Decisão do STF avança discussão de cotas raciais

Embora a USP não tenha ações voltadas para a população negra, a Universidade possui políticas afirmativas como o Inclusp e o Pasusp

No último dia 26 de abril, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por unanimidade, que a reserva de vagas para cotas raciais em universidades públicas é constitucional. Depois de dois dias de julgamento, eles analisaram a ação ajuizada pelo Partido Democratas (DEM), em 2009, contra esse sistema na Universidade de Brasília (UnB). Para o partido, esse tipo de ação afirmativa viola diversos direitos fundamentais garantidos na Constituição, como a dignidade da pessoa humana, o preconceito de cor e a discriminação.

“O preconceito é histórico. Quem não sofre preconceito de cor já leva uma enorme vantagem, significa desfrutar de uma situação favorecida negada a outros.”
Ministro Carlos Ayres Britto

A votação do STF ainda não trouxe um ponto final à discussão, mas garantiu mais segurança no debate sobre o tema. Para Virgílio Afonso da Silva, professor do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, a decisão supera a polêmica que existia acerca da possibilidade de ações afirmativas na ordem constitucional brasileira. “Com isso, outras universidades poderão se sentir mais tranquilas para começar a pensar em políticas nesse sentido”, afirma.

Ele explica que a constitucionalidade de ações afirmativas, como a reserva de vagas, se baseia em uma distinção simples, entre igualdade formal e material. A formal significa que “todos são iguais perante a lei”, enquanto a material significa que todos devem ser tratados igualmente, mas também devem ter oportunidades semelhantes. “Em um país extremamente desigual, como o Brasil, a mera igualdade formal não é suficiente, já que não adianta muito dizer que todos podem fazer vestibular quando se sabe que muitos ou nem terminaram a escola, ou chegam ao vestibular em clara desvantagem em relação aos estudantes que tiveram mais oportunidades”, diz Virgílio.

“As ações afirmativas não são as melhores opções. A melhor opção é ter uma sociedade na qual todo mundo seja igualmente livre para ser o que quiser. As cotas são uma etapa na sociedade onde isso não aconteceu naturalmente.”
Ministra Carmen Lúcia

No Brasil

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) foi a primeira do país a aderir ao sistema de reserva de vagas. Por causa de um projeto de lei estadual,  50% das vagas do vestibular de 2003 estavam reservadas para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas da rede pública. Depois de algumas reformulações, hoje 20% das vagas são reservadas para alunos negros e indígenas, 20% para alunos da rede pública e 5% para pessoas com deficiência.  Os estudantes oriundos de reservas de vagas recebem também uma Bolsa Permanência de R$300,00 durante todo o curso universitário.

Já a primeira universidade federal a criar seu sistema de cotas foi a própria UnB. Em junho de 2004, após cinco anos de debates, o programa que reserva 20% das vagas para estudantes afrodescendentes foi aprovado. Oito anos depois, 11,2% dos alunos matriculados na UnB são negros ou pardos. Desde 2004, 5 mil alunos já foram beneficiados pelo projeto.

Em votação unânime, os juízes do Supremo afirmaram a constitucionalidade das cotas raciais. No entanto, a decisão não coloca um ponto final na discussão sobre o tema (foto: Gervásio Baptista/SCO/STF)
Em votação unânime, os juízes do Supremo afirmaram a constitucionalidade das cotas raciais. No entanto, a decisão não coloca um ponto final na discussão sobre o tema (foto: Gervásio Baptista/SCO/STF)

E na USP?

No vestibular 2011, de acordo com estatísticas da Fuvest, apenas 297 estudantes que se autodeclararam de cor preta foram matriculados em cursos da USP.  Naquele ano, foram 10.486 alunos matriculados na Universidade.  Embora os números sejam pequenos, houve crescimento em relação ao ano anterior. Em 2010, foram 227 negros matriculados na Universidade.

