Flexibilidade de grades é limitada na matrícula

Alunos querem mais liberdade na composição nas grades de seus cursos, mas unidades têm dificuldade em atender à demanda de retificações

A cada novo período de matrículas, veteranos e calouros reclamam da falta de flexibilidade para montar a grade horária desejada para seu curso. Estudantes que buscam disciplinas em outros departamentos ou em períodos diferentes dos seus originais não conseguem se matricular, pois estão fora das regras estabelecidas e precisam fazer retificações ou requerimentos.
Dentre as reclamações, estão a burocracia dos departamentos e disciplinas que não oferecem vagas suficientes para atender à demanda.

Por semestre, são feitas de 280 a 300 mil matrículas via o sistema acadêmico on-line, Júpiter Web, seguindo critérios que dão preferência a alunos em seu período ideal ou por nota utilizados durante os períodos de interação e consolidação.

Sérgio Orsini, chefe-técnico do serviço de assistência aos Sistemas da USP, explica que o Júpiter Web – muitas vezes culpado pelos problemas na hora da matrícula – obedece à determinação dos Conselhos de Graduação de cada unidade e departamento, responsáveis por oferecer as disciplinas, o número de vagas por turma e a quem elas são destinadas. “Durante as interações, tentamos resolver o máximo de coisas (de ajustes). São ferramentas para aperfeiçoar este atendimento de demandas dos alunos”, esclarece.

Burocracias

Os estudantes muitas vezes não veem as suas necessidades atendidas por limitações do sistema e pela burocracia colocada pelos conselhos departamentais. Um aluno do penúltimo ano do curso de Administração, que preferiu não se identificar, alega que teve vários problemas com retificações para alterar o período de disciplinas e não teve espaço junto à coordenação do curso para argumentar. Segundo ele, o maior impedimento para a aprovação das retificações dos alunos é a portaria FEA-45. Ela determina que o aluno não pode fazer matrícula em mais de duas disciplinas fora de período e não pode ter feito trancamento parcial ou ter sido reprovado por frequência no semestre anterior. “Ela [a portaria] cerceia por completo o direito de defesa do aluno de se justificar, de modo arbitrário”.

O coordenador da graduação do curso de administração da FEA, professor Hamilton Luiz Corrêa, explica que os indeferimentos das matrículas ocorrem principalmente pela limitação de vagas no número de turmas. Além disso, ele critica a postura de alunos que adiam as disciplinas para cursar em outros períodos devido ao trabalho ou por não gostarem do professor. “Nossa expectativa é que o aluno faça o curso no seu período. O departamento não tem a intenção de fazer a mudança”, explica o professor. “Eles continuam deixando de fazer a matéria, porque acham que irão fazer mais tarde no período noturno”.

Vinícius de Oliveira, do 5° ano de Administração, enfrentou problemas com a consolidação da grade após ter problemas no Júpiter Web. Quando soube do problema já havia perdido o prazo para fazer as retificações, o que acabou atrasando a sua formatura. Ele diz que as determinações da coordenação dificultam a flexibilidade do aluno. “São regras burocráticas. Você acaba não conseguindo fazer a matéria mesmo que esteja no seu período ideal. Nunca vi em uma faculdade você querer estudar e não conseguir”.

No curso de Administração da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA), o número de retificações é relativamente grande. Em 2009, foram cerca de 620 pedidos de alteração no curso. No ano passado, foram 586 (1° e 2° semestres) retificações e no primeiro semestre de 2012, 281.

A turma do período noturno – que tem 20% a mais de alunos, segundo dados do coordenador – é a mais procurada a partir do segundo ano, por causa do início dos estágios. A média de alunos por sala é de 61, sendo que o número fixado pela coordenação considerado bom para aproveitamento pedagógico é de 50. “Queremos turmas menores e mais participativas. Por isso que não queremos mais gente no noturno”. De acordo com o professor, a alteração de período é mais fácil para alunos do noturno que buscam trocar para o diurno.

