Para juristas, urna não é mais lugar de protesto

Em todo ano de eleição, circulam entre os eleitores diversas dúvidas sobre o processo eleitoral. O peso dos votos nulos e brancos é um dos tópicos que mais confunde o eleitor.  Qual a diferença entre voto em branco, nulo e nulidade? Voto em branco favorece algum partido ou candidato? Maioria de votos nulos anula eleição? Professores especialistas em Direito Constitucional  da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FDUSP) e a assessoria do  Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esclareceram algumas destas questões.

Nulo X Branco

Na prática, o voto nulo e o voto em branco têm o mesmo efeito para o processo eleitoral: ambos são inválidos. A diferença (teórica) é proveniente da época em que a  votação era realizada em cédulas de papel. Quando o eleitor não queria escolher nenhum dos candidatos, ou deixava sua cédula literalmente em branco ou escrevia o nome de um candidato inexistente, anulando o seu voto.

Outra diferença era que os votos em branco eram utilizados no cálculo do quociente eleitoral – usado para determinar o número de cadeiras de cada partido para os cargos de vereador, deputado federal e estadual.

Segundo o professor titular da FDUSP Virgílio Afonso da Silva, “o efeito da inclusão dos votos brancos no cálculo do quociente eleitoral era o aumento desse valor. Isso poderia dificultar a eleição de candidatos de partidos menos votados. Mas não havia uma transferência dos votos brancos aos partidos ou candidatos mais votados”.

Até hoje, algumas pessoas repetem o mito de que os votos em branco são dados para os políticos ou legendas que estão ganhando. Isso deixou de fazer sentido quando uma mudança no Código Eleitoral, em 1997, passou a considerar apenas os votos válidos para o cálculo do quociente.

 Voto nulo cancela eleição?

O artigo 224 do Código Eleitoral cita que, caso haja nulidade em mais de 50% dos votos, a eleição deve ser cancelada e reagendada. Questionada sobre a lei, a assessoria de imprensa do TSE afirmou que essa nulidade se aplica apenas a votos anulados pela própria Justiça Eleitoral, em casos de fraude ou coação, tais como compra de votos, abuso de poder político, econômico ou dos meios de comunicação. Caso contrário, se houver no mínimo um voto válido (destinado a um candidato), não se anula a eleição.

Campanha na internet apoia voto nulo. Imagem cedida por Bruno Braga

Já Mônica Caggiano, professora e presidente da Comissão de Pós-graduação da Faculdade de Direito, afirma que, se mais de 50% votar nulo, não ficará clara a vontade política da população. “A democracia é o governo da maioria. Um processo eleitoral no qual a maior parte dos eleitores anulou o voto não tem legitimidade para apresentar resultados. Essa eleição é nula e implica em um novo processo eleitoral”.Para Virgílio, não existe a possibilidade de, em um pleito, constar apenas um voto válido. O professor cita outro exemplo: um país tem 100 milhões de eleitores. Se 90 milhões comparecem às urnas e, desses que comparecem, 5 milhões votarem em branco e 5 milhões nulo, são 80 milhões os votos válidos. Um candidato à presidência será eleito se tiver 40.000.001 votos – mais da metade dos votos válidos. A maioria dos eleitores (que seria de 50.000.001) não votou nele. Contudo, isso não afeta a legitimidade da sua eleição.

Voto de protesto

Independente do efeito real do voto nulo, algumas pessoas defendem essa escolha como forma de protesto, demonstrando, por exemplo, não estarem satisfeitas com nenhum candidato daquela eleição.

Para Mônica, “é impossível o cidadão não se identificar com nenhuma proposta política, considerando o leque enorme de candidatos”. O voto nulo como protesto pode ser confundido com um voto de desinteresse ou com o voto de alguém que simplesmente digitou errado o número de seu candidato. Tecnicamente, o eleitor não soube expressar sua vontade político-eleitoral.

A professora é contra o uso do voto nulo como forma de protesto. Para ela, isso fazia algum sentido nas eleições em cédulas de papel. Os eleitores que não queriam deixar suas cédulas em branco, votavam em candidatos que não existiam, rabiscavam a cédula ou até mesmo escreviam xingamentos.

Um dos casos mais famosos de voto nulo de protesto foi o do Cacareco, rinoceronte do Zoológico de São Paulo, “eleito” como vereador em 1959. Estima-se que o animal recebeu cerca de 100 mil votos, mais que o partido mais votado.

Outro exemplo é o do macaco Tião. Em 1988, o animal do Zoológico do Rio de Janeiro foi lançado como candidato a prefeito não oficial por uma revista que defendia o voto nulo. Tião recebeu cerca de 400 mil votos, o que o deixaria em terceiro lugar. A adoção de urnas eletrônicas, a partir de 1996, impossibilitou esse tipo de voto.

Mônica e Virgílio consideram que, atualmente, existem outras formas de protesto mais efetivas. Para a professora, não há mais justificativa para anular o voto, já  que vivemos numa democracia participativa, que permite ao cidadão participar tanto por via dos votos como por via do controle e da legislação. Ela cita a Lei da Ficha Limpa como exemplo do resultado da participação popular fora das urnas.

Virgílio completa dizendo que o voto nulo ou o boicote às eleições podem ser uma arma poderosa em um Estado autoritário, no qual não há espaço para oposição. “Não é o caso do Brasil. Votar nulo é uma forma de protesto um pouco preguiçosa em um país que garante liberdades partidária e de expressão e o direito de associação. Quem está descontente com o processo democrático deveria usar essas liberdades para protestar de verdade, não apenas no dia da eleição.”