Para DCE, prioridade da reitoria não é a USP

Em entrevista ao Jornal do Campus, Pedro Serrano, diretor do DCE esclarece a visão da gestão sobre os últimos acontecimentos da USP, desde a prisão dos três estudantes na FFLCH.

Jornal do Campus: Qual é a posição da gestão sobre o que tem acontecido na USP, a começar pela prisão dos três estudantes que estavam com maconha na FFLCH no dia 27 de outubro?
DCE: A posição da nossa gestão é de identificar um culpado dessa situação conflituosa na USP, que é a própria gestão da reitoria. Achamos que o fato de os policiais terem abordado três estudantes que supostamente estavam com uma pequena quantidade de maconha no estacionamento da FFLCH foi um ato de provocação. Alegava-se que a Polícia Militar estava aqui para garantir a segurança pública, mas ela está cumprindo com uma função de constranger e reprimir o movimento social. A USP deve ter um perfil democrático, aberto, de diálogo, onde as pessoas têm liberdade. Sabemos que a PM cumpre na sociedade, principalmente na periferia, um papel muito repressor. Agora, dentro USP, isso tem uma gravidade destacada porque a universidade historicamente teve uma autonomia na sua administração que nunca foi compatível com a presença da PM.

JC: O estopim ter sido a questão da maconha deslegitimou ou estereotipou o movimento?
DCE: Acho que o que aconteceu no dia 27 [de outubro] foi um estopim. Mas, maior estopim ainda, foi a questão da tropa de choque. A entrada da tropa de choque na USP, da maneira como aconteceu, contribui para tirar o foco da maconha. A confusão que pode ter sido criada a partir do dia 27, tem que ser superada a partir de agora, quando o que está em questão é muito maior. Acho que, muitas vezes, [o estopim ter sido a maconha] deslegitima [o movimento], mas não por culpa do próprio movimento, mas por culpa da repercussão que é dada pela grande mídia. O que está em questão na verdade é muito mais do que a maconha ou não maconha. Isso é uma repercussão que se dá para o movimento até querendo deslegitimar a mobilização dos estudantes.

JC: Como vocês avaliam o movimento, das ocupações às assembleias?
DCE: O movimento estudantil está se fortalecendo muito nesse processo, porém acho que há dificuldades. No dia 27, a maioria da assembleia que se reuniu depois da prisão dos meninos votou a ocupação do prédio [da diretoria] da FFLCH. O DCE votou contra a ocupação imediata, não por achar que não deveria haver uma resposta do movimento estudantil, mas por acreditar que aquela não era a mais adequada. Mas realizamos a ocupação por ter sido uma deliberação coletiva. Lá dentro, grupos minoritários no movimento estudantil, mas que eram maioria dentro da ocupação, tinham uma postura bastante hostil com o DCE. Ter oposição de crítica política à gestão do DCE é absolutamente natural, mas ter uma desconstrução da entidade é negativo para o movimento estudantil. Uma ferramenta que sequer conseguia dialogar com a entidade representativa de todos os estudantes da USP tem dificuldades de dialogar com todos os estudantes da USP. Depois, houve a votação da desocupação que ganhou com uma margem de mais de cem votos. Ultrapassou-se em muito o teto da assembleia e queriam forçar que se votasse a questão da ocupação da reitoria. Isso era um problema de método porque já se tinha ultrapassado o teto da assembleia. Você não pode revotar o teto da assembleia quando muitas pessoas que estavam [presentes] no início já não estão mais. Mas tinha uma argumentação política também: se existia uma leitura do movimento de que a ocupação na FFLCH não era a melhor para a mobilização, que dirá a ocupação da reitoria. E uma nova maioria composta em uma assembleia que estava se esvaziando não poderia votar uma nova deliberação. Por isso, o DCE encerrou a assembleia. Então, um grupo minoritário de pessoas continuou na assembleia e ocupou a reitoria. Isso criou um impasse dentro do movimento estudantil entre os que acreditavam que a ocupação era legítima e os que acreditavam que a ocupação era ilegítima. O DCE não participou da ocupação da reitoria porque aquilo não tinha sido deliberado em assembleia legítima. Ainda assim, a gente se posicionou contra qualquer intervenção da PM para reintegração de posse. Mas a entrada da tropa de choque foi um fato político que transcendeu as divergências do movimento estudantil. A partir disso, a mobilização tem crescido muito. A assembléia do dia 8 de novembro foi uma grande vitória do movimento estudantil. Logo no dia seguinte, realizaram-se as assembleias de muitos cursos que já entraram em greve no primeiro dia: FFLCH, FAU, ECA, a Pedagogia. Muitos cursos que não entraram em greve realizaram assembleias ou rodas de conversa bastante cheias, como IME, IO, IAG. Uma assembleia geral tem o caráter mais político de uma deliberação dos estudantes como um todo, mas isso se materializa nas assembleias de curso que estão acontecendo de uma maneira bastante fortalecida.

JC: Vocês acham que algumas pessoas votaram contra a desocupação da FFLCH na assembleia por acreditarem que o foco estava errado, ou seja, queriam desocupar a FFLCH para ocupar a reitoria?
DCE: Não. Todos aqueles que votaram pela desocupação da FFLCH não o fizeram por entender que o melhor era ocupar a reitoria. Pelo contrário, eles entendiam que o movimento deveria investir em outra tática para a mobilização.

