Estudantes, funcionários e docentes querem criação de Comissão da Verdade da USP

Lançamento da campanha por uma Comissão da verdade da USP, lançado no último dia 24, em Ato dos Juristas, na Faculdade de Direito (foto: Alessandra Goes Alves)
Lançamento da campanha por uma Comissão da verdade da USP, lançado no último dia 24, em Ato dos Juristas, na Faculdade de Direito (foto: Alessandra Goes Alves)

“O clima de pânico nos arraiais da cultura. Alguns professores já chegaram a modificar os seus programas anteriormente organizados em bases exclusivamente científicas e pedagógicas, para que os dedos duros não venham interpretar como subversão aquilo que é apenas esclarecimento universitário.Numerosos professores e cientistas de altíssimo valor e idoneidade estão procurando deixar o País e muitos já o fizeram[…] A única coisa mais incentivada por essa situação foi a exportação de inteligência em busca de climas mais compreensivos”.

Episódios como esse, publicado no livro O Controle Ideológico na USP (1964-1978), permanecem obscuros até hoje na Universidade. Por isso, funcionários, estudantes e docentes exigem a criação da Comissão da Verdade da USP. “Ela visa a esclarecer graves violações de direitos humanos ocorridos na USP entre 1964 a 1985”, explica o doutorando Renan Quinalha, membro do Fórum Aberto pela Democratização da USP.

O Ato dos Juristas pela Democratização da USP, ocorrido em 24 de maio, no Pátio das Arcadas da Faculdade de Direito (FD), inaugurou a campanha para criação da comissão. Segundo Quinalha, é essencial haver uma comissão não atrelada à estrutura administrativa da Universidade. “A proposta formulada pelo Fórum Aberto pela Democratização da USP prevê uma comissão autônoma e paritária, composta por funcionários, docentes e estudantes eleitos”.

Se for criada, a Comissão da Verdade da USP poderá requisitar documentos de todos os órgãos da Universidade, receber testemunhos e informações, além de convocar pessoas a prestarem depoimentos. “É preciso abrir a caixa de surpresas da USP durante o regime empresarial militar. Como disse o (filósofo) Georges Santayana, quem esquece o passado está condenado a repeti-lo”, disse Fabio Konder Comparato, professor emérito da FD. “É preciso abrir a caixa de surpresas da USP durante o regime empresarial militar”, complementou. “Hoje, na USP, parece que há uma nuvem de esquecimento sobre o período da ditadura militar. Há uma interdição do debate. Quem foi reprimido? Quem foi censurado? Quem reprimiu? São respostas que ainda permanecem sem respostas”, acrescentou Gilberto Bercovici, outro professor da FD.

Para Jorge Luiz Souto Maior, professor da FD, os atuais processos administrativos contra estudantes e funcionários são resquícios do regime militar na USP, cujos exemplos são o Regime Disciplinar e a lógica de repressão instaurada com a presença da PM no campus.

Segundo Cícero Araújo, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), a criação de uma Comissão da Verdade na USP pode ajudar a entender a realidade vivida hoje. “É importante entender as especificidades dos problemas da USP para melhor debater a reestruturação das suas estruturas de poder” (leia também: esclarecimento do professor Cícero Araújo).

Durante o Ato dos Juristas, os presentes assinaram um abaixo-assinado a favor da criação da comissão, que deverá ser encaminhado ao Conselho Universitário.

A campanha pela Comissão será lançada no campus Butantã em ato no dia próximo 12 (amanhã), no auditório do prédio 5 da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). No ato, estarão presentes Eduardo Gonzales Cueva, ex-preso político e diretor do programa verdade e Memória do Centro Internacional para a Justiça de Transição, além dos docentes Marilena Chauí (FFLCH) e Paul Singer (FEA).