Artista formada na ECA expõe poética iminente

A 30a Bienal de São Paulo busca mostrar em suas obras menos o que acontece e mais o que poderá (ou poderia) acontecer

O pavilhão tem 25 mil metros quadrados, abriga cerca de 3 mil obras de 111 artistas diferentes e recebe, por dia, aproximadamente 7 mil visitantes. Tudo isso em uma metrópole com desigualdades de acesso à educação e à cultura tão acentuadas. Os desafios em torno da 30º Bienal de São Paulo são muitos e começam já por compreender a temática deste ano, A iminência das poéticas.

André Severo, curador associado da exposição, conta que o centro curatorial está na multiplicidade, transicionalidade, recorrência e permanente mutabilidade das poéticas artísticas. Iminência é aquilo que está a ponto de acontecer, porém ainda encontra-se em suspenso. Já Poéticas, explica Severo, é “tomada no sentido de necessidade ou possibilidade de articulação de um discurso, daquilo o que se expressa, o que se cala, o que se transforma e ganha potência comunicativa através da linguagem das artes”. É o “repertório instrumental” que permite a um individuo ou coletividade estabelecer, de forma intuitiva, intencional ou inconsciente, estratégias e plataformas para “atos discursivos”.

A arte contemporânea estaria, para a curadoria, assim como a própria realidade cotidiana, em um terreno instável, em constante estado de iminência, “depondo menos sobre o que acontece e mais sobre o que acontecerá, o que poderá (ou poderia) acontecer, o que se fará (ou poderia se fazer) presente, aqui e agora”, completa Severo. Por isso, ainda segundo o curador, os artistas foram escolhidos, antes de tudo, pela potência de articulação de suas poéticas e pela capacidade em suas obras de criar novos repertórios, produzir novos discursos e instaurar novas formas.

Entre constelações

As poéticas, segundo Severo, nutrem-se de densidades discursivas anteriores, uma espécie de “memória orgânica de atos enunciativos ou expressivos”. Porém, nenhuma manifestação poética sucede plenamente outra. “As poéticas se sobrepõem, se desagregam, se assimilam, se parasitam, se absorvem, se digerem, se condensam, se fazem divergentes a partir de fontes similares e convergentes a partir de fontes divergentes”, acrescenta . Aqui é retomada a ideia de articulação, buscada através da estruturação da mostra em constelações. Mais do que individualidades, um evento em que obras e artistas “falem” entre si, “inclusive além de suas razões programáticas”, ressalta Severo, “instaurando-se como uma plataforma para que o avizinhamento entre obras e artistas fosse um dispositivo eficaz de renovação e de produção de sentido e significação”.

Arte para quem?

A desigualdade social de São Paulo exige atenção dos organizadores do
evento. “A expectativa não foi somente a de tocar no campo artístico, mas também a de realizar um evento capaz de imbricar-se profundamente no tecido social e cultural de São Paulo e do Brasil”, afirma Severo. O curador sabe, no entanto, que, no geral, trata-se de um  público interessado especificamente em eventos de arte contemporânea.

Nesse sentido, surgem estratégias que completam a exposição, aumentando seu potencial de troca capaz de “ampliar os canais de diálogo com a comunidade e contribuir para aproximar os diversos agentes da cena artística cultural e social local”, afirma Severo.

É a tentativa que se vê, por exemplo, com o Serviço Educativo, em que “educadores” acompanham grupos em visitas guiadas. Há também monitores intérpretes em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e que fazem audiodescrição. Pela primeira vez, a Bienal buscou
também extrapolar o perímetro do Parque do Ibirapuera. Partes da mostra estão no Instituto Tomie Ohtake, na Capela do Morumbi, no Masp, entre outros.

Uspiana na Bienal

Cerca de 20% dos artistas expondo na Bienal são brasileiros. Severo acredita que esta é uma seleção consistente de artistas: “[eles] buscam ressaltar as noções de pluralidade, variabilidade e dissimilitude que, cada vez mais fortemente, parecem definir a realidade contemporânea”.

Dentre esses 22 artistas brasileiros, existe uma que, antes de transitar pelos amplos espaços do Pavilhão da Bienal, conheceu bem os corredores e ateliês menos grandiosos do Departamento de Artes Visuais da ECA.

Sofia Dellatorre Borges nasceu em 1984, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Formada em 2008 como Bacharel em Artes Plásticas pela ECA, sua pesquisa e experimentações fotográficas já lhe renderam prêmios e vêm integrando exposições individuais e coletivas
em lugares como São Paulo, Rio de Janeiro e Londrina.

Na Bienal, é possível perceber como a obra de Sofia pode gerar na percepção do espectador o estado de iminência e suspensão do discurso citados por Severo. Suas fotografias possuem uma ambientação de estranhamento gerada, sobretudo, pela manipulação explícita de procedimentos típicos do meio fotográfico, como o tempo de exposição, temperatura de cor, quantidades de luz e técnica de composição.

A utilização de todo o aparelho digital – desde a câmera fotográfica até programas de edição – distancia a concepção de fotografia como “imagem do real”. Na obra de Sofia, imagem e referente encontram-se mais afastados, menos óbvios.

As fotografias de Sofia Borges representam a temporalidade em suspenso. Foto: Sofia Borges/ divulgação

Por isso, Severo afirma que a artista situa o espectador em um ponto intermediário entre o que seria a fotografia e seu espaço de instauração. A temporalidade de suas imagens, afastada do instante fotográfico, é inexata. “A obra de Sofia Borges levanta questões sobre o estatuto da linguagem fotográfica ao criar pequenas – e cambiáveis – narrativas que parecem nos deslocar momentaneamente dos contextos imediatos em que nos inscrevemos”, comenta Severo.