Finalidade de doações é posta em xeque

O recente episódio envolvendo a Faculdade de Direito (FD) e a devolução de um milhão de reais à família do banqueiro Pedro Conde gerou dúvidas sobre o sistema de doações particulares para a USP. O doador deve ter direito a uma contrapartida, como uma placa de agradecimento?
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Se estabelecida uma contrapartida, esta deve ser discutida – com informações de Sérgio Salomão Shecaira e Alexandre Pariol Filho
Não permitimos influência negativa da iniciativa privada – com informações de Reinaldo Guerreiro, Jorge Mancini Filho e Felipe Sotto-Maior.


Se estabelecida uma contrapartida, esta deve ser discutida

Sérgio Salomão Shecaira é professor de direito penal na Faculdade de Direito. Alexandre Pariol Filho é membro do Sintusp.

Alexandre Pariol Filho, membro da diretoria do Sindicato da Universidade de São Paulo (Sintusp) diz que “não existe aversão a doações puras e simples, se você tem um acervo de livros e quer doar, porque não? Todos nós queremos que a universidade tenha a possibilidade de proporcionar mais conhecimento. A questão que gera polêmica não é propriamente a doação, mas a utilização desta como moeda de troca ou com algum tipo de imposição para que ela seja feita”.

Na mesma linha, o Professor de Direito Penal Sérgio Salomão Shecaira, da Faculdade de Direito (FD) também se refere à doação como “um benefício tanto para a faculdade quanto para a universidade quando ocorre de maneira gratuita, ou seja, sem que se espere algo em troca”.

Sob o ponto de vista legalista, Shecaira diz que toda doação feita à Universidade ou a uma de suas unidades que exija uma contrapartida deve ser discutida publicamente pela comunidade e pelos órgãos universitários deliberativos competentes. De acordo com o artigo 22 do Estatuto da USP, seria competência da Comissão de Orçamento e Patrimônio deliberar sobre aceitação de doações e legados.

“Em princípio, não há nada que possa desabonar um professor ou alguém que queira doar um milhão de reais à Universidade, seria insano, na verdade, não aceitar esta doação se feita de forma gratuita”, diz o professor. “Mas se estabelecida uma contrapartida, esta deve ser discutida”, completa.

A respeito da recente decisão judicial quanto a restituir à família o dinheiro doado para reformar uma das salas da FD, Shecaira diz que o erro está no fato da “ocultação da cláusula de contrapartida que era homenagear com a denominação da sala com o nome de um dos membros da família doadora”. Segundo ele, “apenas o doador e o diretor da faculdade na época [o atual reitor da Universidade, João Grandino Rodas] tinham conhecimento do documento, o que impediu que houvesse uma discussão transparente pela comunidade USP sobre a situação”.

Para Pariol, do Sintusp, “situações que envolvem um doador particular como a negociação de um nome de sala ou de um auditório é problemática porque é a eternização deste nome em função da simples reforma de uma estrutura da universidade e não da formação de um pensamento”. Ele alega que seria “muito mais bonito é homenagear pessoas e professores que realmente se doaram, a bem da verdade, doaram suas vidas à Universidade, à produção científica e acadêmica para o desenvolvimento também de uma sociedade mais igualitária como Aziz Ab’ Saber”.

Questionado a respeito do fato de que hoje há também muitas empresas que se associam à universidade como doadoras, Pariol argumenta que, nestes casos, “a doação não pode ser destinada à ou recebida pela Universidade com a intenção de atender interesses de mercado, como a produção de pesquisas que visem apenas o mercado ou aumento de lucro desta empresa.”

Ele acrescenta que uma doação à USP deve ser feita por amor, mas não só por isto. Quem faz a doação deve entender que não se pode exigir de um bem público, como é a universidade, uma contrapartida. Isto é ilógico porque a imagem da universidade deve estar vinculada à produção de conhecimento e não à venda de uma marca ou de projeção de um nome devido a uma doação para a reforma de uma sala.

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Não permitimos influência negativa da iniciativa privada

Reinaldo Guerreiro é diretor da FEA. Jorge Mancini Filho é diretor da FCF. Felipe Sotto-Maior é graduado pela FD e um dos diretores da Endowments do Brasil.

O sistema de doações já é aplicado em diversas unidades da USP. A Faculdade de Economia e Administração (FEA), por exemplo, atualmente desenvolve um projeto de expansão da biblioteca que conta com o apoio da iniciativa privada. “Nós tentamos sensibilizar as pessoas para que elas façam doações”, explica o diretor Reinaldo Guerreiro.

Ele esclarece que o único dinheiro além do orçamento da USP que a FEA recebia vinha de contribuições de fundações ligadas a ela, que podem, por exemplo, apoiar viagens de professores a congressos. Ao longo dos anos, porém, as gestões da diretoria têm criado novas possibilidades de captação de verba. “As empresas têm que se aproximar cada vez mais do mundo acadêmico”, defende.

Atualmente, o projeto da biblioteca, iniciado em abril deste ano, está de acordo com a Lei de Incentivo à Cultura. “Já conseguimos em torno de 600 mil reais. Mas é um projeto de 7 milhões”, esclarece. A biblioteca recebeu uma grande doação de acervo do professor e ex-ministro Antonio Delfim Netto. “Todas as empresas que dão dinheiro terão no local a placa de agradecimento. Nós não estamos dando nenhuma contrapartida e as empresas podem colocar na mídia que apoiaram”, comenta Guerreiro, que diz que as placas são um gesto da própria FEA.

Apesar de a USP possuir um orçamento robusto, o diretor defende que ela pode conseguir realizar muitos outros projetos com auxílio de recursos de fora. Sobre dilemas éticos, o professor é categórico: “[A empresa] está usando um espaço público dentro das regras definidas pelo poder público. Nós aqui temos uma mentalidade unânime que isso é correto”. Ele argumenta que as doações não prejudicam o caráter público da Universidade. “Nós não permitimos nenhuma influência negativa de qualquer agente da iniciativa privada ou mesmo do governo naquilo que nós julgamos academicamente correto”, acrescenta.

A Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) não recebe doações, mas realiza pesquisas sobre determinadas substâncias com verba privada. O diretor Jorge Mancini Filho afirma que esse tipo de auxílio não chega a financiar nem 5% das pesquisas realizadas na FCF; a maioria recebe apoio de instituições como a Fapesp ou o CNPq. Ele comenta que uma maneira de preservar o interesse público independente seria a liberdade de publicação dos resultados obtidos com essas pesquisas.

A Escola Politécnica está desenvolvendo um projeto de captação de verba privada baseado no sistema de “endowment”. Felipe Sotto-Maior, um dos diretores da empresa Endowments do Brasil, explica que o dinheiro doado à Poli é aplicado no mercado financeiro, de tal forma que a Escola pode resgatá-lo todo o mês. “A idéia é você perpetuar esse dinheiro. Você vai ter menos impacto imediato, mas você pode construir uma coisa mais perene com isso”, esclarece.

De acordo com ele, a Poli constituirirá um conselho formado por doadores, professores e, principalmente, ex-alunos, que será responsável pela gestão desse dinheiro. A prioridade do diretor, José Roberto Cardoso, é investir em graduação, pois, segundo Sotto-Maior, a pesquisa já possui verba de outras fontes. “Além disso, o recurso que o fundo pode hoje providenciar é pouco, então, para a pesquisa, isso dificilmente faria uma diferença, enquanto na graduação existem muitos projetos interessantes que com pouco dinheiro você pode viabilizar”, explica.

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