Na pós, a pressa é necessária ou inimiga?

Mesmo após diversas revisões, o texto do novo Regimento da Pós-Graduação ainda provoca debates acalorados entre as partes envolvidas. Nesta edição, convidamos Vahan Agopyan, pró-reitor de Pós-Graduação, e Rita Cruz, coordenadora de Pós-Graduação da FFLCH, para expor seus pontos de vista.
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Se estabelecida uma contrapartida, esta deve ser discutida – por Rita de Cássia Ariza da Cruz
Da necessidade de revisão do regimento de Pós-Graduação da USP – por Vahan Agopyan


Proposta de Novo Regimento da Pós-Graduação da USP: entre a aceleração contemporânea e a descentralização concentradora, ou ainda… Sob a barbárie do tempo rápido e a vanguarda do atraso

Rita de Cássia Ariza da Cruz é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da FFLCH.

A reformulação do Regimento da Pós-Graduação da USP três anos apenas depois da última revisão, ocorrida em 2009, é indicativa de que “novos ventos” sopram nesta Universidade. No afã, então, de compreender melhor que ventos são esses, construímos esta breve reflexão.

A primeira versão da Proposta de Novo Regimento da Pós-Graduação, tornada pública às vésperas do Natal de 2011, anunciava transformações profundas sobre o funcionamento dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu da USP, entre as quais destacavam-se o exame de qualificação obrigatório para todos em até 12 meses, com desligamento automático do aluno em caso de reprovação; parecer escrito prévio obrigatório para teses de doutorado; retirada do voto do orientador na defesa pública e ampliação da participação de avaliadores externos; e supressão de artigos que regem atualmente o Mestrado Profissional, tais como aquele segundo o qual o corpo docente que integra esses cursos deve ser formado, em pelo menos 70%, por professores da Universidade de São Paulo, incluindo-se seus Institutos Especializados, Museus etc.,  e aquele que destaca a impossibilidade de cobrança financeira de qualquer tipo a alunos matriculados nesses cursos.

Assentada sobre o discurso da inovação, da flexibilização e da busca por maior qualidade no ensino, a referida Proposta mobilizou a comunidade acadêmica uspiana a qual aguarda, agora, a votação, no Conselho Universitário (CO), de uma versão sensivelmente modificada daquela Proposta original. A título de esclarecimento, lembramos que, nesta versão, a ser votada no CO, o exame de qualificação pode ser realizado em até 50% do tempo de curso do aluno na pós-graduação bem como reapresentado o Relatório no caso de uma reprovação. Alem disso, o parecer prévio escrito para teses de doutorado tornou-se facultativo às CPGs e os artigos relativos ao Mestrado Profissional, antes suprimidos, voltaram ao texto da Proposta, sendo feito um ajuste no que tange à composição de seu corpo docente, que deve ter, neste caso, a maioria (50% +1) composta por professores da USP, incluindo seus Institutos Especializados, Museus etc.

Como se pode perceber, a Proposta original era, em termos pragmáticos, bem menos flexível que a Proposta atual.  Todavia, o que não está evidenciado nos Parágrafos anteriores é a manutenção do tripé fundante da reformulação em curso, ou seja:

  • uma descentralização concentradora;
  • a aceleração da formação de mestres e doutores; e
  • o fortalecimento de uma lógica profissionalizante dirigida pelas urgências do Mercado.

A descentralização concentradora é evidenciada na Proposta do Novo Regimento pela delegação, às Comissões Coordenadoras de Programa (CCPs) e às Comissões de Pós-Graduação (CPGs), de uma série de atividades relativas à administração cotidiana da pós-graduação, sem, todavia, outorgar-lhes maior autonomia diretiva. Além disso, paralelamente à descentralização de atividades, aumenta o controle sobre a pós-graduação pela valorização de mecanismos de avaliação¹. No que diz respeito à aceleração da formação de mestres e doutores, esta é incentivada pelo possível cumprimento de créditos em disciplinas, como aluno especial na pós-graduação, pelo aluno de graduação que faz Iniciação Científica, bem como pela contabilização de créditos em disciplinas cursadas em até 36 meses antes da matrícula regular na pós, sem retroação do prazo, tal como prevê o Regimento atual.

