Pesquisador discute formação da PM paulista

A presença da Polícia Militar na Cidade Universitária tem sido alvo de críticas severas do movimento estudantil e sindical dentro da Universidade de São Paulo. As abordagens a alunos e a ação de reintegração de posse da reitoria, realizada no dia 8 de novembro, têm levantado discussões sobre os excessos da Polícia.

André Rosemberg, pesquisador da história das instituições policiais de São Paulo e pós-doutorando pela Unesp, afirma que a ação policial, em muitos casos, não responde aos princípios básicos da democracia, mas que “ao mesmo tempo, essa atitude pode ser aplaudida por alguns segmentos da sociedade”.

A Polícia passou por processo de militarização no último século, mas o pesquisador conta que a sua atuação está mudando: “Há boas práticas policiais e é perceptível o esforço da PM em agir de acordo com as demandas da sociedade”. Rosemberg cita Dominique Monjardet, sociólogo francês cuja tese afirma que o nível de democracia de uma sociedade pode ser medido pela ação policial, para apontar que ainda há uma lacuna democrática no país: “A polícia continua agindo com uma força desproporcional”.

Dados da PM/SP

Origens

A polícia brasileira, de modo geral, baseia-se no modelo da gendarmerie, polícia francesa ligada ao poder público e às Forças Armadas, criada após a Revolução Francesa. “Sua função é de ordenação do espaço público e de controle da criminalidade, ou seja, a garantia dos direitos individuais”, explica Rosemberg.

O Brasil se institucionalizou com base em uma legislação penal. Na década de 1840, surgem dois tipos de polícia que perduram praticamente inalterados até hoje: a Civil, um auxiliar da Justiça; e a polícia ostensiva, administrativa.

Cada província montou sua força policial. A Polícia Militar do Estado de São Paulo pautou-se no modelo gendármico, que privilegiava o ambiente rural, onde morava a maior parte da população. “A função das gendarmeries era, em tese, levar a bandeira e mostrar o poder presente”, conta Rosemberg.

Exército paulista

Com a instauração da República, a PM torna-se subordinada ao governo estadual e assume um caráter marcial. “O discurso das autoridades deixa nítida a intenção de fazer dessa polícia ostensiva e militarizada uma força política, que garantiria a manutenção do status quo”, diz André Rosemberg. Em 1905, por exemplo, o então presidente do estado Jorge Tibiriçá afirmou: “Estamos orgulhosamente criando um pequeno exército paulista”.

O projeto de atuação da PM em São Paulo sofre, neste momento, uma inflexão. “O que era um projeto civilizatório passa a ser um plano claro de manutenção de poder, no qual a PM seria um instrumento da elite política contra cisões internas e intervenções federais”, explica Rosemberg.

Apesar de uma tentativa de reformulação da polícia, liderada por uma missão francesa contratatada para treinar e instrui-la, a corporação carregou alguns problemas. De acordo com Rosemberg, “as práticas continuavam as mesmas do Império. Todos os problemas disciplinares, de precariedade material e de instrução inadequada permanecem, mas em um grau menor”. A militarização da polícia encontrou resistência também na sociedade, cujas necessidades cotidianas não exigem intervenções bélicas.

O caráter bélico da polícia intensificou-se com a Revolução Constitucionalista, de 1932, na Era Vargas e durante a ditadura militar, quando as práticas militares foram utilizadas para combater um inimigo político. O mais grave, aponta Rosemberg, foi a aplicação dessas condutas no policiamento comum. “A lógica militar se reproduz em todas as esferas do policiamento, o que vai de encontro à filosofia da polícia em um estado democrático”, diz o especialista.

A utilização da força física é herança das Forças Armadas, mas tem objetivos distintos: “Enquanto as Forças Armadas pretendem aniquilar um inimigo, o objetivo da Polícia é usar essa força física de maneira comedida para responder às demandas do poder político ou do interesse coletivo”.

Cenário atual

Com o fim da ditadura, foi criada uma nova constituição em 1988, que definiu as ações da polícia nas esferas nacional e estadual. Cabe à Polícia Militar, de acordo com o Artigo 144 do documento, “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”. Tanto a polícia Militar quanto a Civil estão subordinadas aos governadores estaduais.

Para o pesquisador, algumas ações policiais ainda são contrárias a um estado democrático. Sobre a reintegração de posse da Reitoria do dia 8, diz: “A operação foi compreensível dentro da lógica política do governo, mas ela é condenável”.

André Rosemberg conta que há uma mudança visível na formação dos policiais: “Hoje em dia, ela é mais voltada aos direitos humanos, mas ainda há uma cultura que mantém hábitos entranhados na corporação”.