ao reitor Rodas (foto: Beatriz Montesanti)
O ato do dia 31 de outubro tinha como principal bandeira a revogação do acordo entre PM e Reitoria, com críticas pesadas ao reitor Rodas (foto: Beatriz Montesanti)

O ato do dia 31 de outubro contou com discursos em frente à reitoria e resultou em uma passeata que foi em direção ao P1, saiu da USP e interditou por aproximadamente 10 minutos a esquina da Av. Afrânio Peixoto com a Rua Alvarenga. Sob chuva, os manifestantes retornaram à USP e passaram por alguns departamentos da FFLCH. Entraram também na FEA, em represália à carta aberta divulgada pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC), que apóia a presença da PM no Campus. Após o trajeto, os manifestantes retornaram para a ocupação.

Apesar das divergências

Tanto no manifesto de ocupação da diretoria da FFLCH quanto na nota de esclarecimento do DCE fica claro os principais motivos comuns pelos quais a PM não é bem-vinda no Campus, de acordo com os estudantes do movimento estudantil. Como consta no manifesto, mais de 26 estudantes estão sendo processados por se manifestarem politicamente. “Fica evidente que o real objetivo da polícia militar na USP não é inibir crimes, mas é inibir e combater manifestações políticas e cercear o direito de expressão livre de estudantes e trabalhadores. Evidencia-se o papel da polícia como aparelho armado de repressão aos movimentos sociais que resistem ao avanço da desigualdade e ataques a direitos históricos da população”, foram palavras proferidas no ato. Complementando o apresentado pelo manifesto está a carta do DCE, que afirma que “a Reitoria é responsável pela melhoria das condições de segurança nos campi. As intervenções por ela prometidas, no entanto, ainda não saíram do papel. O DCE é contra a concepção que iguala segurança à simples presença de PMs. Os lamentáveis episódios de violência da quinta-feira são consequência de tal concepção”. Para Brandão, Diretor do Sintusp, “precisamos pensar em eliminar a violência na sociedade, e em combatê-la em suas origens”.

Como aponta o professor Cícero Araújo, da FFLCH, “na sociedade atual vivemos uma crise democrática, expressa inclusive nos impasses e conflitos internos pelos quais passam os movimentos associativos da USP”. Na visão do professor, “as direções não se renovam; o que dificulta o combate desses conflitos internos”. Tal impasse é explícito na falta de diálogo tanto entre os alunos do movimento estudantil quanto entre esses alunos e a própria reitoria, como afirma João Victor. Nesse sentido, de acordo com Araújo,  o DCE, Adusp e Sintusp, por exemplo, poderiam trabalhar para “fiscalizar” e criticar a Polícia, mobilizando mais dessa capacidade e atenção para apontar os erros. “Se houver abuso, temos de denunciar, nas entidades, para que a USP tome providências frente à Polícia”.

* Nome fictício

Colaboraram Ana Pinho e Giovanna Rossin