Por que a USP não participa do Enade?

Desde a criação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), questiona-se a adesão da Universidade à maior avaliação federal do ensino superior. Ao não participar, ela se depara com o desafio de propor uma avaliação alternativa para a graduação ou de melhorar critérios para a prova.
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Para ter cursos de qualidade, não é preciso pensar em comparações – entrevista com Paula Kaufmann Saccheto
Há espaço para fazer propostas ao Exame, não é uma ditadura – entrevista com Nilson Machado


Para ter cursos de qualidade, não é preciso pensar em comparações

Paula Kaufmann Saccheto foi representante do Conselho de Graduação e é diretora da gestão “Não vou me adaptar” do DCE.

Jornal do Campus: Como o Enade estava sendo tratado no Conselho de Graduação (CoG)?
Paula Kaufmann Saccheto: O debate é o que sempre tem sobre o Enade. A USP deve ou não participar? Agora com a incorporação da Unicamp, USP é a única universidade entre as estaduais paulistas que não participa. No CoG, o debate é diferente do que ocorre no Movimento Estudantil (ME). Com o ME, o debate é pelo boicote do Enade, de não alimentar o sistema de “rankeamento” das universidades, de tentar uma forma alternativa de avaliação. A impressão que tenho é que o debate dentro do CoG é mais no sentido da forma de avaliação que a prova traz. Era colocado que o formato do Enade era ruim e que não se podia confiar nos resultados dele, porque não levava em questão coisas importantes para a qualidade dos cursos, como superlotação de salas e quantidade de professores.

JC: Qual a sua opinião sobre o assunto como representante discente no CoG?
PKS: O meu posicionamento é este, que é o posicionamento histórico do ME, que sempre colocou a importância de boicotar o Enade, simplesmente por ser um termômetro do desempenho não só dos estudantes, mas das universidades. O Enade é muito voltado para as instituições privadas, para colocar notas e a partir disso direcionar verbas e políticas públicas. Na verdade, não se pensa em uma melhora para que sirva como ferramenta para a qualidade de ensino. É mais pensado no mercado da educação, de competitividade. Você vê diversas propagandas de universidades e faculdades particulares com “nota tal no Enade, nota tal do MEC”.

JC: O debate no CoG era bastante polarizado ou mais equilibrado?
PKS: Era um pouco oposto. Eu sentia que a pró-reitora [Telma Zorn] era bastante a favor da incorporação da USP ao Enade, até porque atrai muitas verbas e políticas publicas. Acho que seria interessante para a Reitoria querer participar do Enade. A argumentação era que é uma das universidades mais importantes do Brasil e, por isso, era importante participar, mas os argumentos contra eram muito mais neste sentido de pensar que o Enade era uma prova em experimentação.

JC: É necessária alguma ferramenta interna de avaliação da USP para os cursos e docentes?
PKS: Acho que precisava se pensar em uma ferramenta de avaliação que não servisse, primeiro, como uma forma de benefícios. Acho que é importante desenvolver uma avaliação que pensasse mais universalmente, que pensasse sobre as salas superlotadas, falta de professor. Teria que ser formulada pela comunidade universitária como um todo e que visasse uma melhora de qualidade e não simplesmente um rankeamento entre cursos ou professores.

JC: Existe necessidade de se comparar a outras universidades?
PKS: Pessoalmente, acho que não existe. Para ter qualidade nos cursos, é preciso que você pense nele em si só, e não necessariamente em uma comparação. Senão existiria um curso idêntico em todas as universidades, um padrão do que deve ser um curso e eu não sei se é, inclusive, saudável. Acho que tem que existir um controle do que deve ser um mínimo para a qualidade da educação, mas não necessariamente um paralelo com todas as graduações para falar “olha, esse é melhor que aquele”.

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Há espaço para fazer propostas ao Exame, não é uma ditadura

Nilson Machado é livre-docente de Epistemologia e Didática e professor titular da Faculdade de Educação (FEUSP).

Jornal do Campus: O que impede a entrada da USP no Enade?
Nilson Machado: A USP tem uma posição esquizofrênica em relação à avaliação externa. Na graduação, recusa completamente esta avaliação, e na pós-graduação se submete, na maioria das vezes, acriticamente a ela. Há uma incoerência. Acho incompreensível a gente não participar do Enade. Ele e todos esses exames têm muitos problemas. Alguns, a USP apontou, negociou e foram bem acolhidos. Como avaliação interna, cada professor avalia sua disciplina, mas é absolutamente incipiente, informal e ninguém é obrigado a isso. Acho que não deve ter avaliação de uma disciplina em si, ela serve a um projeto de curso.

JC: Qual é o maior motivo pelo qual a USP se opõe?
NM: Eu vejo na USP uma resistência em primeiro lugar dos alunos. Isso está sendo discutido, mas tem sido muito radical a decisão de dizer ‘não brinco, não participo’, porque não dá pra aceitar acriticamente a forma como os exames estão sendo realizados. A parte que é por culpa do MEC é que essas avaliações são intolerantes, no sentido de não levar em consideração a diversidade de projetos de cursos. Avaliação externa é sempre interessante quando vem ver se a gente está realizando bem o que projeta. Agora, as avaliações federais têm vindo muito para dizer como a gente deve fazer. Essa “pasteurização” é que assusta e afasta. Eu não justifico o afastamento, acho que temos que tentar mudar participando.

JC: Como essa diversidade pode ser considerada em uma prova que abrange todo o país?
NM: Esse é o problema.Não dá para você avaliar individualmente, nem uma pessoa e nem uma instituição, e dizer se é boa ou ruim, com base em um único instrumento. Uma prova pode compor um conjunto de instrumentos, mas tem que ter outras coisas que levem em consideração o projeto institucional ou pessoal.

JC: A USP se recusa a participar, então, por acreditar que não se encaixa no padrão?
NM: O lado positivo da recusa da USP é reivindicar um respeito às diversidades de projetos de cursos entre a USP e outras instituições. Não acho que justifique, porque você tem um espaço para fazer propostas, não é uma ditadura. Por outro lado, o erro da instituição federal é ignorar essa diversidade de projetos, o que fomenta a recusa de alguns cursos.

JC: Será que existe receio de ser mal avaliada?
NM: É um pouco de arrogância, não diria que é por medo. Mas tenho certeza que se a USP for avaliada, o resultado da grande maioria dos cursos vai ser bom. A avaliação externa não iria mostrar que os cursos são ruins. Iria mostrar, eventualmente, algumas inadequações e ajudaria a gente a trabalhar essa adequação da avaliação.

JC: O que acha de a USP estar bem avaliada em rankings internacionais, mas não ter comparação com instituições nacionais?
NM: Há uma super valorização da pesquisa em relação ao ensino, como a graduação, por exemplo. O centro de gravidade destas avaliações [internacionais] está na pesquisa e não nas atividades de ensino. Se estivesse neste, acho que a Universidade não afastaria a avaliação da graduação.

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