Mais carne no título

Se “suscitar ou aquecer debate, gerar polêmica e causar agitação” são inerentes ao jornalismo, então não deveriam render título. Menos ainda manchete. É claro que o fato escolhido como o mais importante de uma edição ou de uma página de jornal só pode “aquecer debate, gerar polêmica e causar agitação”. Do contrário, o fato não estaria na pauta, nem seria noticia. A última edição abusou destas expressões. Só na capa, a expressão “reacendeu polêmica” é repetida na matéria sobre iluminação no campus e sobre mortes provocadas pela PM. Para completar, ainda na mesma capa, a greve “suscitou debate”.

A manchete diz que pesquisas sobre o novo sistema de iluminação no Campus “reacende polêmica” na USP. Mas, ao ler a notícia, o leitor percebe que é mais do que isso: pesquisadores do IEE (Instituto de Eletrotécnica e Energia) da universidade dizem que o modelo de lâmpadas preferido pela reitoria ilumina menos, tem menor vida útil e é mais caro em relação ao concorrente. Além disso, o processo de licitação atual – orçado em mais de R$ 62 milhões, de acordo com a reportagem – foi questionado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE).

Com todas essas informações, o mais importante a ser dito para o leitor na manchete é que há uma “polêmica reacendida”? É preciso ir além do “debate” e da “polêmica” nos títulos de jornal. Precisamos também mostrar ao leitor qual o ponto agudo da questão e não apenas a questão de registrar a existência de controvérsias.

O problema se repete na matéria sobre mortes provocadas pela PM, em uma página pesada, de pouco respiro, sem fotos e com arte pequena. As mortes apenas “aquecem debate”, como diz o título? A matéria explica o quanto a coisa é grave, recupera a história dos crimes de maio e questiona a existência de uma política institucionalizada de extermínio na polícia. Para o autor do título, contudo, o mais grave foi “aquecer o debate”. É pouco.

Mais além, neste caso, há muita citação a matérias de outros jornais logo no lead, que, confirmando o espírito do título, abre dizendo: “a PM ganhou destaque nas páginas dos noticiários”. Ora, os jornais devem registrar notícias e não ser a notícia. Muito menos na primeira frase da matéria. É necessário citar mais fontes primárias e menos jornais; mais informação inédita e menos citação de material que já tenha sido publicado. É difícil. Vamos nessa.

João Paulo Charleaux é jornalista e coordenador de comunicação da Conectas Direitos Humanos e do curso de jornalismo em situações de conflito armado e outras situações de violência. Escreve sobre cultura e direito internacional em veículos como Folha de S. Paulo e Última Instância, além de colaborar com a rádio França Internacional, a revista Carta Capital, o jornal Le Monde Diplomatique, a rádio Popular de Milão, a rádio Interworld (Panos London), a Rádio Netherland e a Agência Poonal de Berlim.