Busp: benefício ou privilégio?

Com a implantação de um Bilhete USP (Busp) exclusivo para estudantes, funcionários e professores, o novo percurso se estende até o metrô Butantã e diminui os custos com transporte para os beneficiários. Por outro lado, o restante da sociedade agora paga para se deslocar pela Universidade. É papel da USP prover este serviço gratuitamente?
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[Trata-se de] um sistema de transporte dirigido às pessoas relacionadas à atividade fim da USP – José Sidnei Colombo Martini
A USP não pode ser uma ilha de alguns privilegiados, porque toda a sociedade a sustenta – Givanildo Oliveira dos Santos


[Trata-se de] um sistema de transporte dirigido às pessoas relacionadas à atividade fim da USP

José Sidnei Colombo Martini é Coordenador do Campus da Capital do Estado de São Paulo (Cocesp)

Jornal do Campus: Como surgiu a ideia de implantar um sistema de BUSP? Que instâncias dentro da universidade deliberaram a respeito dessa implantação?
José Sidnei Colombo Martini: A implantação do Sistema de Transporte Circular operado pela SPTrans foi aprovada pelas instâncias de governança da Reitoria e do Campus da Capital. A ideia surgiu a partir de reclamações dos usuários para atender a necessidade de melhorar o atendimento à comunidade uspiana aumentando a oferta de transporte coletivo e de acesso ao metrô, diminuindo o tempo de espera em pontos de ônibus. Essa medida veio atender à necessidade de redução de número de veículos no campus, reduzindo o fluxo de veículos em beneficio da segurança dos pedestres, privilegiando o uso do transporte público urbano em detrimento do carro.

JC: Por que houve a necessidade de um convênio com a SPTrans?
JM: Não foi firmado convênio, mas sim um contrato, em que a USP recebe o serviço de transporte da SPTrans, que tem a concessão de operação de transporte público coletivo na cidade de São Paulo. O sistema circular operado pela USP não pode transitar fora dos limites da Cidade Universitária, por questões legais. A gestão dos serviços de transporte coletivo com ônibus na didade de São Paulo é restrita à SPTrans.

JC: O que muda com o BUSP? O antigo ônibus circular continua a funcionar gratuitamente para todos?
JM: O Sistema Circular operado pela Prefeitura USP Capital (Cocesp) funcionará durante a fase de adaptação do novo sistema. A partir de então, uma nova linha operada com ônibus da USP, denominada “Circular Cultural”, passará a fazer parte do sistema de transporte da Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira (Cuaso). Essa nova linha, resultante de projeto idealizado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) com a parceria da Cocesp, operará gratuitamente. O itinerário do “Circular Cultural” cobrirá adicionalmente pontos que exibam mostras, recitais, apresentações, congressos e demais atividades culturais. Dessa forma, o novo sistema não excluirá serviço gratuito de transporte para a comunidade em geral dentro da Cidade Universitária, uma vez que o “Circular Cultural” percorrerá todo o perímetro do campus. Os roteiros do “Circular Cultural” estão em fase de planejamento.

JC: De que maneira o novo sistema beneficia a comunidade uspiana? Ele traz mais segurança ao campus?
JM: Alguns benefícios são a conexão com o metrô, o aumento da oferta de transporte, a diminuição do tempo de espera, serviços ininterruptos, que garantem melhoria na qualidade de vida dos moradores do Crusp. Esse sistema melhora as condições de segurança pela redução do tempo de espera dos usuários nos pontos de ônibus.

JC: Em termos de custos com transporte dentro do campus, por que o Busp é um projeto interessante? Quanto foi gasto para implantar o sistema? Esse gasto é representativo dentro do orçamento da USP?
JM: O novo sistema circular terá investimento da ordem de R$7 milhões ao ano e prevê não só a melhoria na oferta de transporte coletivo, mas também melhoria nos padrões de operação e regularidade, compatíveis com os padrões SPTrans e metrô, que são especializados no serviço de transporte público urbano. Os recursos para essa melhoria são orçamentários da USP. O sistema operado pela USP custa à Universidade, aproximadamente, R$ 8,5 milhões ao ano, considerando custos com: combustíveis, inspeção veicular obrigatória, manutenção, seguro obrigatório, operação e investimentos de capital.

JC: O que é o Circular Cultural? A partir de que data ele começa a funcionar? Qual será seu trajeto e qual será o tempo médio de espera?
JM: Respondido acima (questão 3).
O tempo médio de espera decorrerá do itinerário que será definido, tendo como objetivo uma prestação de serviço compatível com os padrões internacionais para atividade semelhante.

