Russomanno pode ser herdeiro de votos malufistas

Cientistas políticos relacionam populismo, conservadorismo e aliança com igrejas evangélicas ao engima da ascensão do candidato do PRB

Por Anaïs Fernandes e Giovanni Santa Rosa

O líder das pesquisas de intenção de voto, a pouco mais de uma semana para a eleição municipal de São Paulo, não é José Serra (PSDB) nem Fernando Haddad (PT), partidos que, tiveram, respectivamente, o segundo e terceiro melhores desempenhos nas disputas de 2008. O candidato que lidera é Celso Russomanno, do pequeno Partido Republicano Brasileiro (PRB).
Não é a primeira vez que um candidato surge de forma aparentemente inusitada e confunde o cenário político. André Singer, cientista político e professor da FFLCH, relembra a eleição de Jânio Quadros: “Ele foi um candidato que veio praticamente do nada, de partidos pequenos na época, e conseguiu ganhar, contra todas as grandes máquinas políticas, o cargo de prefeito de São Paulo em 1953”.
Singer cita outro fenômeno que, apesar de não ser paulista, teve grande repercussão em São Paulo: o caso Collor. Singer esclarece: nos três casos, os candidatos
não possuem ou não possuiam uma estrutura partidária compatível com o lugar que alcançavam.
O professor considera que ainda não é possível identificar a razão das intenções de voto. “Não dá para dizer nesse momento, porque justamente não está muito claro o que Russomanno representa. Nem dá para dizer neste momento se as pessoas manterão essa decisão de votar.”

Influência política
Mesmo assim, Singer levanta algumas hipóteses para explicar a liderança. Uma delas seria a migração de antigos eleitores de Paulo Maluf para o candidato do PRB. “Ele é muito diferente do fenômeno Maluf por conta da origem de cada candidatura. Mas o Russomanno foi durante muitos anos do partido do Maluf, ligado ao Maluf e eu penso que é possível que ele seja hoje herdeiro do eleitorado malufista.”
O Partido Progressista (PP) de Maluf, no entanto, está coligado ao PT nessas eleições. Ludmila Chaves, cientista política, crê que o perfil do eleitorado malufista tende a votar em Russomanno. “Acredito que um candidato como Celso Russomanno vai responder muito melhor aos ideais de um eleitorado de direita do que o petista Fernando Haddad”.
Singer também observa que existem semelhanças entre os discursos e propostas de Russomanno e Maluf, como o uso de soluções de força. “Russomanno está
propondo um aumento imenso da Guarda Municipal para tentar melhorar as condições de segurança da cidade. O Maluf, em outros tempos, propunha a Rota na rua. Eu acho que, em alguns aspectos, parece que há uma continuidade de propostas políticas.”

Infografia: Mariana Zito e Wellington Soares

Populismo

Seria possível ainda reconhecer traços populistas em Russomanno que, segundo Singer, podem estar contribuindo também para o desempenho do candidato. Para o professor, uma possibilidade é que o eleitor veja em Russomanno alguém capaz de solucionar problemas. “Em vez de propor um programa político e de governo, a relação nesse caso é direta e pessoal: eu confio naquela pessoa. Como ela vai resolver a questão, não é problema meu.”

Da TV à política
A fama de Celso Russomanno veio antes da carreira política: ele era repórter do programa “Circuito Night and Day”, da TV Gazeta. Ganhou notoriedade ao fazer uma
matéria sobre omissão de socorro, filmando a agonia de sua esposa, que acabou falecendo. O caso teve grande repercussão.
Logo depois, Russomano foi para o policial “Aqui Agora”, exibido no SBT no início dos anos 90. Sua atuação consistia em auxiliar pessoas que se sentiam lesadas
por empresas ou prestadoras de serviços. Mesmo com o fim do programa, ele ainda exerceu essa função em outros canais.
Foi a partir da notoriedade
alcançada que Russomanno, na época filiado ao PSDB, chegou ao cargo de deputado federal por São Paulo. Com 233.482 votos, foi o candidato à Câmara dos Deputados
mais votado de 1994.
Singer também destaca a ascensão de Russomanno pela mídia. “A gente poderia chamar de um neopopulismo, que é o populismo que advém de pessoas muito conhecidas
dos meios de comunicação, em particular da televisão.” Ele explica que essas lideranças vêm de cima e a massa se identifica com ela.
O professor cita os casos de Silvio Berlusconi, magnata das telecomunicações e ex-primeiro-ministro da Itália, e Arnold Schwarzenegger, ator de Hollywood
que chegou ao posto de governador da Califórnia, para mostrar que esse não é um fenômeno exclusivo do Brasil.
“Eu não quero tirar de nenhuma celebridade o direito de se candidatar. Mas, do ponto de vista analítico, eles não estão sendo eleitos por terem um programa, eles estão sendo eleitos por serem muito conhecidos, ou seja, eles aparecem de cima. Não há dúvida nenhuma que o Russomanno é fruto desse tipo de processo”, avalia o cientista político.
A tradição de baixa organização da sociedade brasileira e um certo esvaziamento dos partidos políticos, que acontece nas democracias do mundo inteiro, são fatores que, segundo o professor, favorecem o populismo no país. “Quando você tem militância partidária, as pessoas estão reunidas em torno das suas diferentes
propostas. E isso cria barreiras ao populismo”.

Evangélicos e voto
Nesse contexto, quem vem ganhando destaque nas últimas décadas são os evangélicos. “As igrejas evangélicas, além de estarem se expandindo numa velocidade grande no Brasil, têm uma capacidade de organização notável. Elas agrupam os fiéis e orientam-os em quem eles devem votar”, afirma.
Alguns analistas vinculam a bem-sucedida campanha, até o momento, a esses fiéis. Tiago Daher Padovese Borges, cientista político, observa alguns pontos que levaram o PRB a escolher Russomanno. “É um candidato que já chega relativamente conhecido e com possibilidades de se vincular com um amplo conjunto do eleitorado, os antigos malufistas. Trata-se de um candidato ‘pronto’ e que não ameaça as inclinações conservadores do grupo dirigente do partido e de sua campanha, a Igreja Universal do Reino de Deus.”
Mesmo com interesses em comum, os evangélicos não constituem um grupo totalmente homogêneo, com um único projeto político: “Eles são segmentados e dispersos”, considera Borges. Por isso, não é possível medir com precisão o peso do voto dos evangélicos em Russomanno. “Não sei dizer o quanto essas igrejas têm de eficácia ao determinar o voto, mas acredito que alguma eficácia elas devam ter”, pondera Singer.
Borges acredita que esse tipo de aliança pode acarretar em algum prejuízo. “É por isso que o Russomanno se esquiva tanto desse envolvimento. A relação que
eles [os evangélicos] estabeleceram com as outras religiões foi normalmente de conflito e competição, algo absolutamente estranho e inovador no Brasil”,
explica. Além disso, o grupo é visto com desconfiança por tratar com naturalidade o dinheiro dados pelos fieis.
Com tantas hipóteses, Singer não arrisca previsão para o segundo turno. “Pode acontecer um fato novo, uma mudança no estado de espírito do eleitorado. Não estou dizendo que, nesse momento, isso seja provável, até diria que não há indícios disso.”
Ele relembra ainda que, desde que existe segundo turno nas eleições paulistanas, o PT sempre esteve presente. Se ocorrer o que indicam as pesquisas até agora, Singer prevê um cenário novo e difícil de analisar: “O que fará o partido dos grandes que eventualmente ficar de fora? É um grande enigma”.