Maio: o mês que não terminou

Em entrevista ao Jornal do Campus, fundadora das Mães de Maio relaciona maio de 2006 com o atual aumento da violência policial

Em maio de 2006, no auge das represálias policiais ao ataques do PCC, o gari Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, foi morto por policiais em um posto de gasolina na cidade de Santos, onde morava. A mãe de Edson, Débora Maria da Silva, fundou as Mães de Maio, movimento que congrega os familiares das vítimas da violência policial. Desde de 2010, o grupo luta pela federalização dos processos, arquivados pela Justiça paulista. A federalização dos crimes é uma mecanismo que permite o deslocamento de competência para julgar crimes contra os direitos humanos quando a Justiça local não tem condições para investigar o caso.

Jornal do Campus: Como começou a luta das Mães de Maio?
Débora: Em maio de 2006, a criminalidade se rebelou contra a corrupção e a arbitrariedade dos agentes de segurança do Estado. A corporação retaliou as mortes de seus agentes voltando-se contra a população das periferias. Mais de 500 pessoas foram mortas no Estado de São Paulo em pouco mais de uma semana. Meu filho foi uma das vítimas. Depois da morte dele, eu fiquei muito debilitada e fui parar numa cama de hospital, mas me levantei e fui à luta. Fui atrás de outras mães que também tiveram seus filhos assassinados por policiais e assim começou nossa militância. Batemos de porta em porta, fomos ao Ministério Público Estadual e aos distritos policiais buscar explicações. Fomos a São Paulo, procuramos o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) que nos orientou inclusive sobre como andar pela cidade – nunca tínhamos ido a São Paulo até então. No Condepe, tomamos conhecimento do livro Crimes de Maio e, através dele, nos conscientizamos da dimensão dos assassinatos de maio de 2006. Voltamos a São Paulo várias vezes, solicitamos audiências com o governador e com o secretário de segurança pública, mas nunca fomos atendidas. Foi assim que a luta começou. Ajudamos a montar e fomos delegadas de uma conferência de direitos humanos na Baixada Santista, participamos de conferências estaduais e federais, em Brasília, sobre segurança pública e justiça. Também nos articulamos com as mães dos mortos pela polícia do Rio de Janeiro e com familiares de vítimas da ditadura e pedimos ao presidente Lula que abrisse os arquivos do regime militar. Hoje, somos uma rede de mães do Brasil inteiro, aliadas às Madre y Abuelas de la Plaza de Mayo, da Argentina, na luta contra a arbitrariedade do poder público na América Latina.

JC: Quantas mães eram no início dos trabalhos?
Débora: No começo, éramos quatro mães. As quatro que foram primeiro a São Paulo. Devagarzinho, a gente foi agregando mais gente, foi um trabalho de formiguinha. Hoje são 35 mães da Baixada Santista e da Grande São Paulo, mais as mães das vítimas da violência policial em outros estados. Nos tornamos uma rede nacional e internacional. Crimes semelhantes aos de maio de 2006 ocorrem até hoje.

JC: Como está o andamento dos processos?
Débora: A maioria dos processos foi arquivada. Só uma das mães, Ângela, de São Paulo, conseguiu provar que os policias mataram seu filho. Ela fez as próprias investigações, foi atrás do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e pressionou bastante. Aqui na Baixada Santista, nós ainda lutamos pela exumação dos corpos, que ainda não aconteceu, e pleiteamos, junto à prefeitura, a construção de um memorial às vítimas de maio de 2006.

JC: É possível estabelecer uma relação entre os crimes de maio de 2006 e o aumento da violência policial nos últimos meses?
Débora: Não houve punição aos crimes de 2006, o poder público deu carta branca aos policiais, os crimes foram cometidos com o consentimento do Estado. Houve chacinas em 2009 e também os crimes de abril de 2010 na Baixada Santista. E em todos esses casos, quem se escondia debaixo do capuz era o Estado. Os crimes dos últimos meses têm muita semelhança com os crimes de 2006, é um maio continuado.