JC: Por que o benefício do circular gratuito não pode ser estendido ao cidadão comum? Os frequentadores de projeto de extensão, trabalhadores terceirizados, moradores da comunidade São Remo, alunos da escola de aplicação, visitantes de museus e outros frequentadores da USP em geral também serão beneficiados por essa medida?
JM: Não se trata de um sistema de transporte público generalizado, mas um sistema de transporte dirigido às pessoas relacionadas à atividade fim da Universidade, assim como já é feito com os restaurantes universitários, moradia no Crusp.
Quanto aos terceirizados, a contribuição da Universidade já é feita através do pagamento dos serviços por eles prestados, à empresa que os contrata sendo obrigada desta o repasse aos empregados [Vale Transporte].
Quanto aos alunos da Escola de Aplicação (EA) são ele todos beneficiários do Sistema Busp por serem já portadores de número e carteirinha USP, necessitando entretanto da comprovação de identidade através de documento oficial [RG].
Os alunos de cursos de extensão não são atingidos pelos benefícios do Busp, assim como não dispõem dos demais benefícios concedidos aos portadores de número e carteirinha USP.

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A USP não pode ser uma ilha de alguns privilegiados, porque toda a sociedade a sustenta

Givanildo Oliveira dos Santos é vice–presidente da Associação dos Moradores do Jardim São Remo e funcionário da USP

Jornal do Campus: O que mudou com o Busp?
Givanildo Oliveira dos Santos: Mudou muita coisa. Primeiro que ficou difícil para as pessoas frequentarem os equipamentos que são de uso dos moradores da São Remo. Tem o posto de saúde, que é da Universidade e atende a 100% da nossa comunidade – cada posto é responsável por uma área. A gente usava o circular para descer no Instituto Butantan e entrar ali por dentro para ir no posto.
Ficou difícil para muitas mães que são da terceirizada, que saíam às 5 horas, largavam seus filhos na creche e corriam pegar o circular para chegar no trabalho. Agora elas têm que sair correndo mais cedo, correndo risco de estupro, correndo risco de muitas coisas porque elas têm que sair de madrugada para caminhar essa USP todinha.
Noventa por cento das mães da comunidade São Remo prestam serviço terceirizado aqui dentro. As empresas impõem que só contratam elas se elas forem da São Remo ou do Jaguaré, para não pagar vale transporte (VT). A Universidade, em contrapartida, só contrata as empresas picaretas que não pagam VT para esse povo que mora na São Remo e usa o circular como meio de transporte. Fica muito complicado.
O Busp trouxe um transtorno na vida de muita gente que hoje em dia corre risco de vida. As pessoas saíam de casa 6h20 e chegavam no serviço 7 horas. Agora têm que sair 5h30, andar toda essa Universidade de madrugada sem uma alma viva! As empresas que a Universidade contrata não pagam [o VT].
O Busp é ótimo para os trabalhadores, para os estudantes e tudo o mais, mas para a comunidade que sustenta essa Universidade, que contribui para o andamento dessa Universidade, foi muito prejudicial.

JC: Como você vê essa mudança?
GS: Eu vejo uma mudança muito radical. Eu vejo que a Reitoria está impondo as coisas sem discutir, seja com a sua comunidade interna, seja com a sua comunidade externa – porque essa Universidade é sustentada pelas duas populações; essa Universidade é sustentada pela população paulista e paulistana. A Universidade, não por ser pública, não teve uma discussão séria.

JC: Como você ficou sabendo do projeto?
GS: Eu fiquei sabendo do projeto porque eu tive uma reunião com o chefe de gabinete da Reitoria, o [Alberto Carlos] Amadio, e o Wanderley Messias [da Costa, superintendente de relações institucionais]. A gente ficou sabendo pelos meios de comunicação e nós questionamos – não que nós sejamos contra os funcionários e os alunos terem esse direito – apesar de ser um órgão público, eles simplesmente virem com o projeto, de uma hora para a outra. Sabendo que tem uma população que está do seu lado e frequenta os equipamentos da Universidade e não fez a discussão com essa população.