E, quanto ao terceiro elemento do tripé, destaca-se um processo de valorização dos cursos de Mestrado Profissional (evidenciado em reuniões e em discursos do Pró-Reitor), na direção do que têm apontado políticas públicas federais e em consonância com a fase atual de dinamismo da economia nacional.

Juntos, os velhos novos paradigmas que fundamentam a Proposta do Novo Regimento revelam a submissão da pós-graduação da USP à barbárie do tempo rápido, na contradição do tempo lento da reflexão e do amadurecimento intelectual. Em suas entrelinhas, o projeto norteador da Universidade Classe Mundial, supostamente mais ágil, mais moderna e mais inovadora que a atual; pelo exposto até aqui, uma espécie de “vanguarda do atraso”.

¹Como é sabido, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação vem construindo, paralelamente à implementação do Novo Regimento,  uma Proposta para Avaliação Periódica da Pós-Graduação da USP.

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Da necessidade de revisão do regimento de Pós-Graduação da USP

Vahan Agopyan é pró-reitor de Pós-Graduação da USP.

A revisão do Regimento de Pós-Graduação da USP aprovada na reunião do Conselho de Pós-Graduação do dia 9 de maio último, e agora encaminhada ao Conselho Universitário (CO), ampliou ainda mais a descentralização, inclusive de decisões acadêmicas, oferecendo maior autonomia para os Programas. Cabem agora ao Conselho de Pós-Graduação (CPG) e às suas Câmaras as funções de definir as diretrizes gerais, quando necessárias, e de acompanhar o desempenho dos Programas e dos seus cursos.

O Regimento vigente é relativamente recente, tendo sido aprovado pelo CO em setembro de 2008. A sua aplicação foi muito importante para o fortalecimento da pós-graduação na Instituição, dando aos programas e aos cursos mais estabilidade e maior dinamismo. Durante a reunião ampliada do Conselho de Pós-Graduação, com a participação de todos os coordenadores de Programa, em setembro de 2010, foi levantada a necessidade de uma revisão regimental, pois alguns pontos ainda cerceavam a agilidade e a flexibilidade das atividades dos Programas, opondo-se ao desejo do legislador. Com o passar do tempo, quando os novos alunos foram progredindo nos seus cursos, verificou-se que alguns itens os prejudicavam, limitando a realização de atividades estimuladas pela própria Universidade, como as de intercâmbio internacional. Pequenos entraves burocráticos passaram a prejudicar o alunado como, por exemplo, a perda de prazos, por questões pessoais.  Notamos infelizmente, a partir de 2011, a alarmante média de cinco desligamentos de alunos por mês por motivos administrativos, sem que tenham ocorrido problemas de desempenho acadêmico.

As ideias foram amplamente discutidas desde fins de 2010, inclusive com a participação da representação discente dos colegiados, e o Grupo de Trabalho foi constituído para organizar quase uma centena de contribuições. Alguns tópicos suscitaram dúvidas que felizmente foram majoritariamente sanadas nas audiências públicas e nas reuniões ampliadas. O Conselho achou por bem, dentro do princípio da descentralização, permitir que as mudanças mais conceituais fossem gradativas e não compulsórias. Apesar de não ser possível detalhar essas mudanças num texto curto, gostaria de destacar algumas delas. A descentralização irá reduzir drasticamente os prazos de uma série de decisões, a maioria afetando os alunos. O exame de qualificação foi antecipado um pouco (de 60% para 50% do prazo total), pois vários programas ainda o utilizam como avaliação do projeto de pesquisa, e esse processo só pode ser alterado gradativamente. Da mesma forma a avaliação escrita da Tese pelos membros das comissões julgadoras foi recomendada, mas permitindo os Programas tomarem essa decisão. Os Programas interinstitucionais terão o seu escopo ampliado, não se reduzindo a ações de nucleação, mas incluindo as de cooperação. Por fim, os procedimentos administrativos para titulação múltipla entre a USP e as instituições estrangeiras foram simplificados.

Deve ficar claro que um regimento não garante a qualidade das nossas atividades. As alterações propostas permitem que os Programas possam realizar ações nesse sentido, mas cabe à comunidade perseguir esse intento para oferecer aos nossos alunos a melhor formação possível, dentro das nossas condições estruturais e orçamentárias.

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