A USP não adota o sistema de cotas raciais e nem de reserva de vagas. Porém, mantém suas próprias medidas de inclusão, como o Programa de Inclusão Social da USP (Inclusp). O Inclusp funciona como um bônus para alunos que cursaram o ensino médio integralmente em escola pública. Ele foi criado em 2006, quando a USP considerou que era importante ter algum tipo de ação afirmativa. Hoje, o acréscimo pode chegar a 8% da nota do candidato na primeira fase da Fuvest.

Pasusp

Além do Inclusp, há também o Programa de Avaliação Seriada (Pasusp), iniciativa criada para ser um canal de comunicação com os alunos do 3º ano do ensino médio. “Percebemos que o Inclusp estava atingindo principalmente os alunos já formados. Achamos que conversando com os que ainda estão na escola, poderíamos atingir também os professores e contribuir até para que o ensino público melhore”, afirma o professor Mauro Bertotti, responsável pelo projeto.

Segundo Bertotti, a ideia é justamente motivar os alunos do ensino público a prestar o vestibular, porque muitos ainda não conhecem a USP ou não sabem que ela é gratuita. “Muitos também se excluem e, de imediato, acham que a Universidade é um sonho inatingível. O Pasusp permite que a USP entre na escola pública”, diz.

O projeto também sofreu mudanças recentes. Agora, para poder participar, o aluno precisa ter cursado o ensino fundamental completo na rede pública e os bônus concedidos dependem do mérito do estudante. Ou seja, quanto maior a nota na prova da 1ª fase, maior o bônus. Outra alteração importante aconteceu na divisão dos bônus do Pasusp. “Os alunos de escolas particulares já treinam para a Fuvest no 2º ano. Queríamos trazer também os da rede pública”, afirma Bertotti.  Por isso, depois da nova formulação, o bônus pode chegar a 15%, mas está dividido em até 5% no 2º ano do ensino médio e até 10% no 3º ano.

Além disso, os alunos inscritos no Pasusp recebem, automaticamente, isenção na taxa de inscrição do vestibular. É importante lembrar que a Fuvest dá, desde 2006, 65 mil isenções por ano a fim de incentivar os alunos carentes, de qualquer etnia, a prestarem o vestibular.

O número de estudantes vindos da rede pública tem, de fato, aumentado na USP. Dados apresentados pela assessoria de imprensa da Universidade mostram que, em 2012, 28% dos alunos ingressantes eram oriundos da rede pública – três pontos percentuais a mais do que em 2011.

Ainda de acordo com esses dados, Letras é o curso de Humanas com maior número de estudantes vindos do ensino público, com 42,8%.  Em Biológicas, o destaque foi o curso de Farmácia-Bioquímica, com 45,3%, e Matemática é a ‘campeã’ em Exatas, com 51% de seus matriculados oriundos de escolas públicas.

Segundo o professor Bertotti, outra informação importante é que os alunos que entram na Universidade com a ajuda do bônus, têm uma média praticamente igual aos dos alunos sem bônus durante a graduação.

Os projetos de inclusão da USP, porém, não contemplam reivindicações de movimentos como o grupo Educafro, que luta pela reserva de vagas. No Inclusp, por exemplo, o foco não é racial, mas sim a natureza da escola da qual o aluno veio.  Na opinião pessoal de Bertotti, esse é o processo mais lógico para a Universidade seguir. “Nosso foco tem sido o aluno carente. Quando você traz mais alunos carentes e de escolas públicas para a USP, consequentemente, você está incluindo mais estudantes negros e pardos também”, aponta.


O acesso dos negros à educação no Brasil

  • Apenas 2,2% dos universitários brasileiros são pretos ou pardos. Destes, 41% se formam.*
  • 20,6% dos brancos entre 18 e 25 anos estão frequentando ensino superior. Esse número cai para 7,4% entre os pretos e 8,4% entre os pardos.**
  • 70% dos analfabetos brasileitos são pretos ou pardos.**
  • Enquanto uma pessoa branca estuda, em média, 8,4 anos, os pretos e pardos estudam 6,7 anos.**

* Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009, do IBGE
** Dados do Censo 2010