JC: Durante a feitura do projeto você soube dele? O pessoal da São Remo soube disso?
GS: O pessoal da São Remo soube por outras bocas, por meio de bochicho dos trabalhadores da Universidade: “olha, vão implantar um bilhete aí”. Souberam através dos trabalhadores da Universidade. A USP em nenhum momento chegou a colocar para a comunidade do São Remo: “olha, vocês que costumam usar o circular, se previnam porque tem um projeto para o circular ser retirado”, em nenhum instante. Fez na calada da noite.
E outra coisa, nem a comunicação aos terceirizados, que 90% precisam disso aqui! A Universidade contrata empresas picaretas, empresas pilantras. Muitas delas já foram embora e deixaram muitos trabalhadores na mão, como a antiga União, a Higilimp e mais outras. Essas empresas não pagam [VT] e eles [a USP] nem foram cobrar: “olha, nós vamos colocar o Busp mas vocês vão ter que assumir”. Nem isso! Nem esse papel a Universidade fez, por ela ser pública e ser prestadora de serviço para a sociedade paulistana! Ela não fez as suas obrigações de casa.

JC: Foi apresentada aos moradores uma proposta alternativa?
GS: Nenhuma. Nós pedimos uma coisa só para a Universidade: queremos discutir a questão do posto de saúde do [Instituto] Butantan porque 100% do nosso povo é atendido pelo posto. O posto pertence à Universidade, queremos discutir isso. E queremos discutir como fica essa população terceirizada aqui dentro. Como é que fica? A Universidade vai continuar deixando as empresas roubarem dinheiro público? Queremos discutir esta questão da terceirizada aqui dentro.
A Reitoria até hoje – tive essa reunião a semana passada – ficou de me dar por escrito as respostas de cada pergunta que a gente fez. Até hoje a Reitoria se calou. A Reitoria, o professor Amadio, o Rodas e o “caramba a quatro” se calaram. Não deram resposta nenhuma, por isso, dia 22 nós vamos descer e chamar toda a comunidade para a porta da Reitoria. Não é obrigação da Reitoria dar transporte para a comunidade mas ela é pública, ela tem que ter seu meio de locomoção aqui dentro. Ela não pode ser uma ilha de alguns privilegiados fora da sociedade porque toda a sociedade sustenta essa Universidade.

JC: Um dos argumentos da Reitoria quanto às comunidades vizinhas e quanto à população é o de que ela não vai restringir totalmente…
GS: Vai sim. Acabamos de ter mães retiradas de dentro do circular pela Guarda Universitária (GU) e pela Polícia. Foram expulsas do circular. Foi semana passada, tinham umas duas mães com uns três adolescentes sapecas; foram retirados do circular sim. Vai sim. Não é permitido ninguém entrar no circular sem o Busp.

JC: Mas a Reitoria fala quer vai ter o Circular Cultural.
GS: O Circular Cultural é de passar de duas em duas horas. É piada. O Circular Cultural vai ter um uso determinado. Por acaso o Circular Cultural vai fazer o percurso cultural do posto de saúde? Não vai. O Circular Cultural vai fazer o percurso daquelas mães que trabalham lá na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE)? Não vai! Dos que trabalham lá na Faculdade de Educação (FE)? Não vai. E essas mães que levam as crianças para a FE, na Escola de Aplicação (EA)? Esse Circular Cultural vai sair às 6 horas da manhã? Não vai, não existe Circular Cultural. E de duas em duas horas, que é a previsão?

JC: Você acredita que essa medida traz mais segurança ao campus?
GS: Não traz mais segurança. O que traz é uma forma coisa pior, porque as pessoas ficam revoltadas com a Universidade por ela ser pública e não ter o direito de ir e vir. A sua vizinhança não vai cuidar, não vai proteger porque está sendo cada vez mais excluída. Isso cria mais antipatia da sociedade, isso cria mais antipatia da sua vizinhança. Eles [USP] não são obrigados [a oferecer transporte], mas é uma universidade pública, é o básico para as pessoas se locomoverem aqui dentro.
Ou a Universidade garante [a segurança] estabelecendo regras ou estabelece leis. Eu acho que não tem segurança nenhuma. O circular não trazia insegurança para as pessoas. Não trazia insegurança porque ninguém iria matar ninguém no circular. Que eu saiba, nunca ninguém fez isso.
Eu acho que a Universidade vai criar mais antipatia da sua vizinhança, vai criar mais transtornos. As pessoas não se sentem parte daquilo que é público, daquilo que elas têm como obrigação de cidadão cuidar. Elas vão sentir que tem mais é que excluir. A Universidade se auto-excluiu.

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