Processos administrativos tramitam com falhas

Alguns alunos eliminados alegam não terem participado da ocupação do Bloco G; Reitoria não esclarece como chegou aos nomes indicados nos processos

Após reintegração, tapumes foram postos para impedir nova ocupação (foto: Leonardo Fernandes)
Após reintegração, tapumes foram postos para impedir nova ocupação (foto: Leonardo Fernandes)

Estudantes processados administrativamente na USP já existiam antes da ocupação da reitoria, ocorrida em 2011. Após serem acusados de invadir o piso térreo do Bloco G do CRUSP (Conjunto Residencial da USP), em 18/3/2011, 13 estudantes foram processados e 6 deles eliminados do quadro discente da Universidade em 17/12/2011.

Segundo depoimentos de estudantes eliminados, a ocupação ocorreu devido à insuficiência de moradias para estudantes no Crusp. O Bloco G, que era usado como moradia estudantil, foi tomado para sediar o Serviço de Assistência Social (SAS) da Coseas (Coordenadoria de Assistência Social), o que teria diminuído ainda mais o número de moradias disponíveis. “Além disso, a Coseas não é transparente sobre o orçamento da Assistência Social nem sobre o processo de seleção dos estudantes que vão morar no Crusp”, diz Jéssica de Abreu Trinca, estudante eliminada que morava no Crusp.

Diante dos processos administrativos internos, oito estudantes decidiram por uma defesa coletiva, e foram aconselhados pelo advogado Yvan Gomes Miguel a permanecerem em silêncio durante o depoimento. “Houve estudantes que receberam a intimação com um dia de antecedência, o que dificultou muito a preparação da defesa”, conta ele. Os estudantes que optaram por não depor foram processados pelos mesmos motivos e foram os mesmos que receberam a pena de eliminação. “Como depôr sem saber do que você está sendo acusado?”, questiona Jéssica. Ela complementa: “Aqui na USP a lógica é a inversa: não se é inocente até que se prove o contrário, mas você é culpado caso não prove a sua inocência”.

Dos oito estudantes punidos, seis foram eliminados e, por isso, não podem ter mais nenhum vínculo com a USP – o que inclui não poder prestar vestibular nem concurso público. Diante disso, esses estudantes recorreram à decisão na Justiça, defendidos pelo advogado Aton Fon Filho. “Não sabíamos se entrávamos com um processo coletivo ou com processos individuais. Então, optamos por mandados individuais porque, se entrássemos com um processo só, caso a liminar fosse negada, todos seriam condenados”, explica ele.

Segundo Fon, a USP não possui um código que determina os procedimentos de um processo administrativo sancionatório. “Ela se baseou no Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo, que prevê a intimação do processado com antecedência mínima de dois dias para depor em audiência. O problema é que esse Estatuto não está em vigência desde 1998″. Ele diz que, segundo a lei Estadual atual (nº 10.177), os processados são intimados e devem apresentar resposta por escrito em até quinze dias e, só então, a audiência é convocada.

Por email, a assessoria de imprensa da reitoria afirmou que essa informação não procede, pois esse Estatuto só se aplica a processos envolvendo servidores técnico-administrativos e não a alunos, como foi o caso.

De acordo com Fon, em nenhum momento os processos administrativos consideram a motivação que incitou a ocupação do Coseas. “Ao aplicar uma pena, o juiz deve considerar a motivação da infração e o motivo político é considerado privilegiado”.

“Eu posso imaginar centenas de faltas mais graves do que ocupar a Coesas. E se colocassem fogo no prédio? A reitoria não diz porque considera a ocupação uma falta grave. O próprio boletim USP Destaques considera que os estudantes foram movidos por interesses políticos. Então, como considerar isso uma falta mais grave a ponto de justificar a eliminação?”. O advogado diz ainda que a ocorrência deveria ser considerada uma falta mais suave e a pena deveria ter sido diminuída e não agravada.

A única “readmissão”

Foi justamente esse argumento levado em conta na concessão da liminar de readmissão do estudante eliminado Marcus Pedraic Dunne, que foi processado e eliminado sob a acusação de participar da ocupação do bloco G. “Eu tenho uma liminar, o que significa que a USP deveria suspender as sanções até o final do processo. Isso significa que como não me falta crédito, eu poderia colar grau do bacharelado”, explica ele.

Entretanto, Marcus enfrenta hoje problemas na regularização de sua matrícula. “Meu número USP foi reativado, mas eu não consegui fazer uma retificação de nota nem a inclusão de uma matéria que sumiu após eu ter sido eliminado”, conta ele. Segundo Aton Fon, a USP entrou com recurso de agravo de instrumento para cassar a liminar de readmissão de Marcus.

Ele ainda afirma que não participou da ocupação nem da assembléia que decidiu ocupar o bloco G. “Embora concorde profundamente com a iniciativa, eu não estava lá. É deprimente ser acusado de algo que você não fez. Que me acusassem de apoiar a ideia”, complementa. Contatada pela reportagem, a assessoria de imprensa da reitoria não comentou o caso de Marcus até o fechamento desta edição. Questionada sobre outras informações expostas na matéria, a assessoria se limitou a aconselhar a consulta à edição 48 do USP Destaques.

(fotos: Ricardo Bomfim, Ilda Costa Silvério ;ilustração: BSK/sxc)


Como foram encaminhados os processos que eliminaram seis estudantes

A USP, propriamente, não tem um código de procedimentos para processos administrativos/disciplinares. Segundo Aton Fon Filho, no caso dos eliminados pelo processo da ocupação do Bloco G do Crusp, a USP usou como base o Estatuto do Servidor Público Estadual, que não está mais em vigência. A Reitoria contesta as informações mas não explica em que lei ela se baseia. Atualmente, o Governo do Estado de São Paulo utiliza a lei 10.177 de 1998, que determina como é o processo administrativo sancionatório. Entenda as diferenças:
Usada no Estado (Lei Nº 10.177, de 30/12/1998)
  • Citação do processado com antecedência mínima de 15 dias;
  • Elaboração e apresentação de pareceres ou informes de caráter técnico ou jurídico: 20 dias prorrogáveis por mais 10 dias;
  • Manifestações do particular ou providências a seu cargo: 7 dias;
  • Julgamento após 20 dias, contados após a apresentação do relatório.
Usada na USP (Lei Nº 10.261, de 28/10/1968)
  • Citação do processado com antecedência mínima de 2 dias;
  • O indiciado tem prazo de 5 dias para apresentar as testemunhas (máximo de 10);
  • Apresentação de defesa por parte do indiciado deve ser feita em 10 dias, com acesso aos autos;
  • Julgamento após 30 dias, contados após a apresentação do relatório

Fontes: Aton Fon Filho e leis citadas