Sem cerveja, CAs e Atléticas têm renda afetada

Proibição da entrada de bebida na Cidade Universitária começou na véspera do show-protesto organizado pelos estudantes em greve

Caminhões que realizam a entrega de cerveja para centros acadêmicos e atléticas estão proibidos de entrar no campus desde a véspera do show de protesto da calourada unificada, ocorrido quarta-feira, 29 de fevereiro.

Sem aviso prévio, os alunos que organizava o evento só ficaram sabendo da notícia pela imprensa, e não diretamente pela reitoria. Segundo Beatriz Cyrineo, aluna do curso de letras e parte da comissão organizadora, “só foi possível fazer a coisa acontecer porque muitos estudantes trouxeram a cerveja com carros”. No dia do evento, muitos carros foram revistados antes de serem liberados para entrar no campus.

A partir daí, os estudantes usaram dessa estratégia para fazer as festas. “Mas essa situação é insustentável” diz Ivan Mardegan do Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC), da FEA. “Nem sempre vamos conseguir pessoas suficientes para fazer esse serviço e teremos nossa expectativa de receita gravemente abalada”.

O CAVC, assim como todos os centros acadêmicos e atléticas da universidade, tem a maior parte de sua renda arrecadada com a venda de cerveja. Segundo Max Gimenes, membro do Centro Acadêmico de Ciências Sócias (CEUPES), “[a proibição] dificulta muito a autonomia financeira dos CAs, que ficam sujeitos a financiamentos da própria universidade. Isso é evidentemente uma forma de fechar a maior fonte de arrecadação dos CAs”.

O grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (GFAU) foi o primeiro a ter uma redução de faturamento concreta com a medida quando teve de cancelar um happy hour na sexta-feita, 9 de março, por conta da proibição. “Nossa cerveja é vendida em cascos, então não conseguimos trazer tantas nos carros. Por isso, vamos ter que aumentar o preço da cerveja para compensar os custos extras. Não sabemos ainda se vamos contratar alguém para esse trabalho, mas com certeza isso vai acrescentar custos pro nosso CA”, contou Renata Castillo, do GFAU.

O Centro Acadêmico e a Atlética da ECA, que organizam semanalmente o happy hour Quinta&Breja,  estão articulando uma reunião com todas as entidades estudantis que foram afetadas pela proibição na tentativa de falar com a reitoria e buscar alguma solução.

Interior

Nos campi da USP no interior, a medida de proibir a distribuição de cerveja é mais antiga. Em Piracicaba, há três anos não é permitida a entrada de caminhões, o consumo e venda de bebidas alcoólicas dentro do campus. “Não se conseguiu mais fazer festas, só eventos mais tranqüilos e culturais. A diretoria sempre foi conservadora e enxerga a universidade não mais como um lugar de convivência e debate, mas um lugar só para se ter aulas e ir pra casa”, disse Felipe Teixeira, do Centro Acadêmico de Agronomia.

Em Ribeirão Preto, há dois anos a entrada de cerveja é proibida no campus, e também são feitas vistorias nos carros, segundo Edson Detregiachi, do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Regulamentação

Atualmente, a USP segue a Lei Estadual nº 13.545, que proíbe a compra, venda, fornecimento e consumo de bebidas com teor alcoólico igual ou superior a 4,5% em qualquer dos estabelecimentos de ensino mantidos pela administração estadual. Apesar disso, mesmo caminhões com cervejas da Skol 360º, com o teor alcoólico de apenas 4,2% estão sendo barrados na entrada do campus. O JC contatou a Guarda Universitária para esclarecimentos, mas não obtive resposta.

O projeto de um novo regimento para festas dentro do campus, ainda não aprovado, permitiria o consumo de vinho e cerveja em festas previamente autorizadas. Essa regulamentação foi debatida no Conselho Gestor, órgão que determina as normas de funcionamento do campus, e encaminhado para a reitoria e para as instâncias jurídicas da universidade, mas ainda não se obteve um parecer. “Percebendo que também aconteciam muitas festas de defesas de teses, e festas na própria reitoria com o consumo de bebidas alcoólicas, chegou-se à conclusão de que seria muito difícil proibir totalmente as bebidas, mas que poderiam ser feitas algumas restrições”, justificou Adrian Fuentes, representante discente no Conselho Gestor.

O novo regulamento permitiria apenas o consumo de vinho e cerveja, mas suas comercializações permaneceriam proibidas. Segundo o professor Colombo Celso Gaeta, ex-membro do Conselho Gestor, na prática isso seria aplicável em festas menores, como nas de defesa de teses, em que há consumo, mas não venda: “O fulano compra uma dúzia de cervejas e bebe com os amigos pra comemorar”, explicou ele. Já nas festas grandes, quando não se comercializa, usa-se o esquema open bar.  “Mas isso tudo ainda tem que ser melhor discutido, porque a pessoa bebe muito mais quando é open bar do que quando ela tem que comprar a latinha individualmente, o que é muito pior a meu ver”, disse o professor.

Abuso de poder

O carro do estudante Renan Theodoro, de Ciências Sociais, e de outros alunos que entravam no campus no dia do show-protesto (29 de fevereiro) foram revistados pela Guarda Universitária (GU) na tentativa de proibir a entrada de bebidas alcoólicas no campus da capital. “A GU não tem poder de polícia”, disse o advogado Aton Fon diante da situação. Segundo ele, mesmo a Polícia Militar só poderia fazer revistas se ela recebesse a informação de alguma ocorrência criminal e soubesse que um carro com características determinadas estivesse envolvido no crime. O advogado explicou que, hipoteticamente, a PM poderia parar, por exemplo, todos os carros vermelhos se soubesse que um carro vermelho estava transportando drogas ilícitas – que é um crime previsto por lei. “Já transportar cerveja não configura crime”, explica Fon. O Jornal do Campus contatou a GU para esclarecimentos, mas não obteve resposta.