Cidade Universitária possui apenas sete policiais mulheres

Para especialistas, falta política de segurança voltada para mulheres no campus Butantã  e é preciso investir em campanhas preventivas

Sete policiais. Esse é o contingente feminino da Guarda Universitária (4) e da Polícia Militar (3) para atender o campus Butantã, com uma área construída equivalente a 1.261.214 m², onde transitam 52.343 mulheres, entre docentes, funcionárias técnicas-administrativas e estudantes.

Nas duas instituições de segurança, não há serviços especializados para tratar de crimes como estupros ou assédios. Em entrevista, Ronaldo Pena, diretor da Divisão Técnica de Operações e Vigilância (DOV), da Guarda Universitária DOV, afirmou que “os homens também são treinados para tratar problemas com mulheres, crianças e idosos”. Já Luiz Petter Salles, 1º Tenente da Polícia Militar, afirmou que a PM “trabalha de maneira preventiva contra qualquer tipo de delito”. Nesses tipos de crime, as vítimas são encaminhadas para atendimento médico, caso necessário, e depois para a Delegacia da Mulher.

“É sempre bom haver policiais mulheres para atender casos de assédio e estupro. Dependendo da ocorrência e da gravidade do caso, a vítima adquire grandes traumas. Uma policial mulher deixa a vítima mais confortável para relatar o ocorrido”, afirma a socióloga Wânia Pasinato, pesquisadora sênior do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP. Para ela, a questão do gênero requer profissionais bem capacitados para fornecer um bom atendimento sem julgamento de valor. “Em muitos casos, durante o atendimento, a vítima é responsabilizada por causa da roupa que usava ou pelo local onde estava. É preciso entender que a vítima teve direitos violados e não a culpar pela violência sofrida”, conclui.

Para Heloísa Buarque de Almeida, professora de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o senso comum interpreta as roupas e os hábitos de uma mulher de maneira equivocada. “Se uma mulher usa mini-saia, se embebeda demais ou usa drogas a ponto de ficar relativamente inconsciente (coisa que os rapazes também fazem), o senso comum diz que é sinal de que ela estava ‘disponível’ e que, por isso, o cara “deveria” se aproveitar da situação”. E complementa: “Essa violência reflete uma mentalidade hierárquica e desigual “que faz com que as mulheres ou outras pessoas mais vulneráveis sejam consideradas ‘puníveis’ por adotar ‘mau comportamento’ ”.

Dados e relatos

Segundo dados da DOV, o portão de acesso para a Vila Indiana é uma das seis regiões de risco na USP. Apresentados em reunião do Conselho Gestor do Campus da Capital em 3/5/2011, os dados apontam como outras áreas de risco as divisas com a comunidade São Remo, a estrada do “Mercadinho”, a Praça do Relógio, o Parque Esporte para Todos (próximo à Rua do Matão) e o portão Fepasa (para estudantes procedentes da estação de trem Estação Universitária). “O portão da Vila Indiana é uma área muito deserta, escura e com muitas árvores, o que aumenta a sensação de insegurança”, diz Natalia Signorelli, mestranda do curso de Oceanografia.

Comparativo entre o real e ideal de iluminação da Rua do Matão (foto e edição: Paulo Fávari/Raphael Martins)
Comparativo entre o real e ideal de iluminação da Rua do Matão (foto e edição: Paulo Fávari/Raphael Martins)

Moradora da Vila Indiada desde 2006, quando foi aprovada para a graduação do Instituto de Oceanografia (IO), Natalia diz que se sente insegura nas proximidades do IO. “Passo pela Rua do Matão todos os dias no caminho para a faculdade. É escuro e deserto. Muitas vezes volto andando, pois o ônibus demora para chegar”. Para ela, há pouco policiamento na área. “É difícil ver policiais ali, diferente da Rua dos bancos (Avenida Professor Luciano Gualberto), onde há uma concentração de policiais”. Alessandra Quesada, estudante do terceiro ano de Biologia, conta que foi alertada por veteranos assim que passou no vestibular. “Logo que entrei na USP, meus amigos me ecomendaram nunca descer a rua do Matão sozinha após as 19h, porque é perigoso. Eu sempre evito ficar sozinha no ponto de ônibus quando saio tarde da faculdade”.

Falta política de segurança para mulheres

Para Wânia Pasinato, não há uma política de segurança específica para mulheres na USP e a questão não se resolve só com policiamento. “Fala-se muito da punição, mas desconheço campanhas preventivas”. Ela ressalta que a violência contra a mulher não se limita a estupros. “Assédios são uma violência que não costuma entrar nas estatísticas. É fundamental debater a questão para a mulher saber que assédio também é um tipo de violência e denunciar”. Nas estatísticas da Guarda Universitária, por exemplo, assédios não constam entre as principais ocorrências divulgadas no site da corporação.

Heloisa Buarque de Almeida concorda: “A política de segurança da USP é incapaz de usar todo o arsenal de referências dos estudos sobre violência que os próprios pesquisadores da universidade produzem”.

Ambas pesquisadoras dizem que, além de mais investimento em infra-estrutura (como maior iluminação do campus e ônibus mais frequentes), é preciso investir nos recursos humanos existentes na USP. “A reitoria pode elaborar uma campanha de prevenção e articular vários profissionais na Universidade como psicólogos, médicos, advogados e assistentes sociais. É uma questão de saúde também e esses profissionais também devem receber cursos de capacitação nessa área“, diz Wânia Pasinato.

Na USP, o Instituto de Psicologia (IP), não há atendimento específico para mulheres que sofreram violência sexual. Segundo informações obtidas no IP, elas podem receber atendimento, mas não há um grupo ou núcleo específico para tratar desses casos de violência contra mulheres. Associado á Faculdade de Saúde Pública, existe o PAVAS (Programa de Atenção à Violência Sexual), mas cujo atendimento está previsto somente para crianças e adolescentes até 17 anos.

Ao contrário do que ocorre na USP, onde faltam programas direcionados ao atendimento de mulheres, universidades como a Unicamp (Campinas) desenvolvem projetos voltados para o tema. – como é o caso do Programa de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual. Disponível no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM), esse programa prevê atendimento médico, atendimentos psicológicos e orientações legais para mulheres que sofreram violência sexual.