Após um ano, a greve ainda é debatida pelo ME

Assuntos como a ocupação da Reitoria, a reintegração de posse e a influência da mobilização ainda despertam divergências no movimento estudantil.

No próximo dia 8 de novembro, a reintegração de posse do edifício da reitoria ocupado por estudantes, a prisão destes e a assembleia que deliberou greve geral estudantil completam um ano.

Esta data foi o resultado direto do convênio firmado entre a Polícia Militar e a Universidade de São Paulo e da mobilização iniciada no dia 27 de outubro de 2011, quando três estudantes que estavam fumando maconha foram detidos pela polícia militar.

A primera foto mostra a reintegração de posse da Reitoria no dia 8 de novembro, a segunda a manifestação dos estudantes no Largo São Francisco no dia 10 de novembro. Os dois estão entre os acontecimentos que marcaram a greve dos estudantes da USP no ano passado.

No entanto, mesmo após este período de um ano, o posicionamento dos próprios grupos estudantis não é consensual. Suas opiniões divergem sobre a ocupação da reitoria, os eixos centrais da mobilização e a atual conjuntura.

Início do convênio
O convênio PM – USP foi firmado no dia 5 de agosto de 2011, após a morte de Felipe Ramos no estacionamento da Faculdade de Economia e Administração durante um assalto. Desde então a Polícia Militar passou a patrulhar ostensivamente o campus da capital. No dia 27 de outubro, a PM, que rondava a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, deteve três estudantes que fumavam maconha. Diversos alunos iniciaram um protesto devido a aversão histórica que a corporação provoca na comunidade uspiana que culminou em enfrentamento direto com a PM. “O movimento estudantil estava adormecido, enquanto a reitoria intensificava seus ataques às liberdades de organização política de estudantes e trabalhadores”, comenta Alisson Bittencourt, do coletivo Território Livre.

Ocupação da Reitoria
Logo após a mobilização dos estudantes contra a Polícia Militar na USP, uma assembleia foi articulada e deliberou a ocupação da diretoria da FFLCH. No dia 1 de novembro de 2011, saiu de outra assembleia, que divide até hoje a opinião dos alunos, a ocupação do edifício da Reitoria. “Aquela plenária teve uma série de problemas, um deles foi que votaram um teto e se polarizou entre mudar o teto e permanecer com ele, o que acabaria com ela antes de se votar pela ocupação da reitoria. Foram problemas tanto de ordem organizativa quanto política. A atitude de alguns grupos do movimento estudantil, no sentido de tensionar que a ocupação era o único forma de agir naquele momento, fez com que a assembleia se conturbasse”, declara Lucas Viana, da atual gestão do DCE, Não Vou me Adaptar.

Lira Alli, do coletivo Universidade em Movimento, diz que “mais do que dizer se houve golpe, se esse ou aquele grupo mente ou manobra, é importante a gente entender que existe hoje uma dificuldade do movimento estudantil agir de maneira unitária e, olhando depois de um ano, esse é um desafio que ainda precisa ser enfrentado”. No entanto, para Alisson aquele resultado foi legítimo. “Infelizmente, o setor que compunha a mesa pretendia apenas votar a desocupação da administração da FFLCH e, em seguida, encerrar a assembleia. O argumento de que o teto já havia sido ultrapassado não pode ser usado para justificar o fato de a mesa ter abandonado a assembleia, pois a primeira votação, sobre a desocupação da administração da FFLCH, já se iniciou depois de ultrapassada a proposta de teto do começo”, afirma ele.

Reintegração de posse
O pedido de reintegração de posse do prédio da reitoria foi feito pelo reitor João Grandino Rodas no dia 3 de novembro e a reintegração foi executada na madrugada do dia 8 de novembro. Segundo a Polícia Militar, a operação contou com 400 homens, incluindo o GOE, GAT e a Cavalaria. Foram presas cerca de 70 pessoas.

“Numa das assembleias, foi criada uma comissão de estudantes responsáveis por negociar com a reitoria e que estaria sempre submetida às assembleias. Essa comissão realizou algumas reuniões com representantes da reitoria, que sempre se recusaram a atender às reivindicações estudantis. Em meio ao processo de negociação, a reitoria e a PM surpreenderam os estudantes e realizaram a reintegração de posse. Foi uma ação absurda, 400 policiais militares fortemente armados prenderam 73 estudantes”, comenta Alisson.