Estudante tem a maior parte de suas disciplinas indeferidas no Júpiter Web (Reprodução)
Estudante tem a maior parte de suas disciplinas indeferidas no Júpiter Web (Reprodução)
Grade engessada

Na Faculdade de Direito da USP, grande parte dos alunos enfrentou dificuldades no início deste ano para ter sua grade consolidada. A prática de se montar uma grade mais flexível, com aulas fora da sala original, foi impedida. “Na terceira interação, todas as matrículas em aulas que não eram na sala que ingressei no 1º ano foram canceladas. Isso aconteceu com todos os alunos, a grade travou. Eram pilhas e pilhas de requerimentos na seção de alunos”, explica Fernando Sheicara, aluno do 2º ano e Representante Discente (RD) da faculdade.

As matrículas consideradas inadequadas foram manualmente excluídas pela seção de alunos e os estudantes foram novamente matriculados de acordo com as novas recomendações. O professor Heleno Torres, presidente da Comissão da Graduação e responsável por coordenar a questão das matrículas, diz que isso foi feito pois, se houvesse a permissão para cursar obrigatórias fora da sala de origem, “a qualidade de ensino seria prejudicada, já que não há infraestrutura para que isso aconteça”.

Entretanto, segundo o chefe-técnico de Sistemas, existe a possibilidade pelo Júpiter Web de fazer reservas de vagas vinculadas para cursos específicos, ou reservar espaço prevendo que haverá mudança em períodos ou para alunos atrasados, caso seja determinado pela unidade.

O Centro Acadêmico XI de Agosto afirmou, por meio de informe eletrônico, que a medida causou vários transtornos aos alunos, ao impedi-los de cursarem matérias com seus orientadores, anteciparem matérias necessárias para seus projetos de pesquisa e participarem de grupos de estudo ou darem aulas de monitoria. Julia Cruz, estudante do 3º ano e diretora geral do C.A., acredita que este veto às matrículas causou o “enrijecimento” da grade e prejudicou a liberdade do aluno.

Questionado sobre a situação, o professor Heleno alega que todos os requerimentos foram devidamente analisados e deferidos nos casos mais complexos, como os de monitoria.

Na visão dos representantes discentes da unidade, o maior problema é a burocracia e a demora que envolve o processo. Alguns requerimentos foram deferidos somente na 4ª semana de aula, quando o aluno já havia perdido seminários e tarefas. “As pessoas conseguiram se matricular. O problema é que isso ocorreu tardiamente, com muito desgaste e demora”, explica Mariana Galvão, RD e aluna do 3º ano. “O aluno quer fazer uma matéria, estudar, e não consegue. Ele não tem que se desgastar. Não deve haver um erro tão crasso da administração e de toda essa burocracia”.

Busca por informação

Segundo Alex, estudante do 4° ano de Administração, o maior problema é a falta de transparência da coordenação do curso, que não divulga para os alunos os seus critérios de avaliação dos pedidos de retificação e seu projeto político-pedagógico. “As portarias vão mudando a cada ano, ficaram desatualizadas no site por muito tempo. É uma confusão. Muitas regrinhas que atrapalham os alunos. A maior parte deles não as conhece e não é muito divulgado”.

Vinícius, da FEA, reconhece que há falta mobilização dos alunos para reivindicar mudanças no curso. “O pessoal reclama, mas não faz muita coisa. São bem alienados e eu me incluo nisso”, diz.

O chefe-técnico do Júpiter Web afirma que existe o problema de “desinformação voluntária” dos estudantes, que não procuram saber sobre os procedimentos da matrícula interativa. Ele diz que “quando o aluno se conscientizar de que ela é importante” começará a buscar mais informações.

No que diz respeito ao sistema, Sérgio Orsini acredita que o maior “furo” do período de interação é a recuperação, pois os alunos não sabem se já passaram na disciplina quando a matrícula é aberta. “O ideal é que o aluno faça a matrícula depois que terminou o semestre, aí ele sabe no que passou ou não e já faz sabendo que não precisa retificar”.

Ele ressalta, também, a importância do envolvimento dos departamentos com as demandas em suas unidades. “A primeira atuação tem que ser de quem está mais perto da necessidade do curso. Quem tem que saber dos problemas são as comissões de curso e conselhos de graduação”.