Nanuza e sua vida entre os campos floridos da Serra do Cipó

No próximo dia 27 de outubro, o Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP já espera pelos sinos anunciando a festa de aniversário de uma das mais importantes professoras da casa: Nanuza Luiza de Menezes, que completará 78 anos. Para ela este dia é o mais importante. “Eu acho a melhor coisa do mundo eu ter nascido”, diz a professora, que faz questão de trazer bolo para todo mundo. Quando completou 50 anos, Nanuza recebeu seu melhor presente: a consolidação do Parque Nacional da Serra do Cipó, após muito batalhar para a preservação do local que dedicou sua vida estudando.

Nanuza, uma das primeiras anatomistas vegetais do país, nem pensava em botânica quando decidiu fazer o curso de História Natural da USP, no final da década de 1950. Orgulho do pai, autodidata que nunca frequentou uma escola, a filha universitária queria mesmo era estudar o mar. Após a graduação, foi dar aulas em uma escola no Caxingui, bairro  na zona Oeste de São Paulo, até surgir a possibilidade de ser professora  na USP, na área de algas marinhas. Conseguiu a vaga, mas para sua tristeza o Brasil já tinha muitos pesquisadores com aquela especialidade. O então chefe de departamento Aylthon Brandão Joly, um dos pioneiros nesse tipo de pesquisa no Brasil, foi quem convenceu Nanuza a se candidatar para a vaga de professora e a aconselhou que seguisse a área de anatomia vegetal, à época muito carente no país.

“Eu falo para os meus alunos, a gente não gosta do que não sabe, do que não conhece”, comenta, “eu não gostava de anatomia, porque não conhecia”. Oito meses estudando as plantas do jardim do departamento e Nanuza já estava convencida a seguir na área. Conta que não sabia nada sobre anatomia e que inicialmente escolheu estudar plantas da família do abacateiro por que gostava de abacate. Logo foi aconselhada, novamente pelo professor Joly, a escolher alguma família brasileira e olhando para os históricos livros de anatomia que continham páginas imensas cheias de ilustrações, se apaixonou pelas flores da família Velloziaceae, das pequenas sempre-vivas.

Precisava conhecer a sua planta, aquela que passaria a vida estudando, e foi para o Rio de Janeiro. Lá descobriu que o paraíso das Velloziaceaes era a Serra do Cipó, na Chapada do Espinhaço, Minas Gerais. Na região se encontram os campos rupestres brasileiros, ecossistemas formados  sobre serras e chapadas com mais de 900 metros de altitude. Para quem achava lindos os troncos distorcidos do cerrado, a delicadeza de um campo florido foi arrebatadora. Nunca mais Nanuza abandonou aquele local. Convenceu muitos a visitá-lo; alguns retribuíram o convite dando o nome de Nanuza a espécies que encontraram alí. O próprio professor Joly, já no final da carreira, decidiu trocar as algas por aquela paisagem mineira.

Recordações preenchem as paredes da sala de Nanuza (foto: Mariana Zito)
Recordações preenchem as paredes da sala de Nanuza (foto: Mariana Zito)

Nanuza é nome de planta, de lagarto, de perereca e de um arquipélago na Indonésia, que inspirou o nome da professora. Tinha vergonha de seu nome: “nos bailinhos eu era Teresa Cristina, Ana Maria, Maria Lúcia, tudo que eu achava bonito”. Mas quando a amizade continuava, logo contava seu nome verdadeiro e sempre se deparava com caras amarradas: “Nanuza?”. Quando tinha 18 anos recebeu do pai  uma lista de nomes para que escolhesse um, testou todos no espelho e acabou ficando com seu próprio, “cheguei a conclusão que eu tenho cara de Nanuza mesmo, não vou trocar meu nome”. Só depois de muito tempo descobriu uma possível descendência holandesa que justificava ter nome de ilha indonésia. “Hoje fico feliz de me chamar Nanuza, esse nome me deu muita sorte”, afirma sorrindo a professora muito orgulhosa de todos os seus feitos.

Cadeia do Espinhaço (infográfico: Vinícius Pereira)
Cadeia do Espinhaço (infográfico: Vinícius Pereira)

Além de dar início a um estudo da anatomia vegetal praticamente inédito no país, Nanuza descobriu muitas espécies, gêneros e subfamílias. Junto com Aziz Ab’Saber, participou ativamente de um movimento contra a construção de um aeroporto internacional em Caucaia do Alto, em São Paulo, que iria destruir uma área significativa de Mata Atlântica. Por sua atuação, ficou nacionalmente reconhecida no meio, o que lhe rendeu o título de membro titular da Academia Brasileira de Ciências, uma das maiores honras que um cientista do país pode ter. Não a maior porque o título que Nanuza mais estima é o de Cidadã Honorária de Santana do Riacho, cidade mineira a beira da Serra do Cipó. “Chegaram ônibus de todos os lados daqueles arredores”, conta. “Eu comecei a projetar vários slides com as plantas deles e, quando eu acabei, eles vinham beijar a minha mão, ‘ai que bom que a senhora é nossa cidadã’, ‘ai, na minha casa tem essa planta que a senhora mostrou’”.

Mesmo aposentada, a professora continua a dar aulas e agora está pesquisando uma planta chinesa. “Vou encerrar com chave de ouro”, comenta. Mas não pensa em parar, “eu poderia estar aposentada há 30 anos”. Não tem queixas sobre a vida, tem uma ótima saúde e diz ser muito feliz. Com o mesmo sorriso no rosto com que conta toda sua história, também comenta seu lema: “O segredo de uma vida empolgante não está em descobrir maravilhas, mas em procurá-las”. A frase está logo na porta de sua sala e parece realmente permear toda a vida de Nanuza.