JC: E sobre a operação de reintegração e a prisão das pessoas que estavam lá?
DCE: Isso foi um dos maiores absurdos da história da USP. E os culpados foram o reitor e o governador do Estado. Nada justifica o que aconteceu: nenhuma divergência política, nenhum erro das pessoas que ocuparam a reitoria, nenhuma falta de legitimidade. Nada justifica que se tenha um ato de reintegração de posse com tropa de choque dentro de uma universidade pública, na qual deve prevalecer a democracia e o diálogo para resolver os conflitos políticos. Foi uma demonstração de força por parte da reitoria, do governo do Estado e da Polícia Militar, querendo dizer para todos os estudantes que a luta política, a partir de agora, é proibida na Universidade. A prisão dos estudantes está inclusa nesse absurdo. Em pleno século XXI, ter mais de 70 presos políticos é sem sentido. Não pudemos contribuir com a fiança, porque o DCE não tem fonte de renda fixa. Mas contribuímos com a negociação e com a mobilização de pessoas que puderam contribuir: os sindicatos, intelectuais, advogados.

JC: Qual a posição da gestão sobre a greve dos estudantes?

DCE: A maioria dos estudantes da USP costuma ter um grande descrédito no movimento estudantil. O fato de ter havido duas assembleias gerais muito cheias, com as pessoas vendo que elas [as assembleias] faziam sentido, é um grande avanço para o movimento estudantil.  Um ato de rua com cinco mil pessoas, que dialoga com a sociedade é outra grande vitória. A greve é um instrumento dos estudantes para fortalecer essa mobilização. Defendemos a greve e achamos que ela tem que se fortalecer gradualmente. Nossa preocupação é dialogar com os estudantes que não acreditam que a greve seja uma alternativa nesse momento. O movimento estudantil não deve virar as costas para esses estudantes, mas dialogar. O momento de greve é um momento extraordinário, em que as pessoas percebem que vale mais a pena fazer política do que assistir aulas.

JC: Para alguns estudantes, os motivos da greve não estão claros. A heterogeneidade dos eixos e bandeiras enfraquece o movimento?
DCE: As bandeiras podem ter um caráter mais geral porque são deliberações que os estudantes também apóiam. Os eixos estão ligados à saída ou não dos estudantes da greve; e, mesmo entre eles, há uma heterogeneidade grande, que dificulta uma conquista mais global. Por outro lado, tem um ponto positivo, porque conseguimos amarrar um número maior de estudantes. São cinco eixos: saída da PM do campus, fora Rodas, fim dos processos administrativos e criminais [contra estudantes e funcionários da USP], não punição administrativa ou criminal aos estudantes presos durante a reintegração e um plano alternativo de segurança. Sabemos que, dentro disso, tem questões mais fáceis e mais difíceis de serem conquistadas. A saída do Rodas, por exemplo, nós sabemos que é uma coisa difícil, por enquanto. A não ser que o movimento tome uma força muito maior, é difícil tirar o reitor do cargo. Mas isso não quer dizer que não tenha que ser um eixo da nossa greve, porque [a insatisfação com o reitor] é um sentimento geral na Universidade. Tem outros eixos que temos que nos esforçar para conseguir: a saída da PM do campus e, principalmente, as questões do plano alternativo de segurança. [O plano] foi um avanço na maturidade do movimento estudantil, porque faz com que a nossa greve dialogue com todo o conjunto da Universidade. A PM não resolve o problema da segurança. Se você só nega a presença da PM, mas não apresenta um plano alternativo, acaba ratificando o plano que já existe. Seria muito importante que a nossa greve tivesse conquistas reais nesse sentido. A iniciativa de chamar uma audiência pública com o reitor visa muito isso.

JC: Como vocês veem esse “sumiço” do reitor?
DCE: A maneira de o reitor se comportar na Universidade é como se ele fosse um ente superior a todas as pessoas. Parece o big brother do George Orwell. O reitor não tem coragem de se reunir com os estudantes, os trabalhadores, os professores; de encarar de frente as críticas feitas a ele. É uma pessoa colocada ali pelo governador do Estado; o segundo menos votado, dentro de um processo já antidemocrático que é a eleição [para reitor]. A gestão dele está ligada à própria gestão do governo do Estado, ou seja, aos interesses que estão fora da Universidade. Por isso, ele coloca a PM aqui dentro e não está nem aí para a autonomia universitária dentro da USP. O Rodas não tem o mínimo compromisso com a Universidade. O compromisso dele é com o partido com o qual sabemos que ele tem uma ligação muito próxima, com o governo pelo qual ele foi nomeado.

JC: Mas levantar uma bandeira de partido durante um ato também não é ser movido por interesses de fora?
DCE: Esse é um debate muito delicado. Entendemos como muito legítima a reivindicação das pessoas de que as bandeiras que sejam levantadas nos atos políticos do movimento sejam bandeiras que representem diretamente o movimento. Muitas vezes a pessoa não se sente representada pela bandeira do partido a, b ou c. Por outro lado, não é saudável, para qualquer movimento político, ter uma deliberação que proíba a expressão de preferências partidárias e políticas.  Esta é uma conquista histórica dos movimentos sociais, e uma deliberação de assembleia nesse sentido é regressiva. Outra coisa por trás disso é o sentimento apartidário que existe hoje. Os grandes partidos do nosso país não nos representam de fato, não têm compromisso com a luta social. Estão nos gabinetes, estão fazendo negociatas, estão roubando, estão corrompendo. Isso cria um sentimento de distanciamento da sociedade com partidos em geral. Mas, muitas vezes, [esse sentimento] se traduz para todo e qualquer partido, quando, na verdade, também existem partidos que estão comprometidos com a luta social.