Estudantes treinam times universitários da USP

Falta de preparo de técnicos pode levar atletas a terem graves lesões, apontam especialistas

O esporte universitário sofre com a baixa quantidade de treinos e a intensidade com que ele é executado. Isso pode levar a um alto índice de lesões nos atletas, que chegam a ficar meses sem treinar tendo, inclusive, a vida fora do esporte afetada. Outro fato é que, em boa parte das equipes uspianas, os técnicos ainda não são graduados, mas sim estudantes da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP.

No entanto, essa prática é bem aceita pelos atletas, desde que o treinador tenha um mínimo de conhecimento dentro da modalidade. O professor Alexandre Moreira, da EEFE, pondera sobre essa prática e expõe: “Os técnicos das equipes devem ter no mínimo um conhecimento sobre a teoria do treinamento esportivo, caso contrário, o processo (de treinamento), estará comprometido”.

Para Mateus Bizetti, aluno da EEFE e técnico de handball masculino do Instituto de Relações Internacionais (IRI), “a falta de experiência e, principalmente, embasamento teórico dos treinadores não só pode como, na maioria das vezes, causa lesões a longo prazo”. O médico ortopedista da seleção brasileira de vôlei feminino, André Donato Baptista, concorda com essa posição “A falta de profissionais capacitados para orientar os treinamentos pode acarretar problemas em variados níveis, desde uma maior incidência nas lesões típicas da modalidade, até problemas muito mais sérios como os cardiovasculares”, atesta.

A discussão é grande no ambiente universitário e alguns torneios, como o Novo Desporto Universitário (NDU) não permite que profissionais não cadastrados no Conselho Regional de Educação Física (CREF) orientem os times dentro de quadra. Em vários jogos é possível observar equipes em quadra e o treinador na arquibancada. Em torneios internos da USP, não há esse tipo de restrição.

O ideal, segundo Bizetti, é que além da vivência acadêmica, os treinadores ministrem treinos acompanhados por alguém mais experiente, que tenham um período como auxiliar para que depois se torne responsável por um time. “Fui auxiliar durante dois anos antes de assumir minha primeira equipe”, conta.

Leonardo Galbes, técnico de futebol da Seleção USP de formados e de duas faculdades externas à USP, acredita ter cometido um erro ao “assumir uma equipe universitária sem conceitos, conhecimentos e experiência”. Para ele, “uma preparação prévia deve ser realizada, algo que se conquista com estudos, reflexões, reuniões e muito comprometimento”.

Preparação de Atletas

A preparação de um atleta profissional para um amador é bem diferente. Segundo Bizetti, o primeiro “usa o corpo como instrumento de trabalho”, enquanto o segundo se utiliza do esporte buscando lazer e saúde.

Segundo Daniel Dell’Aquila, médico ortopedista do Hospital Universitário (HU) da USP e ex-atleta da seleção brasileira de judô, enquanto um profissional conta com atendimento individualizado, preparador físico, médicos e outros profissionais, a estrutura do esporte amador e universitário não segue a mesma lógica.

Bizetti explica que não só a preparação e a estrutura são diferentes, como a quantidade de horas disponibilizadas para o esporte também. “Uma equipe universitária treina em média 4h30 por semana, enquanto um profissional treina, no mínimo, 20 horas e o técnico pode modular melhor a carga sem comprometer o trabalho técnico ou tático”.

É neste sentido que Daniela Bernardi, atleta de handball, basquete e natação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) acredita que sua lesão no ligamento cruzado anterior do joelho não teve seus treinadores – não formados – como culpados. “O meu técnico de hand não era formado, mas tinha mais de 15 anos de experiência profissional, inclusive internacional. Ele não teve interferência nenhuma na lesão. Pelo contrário, sempre me orientou a diminuir a quantidade de esportes que eu fazia (cerca de 15 horas semanais)”, conta.

Luiz Perin Filho, jogador de basquete do IRI teve a mesma lesão e isenta seu treinador, pois “fazia um tempo que eu não andava treinando”, antes de se machucar num jogo contra a Biologia. Apontando a dificuldade de horários para treinar, o atleta acredita que “o treinador gostaria de fazer um trabalho de fortalecimento muscular, mas simplesmente não há tempo para isso”.

Para diminuir o número de lesões, Perin acredita que a iniciativa deve partir do comprometimento do atleta. “Na maioria das atléticas o treinamento é bem amador e raramente conta com preparo físico e fortalecimento muscular ideais por falta de tempo e comprometimento dos atletas”, sentencia. Daniela vai na mesma linha e acredita “que no esporte amador uspiano, não seja necessário ter técnicos graduados. Em nenhum momento me senti insegura com eles”, finaliza.

Lesões mais comuns

Embora não se tenha um estudo aprofundado sobre as lesões mais recorrentes em atletas, tanto amadores, quanto profissionais por conta da especificidade de cada modalidade, é possível verificar algumas tendências. Dell’Aquila aponta que o atleta amador é mais propenso a lesões causadas por vícios de postura, erro ao executar movimentos e desequilíbrio muscular, por conta de uma má preparação. “Às vezes o fortalecimento da panturrilha é um, o do quadríceps é outro”.

Além disso, o fator de estresse do dia a dia, como trabalho, faculdade, trânsito, pode influenciar bastante na concentração do esportista e, consequentemente, causar lesões, explica o médico do HU. Já para os profissionais, as lesões se dão por conta da exaustiva repetição do mesmo movimento, explica o ortopedista do HU, acostumado a lidar tanto com amadores, quanto com profissionais.O treinador Galbes, comenta ser freqüente as lesões de seus atletas, como rompimentos parciais ou totais de musculatura e ligamentos.


Atletas lesionados e suas histórias

Luiz Perin Filho, aluno do IRI (foto: Arquivo pessoal)

Luiz Perin Filho, aluno do IRI

O rompimento do ligamento cruzado anterior do joelho direito (LCA) se deu no dia 15 de abril deste ano, num jogo de basquete do IRI contra a Biologia. Ao pegar um rebote, Perin caiu com a perna “meio reta e o joelho não aguentou”. Por problemas no convênio médico, ele só poderá operar em outubro, e como a recuperação é longa, só deve voltar a jogar na próxima temporada.

Daniela Bernardi, aluna da ECA (foto: Arquivo pessoal)

Daniela Bernardi, aluna da ECA

Foi nos Jogos Universitários de Comunicações e Artes (JUCA) de 2010 que Daniela teve a primeira de uma série de lesões: rompimento do LCA, que não a tirou de quadra naquele jogo. Meses depois, rompeu o outro joelho, também jogando handball e decidiu operar os dois joelhos juntos. Na fase de recuperação houve novos rompimentos e uma nova cirurgia teve que ser feita, dessa vez, um joelho por vez. Foram 712 dias afastada desde a primeira lesão até a alta, alcançada há menos de 30 dias.