A Universidade deve processar seus alunos?

A USP é um pólo para o desenvolvimento livre de pensamento, mas será que sua direção garante a liberdade necessária para isso? Especialistas discutem como a Reitoria deveria lidar com reividicações estudantis

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A decisão da reitoria teria sido desproporcional ao fato narrado – entrevista com Marcus Orione
As coisas devem ser conduzidas nos termos das normas previstas – entrevista com Janaína Conceição Paschoal


A decisão da reitoria teria sido desproporcional ao fato narrado

Marcus Orione é doutor em direito pela USP e livre docente da Faculdade de Direito. Lida com Direito da Seguridade Social e Direitos Humanos.

Jornal do Campus – Qual sua opinião sobre a postura da reitoria de processar alunos, funcionários e professores?
Marcus Orione: Parece-me que não há como se defender a subsistência, em especial, dos resultados de alguns destes procedimentos administrativos. Aliás, neste sentido, basta ver as razões dadas nos autos de processos judiciais em que se obteve, em dado momento, a suspensão das determinações da Reitoria. Em um deles, o Tribunal de Justiça manteve decisão de juiz primeiro grau que inviabilizou liminarmente a expulsão de aluno dos quadros da USP. Da mesma forma, houve outra decisão, proferida em maio de 2012, para caso semelhante, em que o juiz inviabilizou, em sentença final, a expulsão do aluno, sob a alegação, dentre outras razões, que a decisão da Reitoria teria sido desproporcional ao fato narrado, bem como desprovida de razoabilidade.

 JC: Há motivação política nesses processos?
MO: A Universidade é um espaço rico por conta da diversidade de opiniões e parece-nos importante, para a preservação do texto constitucional, que todos os setores possam manifestar as suas formas de pensar. Quando os atos punitivos começam a recair sobre estudantes, professores e servidores, que estão livremente, e dentro dos paradigmas legais, manifestando as suas opiniões, é importante que toda a comunidade acadêmica se manifeste no sentido da preservação da liberdade de expressão. Caso contrário, a Universidade deixa de ser pólo de elaboração de pensamento e conhecimento, com real prejuízo ao interesse público a que serve.

JC: Como o atual reitor trata a política dentro da Universidade?
MO: Pensamos, em consonância com o Estado Democrático de Direito, que qualquer Reitor deva conceber o ato político dentro da Universidade como uma extensão do conhecimento dela emanado. Assim, eventual utilização, por qualquer autoridade universitária, de procedimentos administrativos contra lideranças de movimentos estudantis, de servidores e de professores conspira contra a Constituição. Da mesma forma, qualquer ato administrativo que impeça a manifestação política no interior da Universidade, emanado por qualquer Reitor, é, no nosso entendimento jurídico, inconstitucional.

JC: Qual sua opinião sobre o uso de um dispositivo herdado do regime civil-militar nos dias de hoje?
MO: Sobre o tema gostaria de transcrever parte da sentença proferida em um dos processos antes mencionados, que suspendeu ato de expulsão de aluno por parte da Reitoria, com a qual concordo plenamente: “De fato, o processo administrativo que levou ao ato impugnado é baseado no Decreto n. 52.906/72, editado durante a Ditadura Militar, momento anterior à instituição do princípio da autonomia universitária e repleto de violações aos direitos fundamentais. […]Ao longo das Ditaduras Militares, a Universidade Pública foi um constante alvo de ingerência e violenta repressão político-ideológica por parte das autoridades públicas. […]”. Juridicamente, portanto, este Decreto, como se percebe, não subsiste a uma análise constitucional, na medida em que atenta contra os direitos fundamentais dos que, com base nele, são processados.

JC: Como deveria ser o estatuto disciplinar da Universidade?
MO: Devem ser preservadas as garantias constitucionais de um processo disciplinar que seja dirigido por órgão decisório independente e imparcial, bem como, deve-se viabilizar plenamente o direito de defesa do acusado – tanto no que diz respeito às manifestações nos autos do procedimento, como no que concerne à possibilidade de ampla apresentação de prova dos fatos.

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As coisas devem ser conduzidas nos termos das normas previstas

Janaína Conceição Paschoal é doutora em Direito Penal e é professora da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. E é autora do livro Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo.

Jornal do Campus – A senhora considera os processos administrativos contra alunos que participaram de ocupações ano passado algo plausível?
Janaína Paschoal: Sim, ele é plausível. Não tenho como dizer categoricamente se há subsídios legais para expulsar esses alunos, mas o processo em si é devido. A partir do momento em que você exerce uma pressão (inclusive física) sobre outras pessoas que também têm o direito de pensar diferente, a situação passa a ser passível de ser apurada.

JC: Qual o limite entre uma manifestação política e o que pode ser considerado um crime?
JP: A manifestação do pensamento por meio de passeatas, cartazes ou mesmo por meio de entrevistas à imprensa não pode acarretar qualquer tipo de sanção. Esse é um direito que todos têm. Tanto é assim que o STF manifestou no final do ano passado que a Marcha da Maconha é um caso de livre expressão da vontade.
Agora, o quadro se altera a partir do momento em que você depreda um edifício público, quebra seu patrimônio e age com violência diante de alunos que discordam de alguma greve e desejam ter aulas. Não importa se a faculdade é pública ou privada: ela não pode impedir que alguns alunos exerçam um totalitarismo sobre os demais.
No Direito Penal não há com clareza “crimes políticos”. Há quem diga que matar o presidente da República ou o líder de um partido seja um crime político, mas, na realidade não é. Pode até haver motivações políticas, mas classificar o crime como tal é abrir a prerrogativa para que as pessoas saiam pelas ruas explodindo o que veem pela frente.

JC: Do ponto de vista jurídico, como a senhora vê a gestão do reitor João Grandino Rodas?
JP: Parece-me que a partir do momento em que são instaurados esses procedimentos de sindicância, ele faz imperar a legalidade. A princípio acho positivo que esses casos sejam apurados. Isso é melhor do que deixar de fazer qualquer coisa e permitir a baderna.
Quando o reitor era diretor da Faculdade de Direito, fui nomeada para participar de algumas sindicâncias. Nunca houve pressão ou influência. Acredito que o reitor possui incutida a filosofia de que as coisas devem ser apuradas e conduzidas nos termos das normas previstas. Acho isso positivo.

JC: A senhora se diria crítica quanto à oposição contra a gestão Rodas em alguns setores da USP?
JP: Não vejo essa forma de administração como algo negativo. Acredito que quando você segue as regras que vigoram para todos e aplica-as com transparência, essa rigidez torna-se positiva. Os textos que escrevo buscam dizer que as regras devem ser claras, objetivas e válidas para todos. Aqueles que querem fazer greve tem esse direito. Mas aqueles que não concordam tem também o direito de pensar de maneira diferente.

JC: A senhora acredita que o estatuto da USP deve renovar aquilo que entende por manifestação política?
JP: Não fiz um estudo detalhado sobre o estatuto para responder com precisão. O que acredito é que é preciso mudar essa cultura que há dentro da USP. Percebo um sentimento nos alunos e nos funcionários da universidade de que aqui dentro todos estão em um patamar superior ao restante da sociedade.
Um exemplo é quando dizem que os campi são “territórios livres”. Lança-se mão de uma referência à ditadura para alegar que aqui dentro pode-se fazer de tudo. Se eu quero cobrar legalidade e rigor sobre a vida dos outros, eu também tenho que ter. É por isso que vejo com bons olhos como trabalha o professor Rodas. Nós também temos que cumprir a lei e parar de achar que, só porque pertencemos a uma universidade pública, estamos sujeitos a menos limites que os demais.

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