Lira concorda: “ Foi uma ação violenta e desmedida. Rodas, como sempre, nem procurou dialogar. A própria ouvidoria da polícia disse que não havia visto uma ação militar desse porte na universidade nem mesmo no tempo da ditadura militar”.

Greve
No mesmo dia da reintegração de posse, uma assembleia dos estudantes decidiu pela greve geral. “Diferentemente da ocupação, a assembleia estava cheia e a proposta de greve ganhou, logo foi legítima, apesar de faltar o movimento de voltar para as bases dos cursos, para os estudantes poderem saber sobre a greve e referendá-la” diz Lucas.

A movimentação foi apoiada pela estrutura organizada pelos próprios estudantes. Foi criado um Comando de Greve, de função executiva, em que votavam delegados eleitos pela base de seus próprios cursos. “O Comando foi uma experiência fundamental para o movimento, na medida em que conseguia responder de forma dinâmica às necessidades da luta e significava justamente a base do movimento, as assembleias de curso, tomando os rumos da mobilização em suas mãos. Ele era, na verdade, o instrumento de democracia direta estudantil que, pela sua forma de organização, se contrapunha de forma concreta ao autoritarismo e à falta de democracia da reitoria”, comenta Alisson.

Há discordância quanto a atuação do Comando. “Na prática ele foi usado como tentativa de substituir as entidades estudantis, e aí que mora o problema. O Comando de Greve deveria atuar junto às entidades, e não disputando com elas. Assim como as entidades deveriam atuar mais como entidades, unificando e articulando as diferentes opiniões, do que como representantes de um ou outro grupo político”, diz Lira.

Na última assembleia do ano, foi colocado em votação a continuidade da greve após o fim do ano letivo. A proposta de continuidade ganhou e a Calourado Unificada de 2012 foi organizada pelo Comando de Greve. No entanto, a greve chegou ao fim na assembleia do dia 8 de março deste ano. Para Lucas “o fim da greve teve a ver com práticas ultimatistas de alguns grupos políticos envolvidos. Em um movimento ideal, a greve seria controlada pela base dos estudantes, mas devido as próprias práticas de alguns grupos, isso não aconteceu”.

Lira aponta outros motivos: “Todos sabiam que seria muito difícil ter qualquer conquista concreta a partir dali e, também por isso, a greve não teve forças para continuar. Os calouros que estavam chegando na universidade queriam, com justiça, assistir suas aulas. O clima já tinha esfriado. Se a greve tivesse acabado durante o período em que ela estava forte, ela poderia ter estimulado o crescimento do movimento estudantil. Do jeito que acabou, ela terminou por frustrar muita gente que se engajou nela”.

Já Alisson afirma que “no fundo, ela terminou porque o movimento estudantil não pôde ultrapassar de fato os muros da Universidade e se unir à luta mais geral da classe trabalhadora. Certamente, é preciso tomar os exemplos dos estudantes franceses em 1968 e dos brasileiros em 1977, que conseguiram dar ao movimento estudantil maior dimensão e força sobretudo porque sua luta se aliou à luta dos trabalhadores, tornou-se de fato uma luta mais geral, ampla”.

Atualidade
Os três estudantes concordam que, após um ano, o autoritarismo e os ataques da Reitoria aos estudantes só aumentaram. “A gestão Rodas segue com seu autoritarismo. O desenrolar dos processos é uma boa demonstração disso. Nem direito de defesa as pessoas tem. O movimento também segue com dificuldade para atuar de maneira unitária e, assim, segue acumulando derrotas”, diz Lira. Alisson concorda: “como consequência do fim da greve, os estudantes passaram a assistir aos ataques da reitoria sem poder responder à altura. Hoje, as coisas estão pior do que há um ano: temos 56 estudantes ameaçados de expulsão, a PM permanece no campus e, pior, coronéis são responsáveis pela “segurança” da Universidade. Os ataques repressivos continuam. E, em contrapartida, o movimento estudantil está muito mais desorganizado do que há um ano”.