Moradores de rua não são contemplados por projetos urbanos

por  Giuliana Genistretti e Ruan de Sousa Gabriel

Em 1998, recém-chegado em São Paulo, o gaúcho Robson Mendonça foi vítima de um assalto que se transformou em sequestro e o deixou em situação de rua.

Em 2000, a revolta com o descaso e o preconceito da sociedade e do poder público com os moradores de rua o levou a se unir a alguns companheiros e dar início a um movimento que lutasse pelos direitos dessa população. Hoje, o Movimento Estadual da População em Situação de Rua mantém um escritório no centro de São Paulo e, segundo seu fundador, tem como principal objetivo “resgatar a autoestima do morador de rua”.

Mendonça, que já viveu em albergues e hoje preside e se dedica exclusivamente ao Movimento, saiu das ruas há cinco anos. “Uma senhora me perguntou: ‘O que você precisa para sair da rua?’. Eu respondi que se me pagassem um mês de aluguel eu nunca mais voltava para a rua. Com os 250 reais que ela me deu, eu paguei um mês de aluguel e nunca mais voltei para as ruas”, conta.

O Movimento oferece serviços aos moradores de rua, como cadastramento em cursos profissionalizantes, tratamento de dependência química e vagas em albergues. No escritório, a população de rua também pode tirar documentos e, às sextas-feiras, recebe
orientações sobre seus direitos garantidos pela Lei Municipal nº 12.316/97.

Regulamentada na gestão da petista Marta Suplicy (2001-2004) pelo Decreto 40.232/01, a lei atribui ao poder público a responsabilidade de prestar atendimento aos moradores
de rua. O decreto institui o Programa de Atenção à População de Rua e determina que sejam oferecidas vagas em centros de acolhida para todos nesta situação.

A lei também estabelece que podem ser abrigadas no máximo cem pessoas por alojamento e que o morador de rua pode permanecer no albergue por seis meses e, a partir daí, deve ser encaminhado para o mercado de trabalho, para hotéis sociais e moradias provisórias, onde são promovidos trabalhos socioeducativos visando a reinserção social.

Segundo Mendonça, a baixa qualidade dos serviços oferecidos pela Prefeitura afasta a população em situação de rua dos centros de acolhida. “O albergue não cumpre seu papel. Faltam vagas e assistentes sociais”. O ex-morador de rua reclama que o próprio poder público desrespeita a lei ao oferecer apenas “portas de entrada” (albergues) e não “portas de saída”. “Onde estão as portas de saída para o emprego, para a capacitação profissional, para a reinserção na família e na comunidade?”, questiona.

Projeto possível?

A arquiteta Paula Quintão, autora da dissertação de mestrado defendida na FAU Morar na rua: Há projeto possível?, explica que todas as políticas públicas vão em direção da retirada das pessoas da rua. Ela acredita que essa não é a solução, pois morar na rua é um fenômeno global, presente nos países subdesenvolvidos e desenvolvidos, que tende a aumentar com o
crescimento da população mundial e o agravamento da desigualdade. Dessa forma, é preciso assumir a existência dessa população para que políticas públicas sejam pensadas.

Paula constatou que quase 50% dos moradores de rua optam por permanecer dormindo nas ruas ao invés de procurar vagas em centros de acolhida. “Eles reclamam da falta de liberdade dos albergues, devido aos horários de entrada e saída, da escala inadequada de convívio e da má localização”, explica a arquiteta.

O problema dos albergues e casas de acolhimento se dão, na opinião da pesquisadora, por não terem sido projetados para o “cliente”, que é o próprio morador de rua. “É importante
existirem estudos em arquitetura e urbanismo para a formulação um projeto que parta da realidade desses indivíduos e não de um imaginário nosso.”

Em sua dissertação, Paula analisa o albergue Boracea, localizado na Barra Funda. O Boracea foi escolhido “por ser o único que tem uma proposta diferenciada”, oferecendo outros serviços além do pernoite. Um dos problemas apontados é a localização, distante da maior concentração de moradores na cidade.

Na avaliação de Paula, apesar de ter uma grande estrutura que oferece diversas atividades como cursos, tratamento médico e refeições, o Boracea mantém o morador de rua confinado em um local e não ajuda a reinseri-lo na comunidade.

A solução vista pela arquiteta não possui uma fórmula fixa, deve ser avaliada a cada caso. Além de espaços como albergues, devem existir o que ela chama de “equipamentos”. “São estruturas fixas ou móveis, nas quais os moradores de rua podem comer, fazer as necessidades, descansar, tirar um documento, etc.” Assim, Paula acredita que é possível uma maior inclusão da população de rua ao resto da sociedade.

Atualmente, tramita na Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 305/12, que institui o “Dia da Cultura e Cidadania da População em Situação de Rua”. O PL foi levado à Câmara pelo vereador Chico Macena (PT), mas é de autoria de Mendonça. O “Dia da Cultura e Cidadania da População de Rua” é comemorado pelo Movimento Estadual da População em Situação de Rua há quatro anos, sempre no dia 21 de abril.

Infografia: Sofia Soares