Apoio a mães estudantes é insuficiente na USP

Vagas no “Bloco das Mães” e nas creches do campus não atendem à demanda das alunas, que muitas vezes precisam levar os filhos à sala de aula

Não tinha jeito. Sem creche, ou ele estudava, ou eu”. Esta é a situação vivida por Andréia e seu namorado, estudantes de Licenciatura em Matemática no IME, que se revezam para cuidar do filho, de 1 ano e 4 meses. De acordo com as mães entrevistadas, no Crusp existem aproximadamente 24 alunas vivendo com seus filhos. Há ainda aquelas que recebem auxílio-moradia da Superintendência de Assistência Social (SAS), antiga Coseas, no valor de R$ 300. O térreo do bloco A, conhecido como bloco das mães, é adaptado para pais e filhos, com apartamentos individuais e área de lazer para as crianças. No entanto, ele comporta somente doze famílias, tornando acirrada a disputa por uma moradia ali. Neste ano, cerca de treze mães se candidataram à única vaga disponível.

Para cuidar de Daniel, Andréia só cursa uma matéria e seu namorado  trancou a faculdade (foto: Jéssika Morandi)
Para cuidar de Daniel, Andréia só cursa uma matéria e seu namorado trancou a faculdade (foto: Jéssika Morandi)

Marina*, aluna do 2º ano de Letras da FFLCH, foi uma das que não conseguiu morar no bloco das mães. Ela divide um apartamento comum com outras quatro pessoas e conta que recebe reclamações quando o filho chora à noite ou faz muito barulho. Andréia, que se mudou do bloco F para o térreo do A durante a gravidez, em seu 2º ano de faculdade, já sabia que enfrentaria problemas de convivência. “Um dos moradores não aceitava a ideia de ter uma criança no apartamento, então tínhamos que conseguir a vaga no bloco A”, conta.

Na sala de aula

No período de gravidez, Andréia conseguiu assistir às aulas e fez sua última prova no dia 4 de dezembro de 2010, apenas quatro dias antes de Daniel nascer. Já em 2011, apesar dos esforços para conciliar maternidade e estudos, ela não conseguiu acompanhar todas as matérias. “Alguns professores entendiam a situação, as faltas, mas outros não. No final do ano me dediquei a somente uma matéria, que era o que precisava para não ser jubilada”, diz ela.

Para poder frequentar o curso, Rose, estudante do 5º ano de Letras da FFLCH, levou a filha de apenas 20 dias de vida à sala de aula durante seu primeiro semestre de graduação. “É claro que tinha gente que olhava torto, mas o que eu ia fazer? Tive sorte porque nenhum professor reclamou, mas já vi casos em que pediram até para a estudante sair da classe”, desabafa ela.

Marina prestou vestibular grávida e levou o bebê às aulas durante o primeiro ano de faculdade. Hoje, com o filho mais crescido – e também mais barulhento -, ela está impossibilitada de assistir às aulas, pois não pode mais levá-lo e não tem ninguém com quem deixá-lo.

Em certos momentos, exercer o papel de mãe implica em algumas faltas. Quando a filha mais nova de Rose ficou com pneumonia, a mãe quase foi reprovada nas quatro matérias que cursava. Porém, três docentes foram compreensivos e ela só não passou em uma. “Tem professor que não está nem aí se você é mãe ou não. Isso é problema seu”, afirma Rose, que conseguiu vaga no bloco das mães em seu 4º semestre de graduação. Sua filha mais velha já está no ensino fundamental e a mais nova frequenta a creche da USP desde que a mãe iniciou seu 3º semestre.

Apoio às mães?

O primeiro ano de graduação costuma ser mais complicado para as mães estudantes. Marina explica que elas não têm acesso ao alojamento estudantil, local em que os calouros podem ficar enquanto não é divulgada a lista de quem conseguiu vaga no Crusp. “Quem tem criança não pode ficar no alojamento normal e nem tem um específico”, conta.

Além disso, o processo seletivo para as creches da USP tem início em novembro, quando a lista de aprovados na Fuvest ainda não foi divulgada. “Quem já entra na USP precisando de creche tem que esperar pelo menos um ano”, explica Ana Carolina, aluna do 2º ano de Pedagogia da FE. Ela passou por essa situação com sua filha Sofia, de três anos.

O critério de seleção é socioeconômico e o número de vagas oferecidas a cada ano varia conforme a quantidade de crianças que saem da creche. O maior número de vagas é destinado ao berçário, segundo e-mail enviado pela SAS. O site oficial da Superintendência informa que a distribuição é feita entre funcionários (40%), alunos (40%) e docentes (20%) da USP.  Andréia conta que apenas uma vaga voltada à faixa etária de um ano foi aberta para 2012 na categoria de estudantes.

Ana Carolina conta com ajuda financeira proveniente de bolsa do Programa Aprender com Cultura e Extensão da USP. Ela é uma das quatro monitoras do Projeto Crianças do Crusp, que realiza atividades educativas com as crianças de 2 a 12 anos moradoras do local. Para abrigar uma espécie de brinquedoteca, um apartamento do bloco D foi adaptado e perdeu suas divisórias de cômodos. Hoje ele é conhecido como a “Sala das Crianças”, que fica aberta de segunda a sexta-feira, das 19h às 21h, horário definido em contraponto ao período da escola.

“Sala das Crianças” desenvolve atividades recreativas para filhos de moradoras do Crusp (foto: Jéssika Morandi)
“Sala das Crianças” desenvolve atividades recreativas para filhos de moradoras do Crusp (foto: Jéssika Morandi)

As fontes consultadas  informam que não existe a possibilidade de trancar um semestre sem que se percam todos os benefícios de aluno USP **. Camila*, que cursa o 5º ano de Artes Visuais da ECA, está grávida de quatro meses e, na busca por seus direitos, afirma que a licença-maternidade para alunas é concedida somente na pós-graduação. “É um absurdo, é como se a USP determinasse que as estudantes só podem ter filhos a partir da pós-graduação. Isso é arcaico”, critica. A lei 6.202, de 17 de abril de 1975, estipula que a estudante grávida seja assistida por regime de exercícios domiciliares a partir de seu oitavo mês de gestação e durante o período de três meses, com possibilidade de extensão. A mesma lei assegura o direito às estudantes mães de prestarem seus exames finais. Procurado pelo JC, o Serviço de Graduação da ECA diz que avalia cada caso a partir de um requerimento feito pela gestante para cursar matérias em regime domiciliar e da apresentação dos documentos necessários, como um atestado médico de seu estado gestacional.

Camila entrou com o recurso descrito para poder cumprir à distância, no próximo semestre, a única matéria que faltará para que ela se forme – e obteve a concessão. Devido às dificuldades enfrentadas pelas estudantes mães, Camila e o marido não querem ficar na USP com a criança. Eles pretendem se mudar para Minas Gerais, onde vivem os pais dela, antes do nascimento do filho.  Marina concorda: “Parece que ter filho é uma punição para o universitário”.

*Nomes modificados a pedido das entrevistadas.

** Segundo informações obtidas pelo JC, o órgão apto a esclarecer as declarações das estudantes é a Consultoria Jurídica da USP. Porém, o procedimento levaria meses para ser concluído.

A Coseas não atendeu ao pedido de entrevista feito pelo JC a fim de esclarecer as informações fornecidas pelas fontes desta matéria.