Combate ao crack é ineficiente em São Paulo

Segundo pesquisadores, deve haver mudanças no treinamento da Polícia Militar e mais articulação com as comunidades da cidade

(ilustração: Jaqueline Mafra e Sofia Soares)

O ambiente tomado pela chamada Cracolândia do centro de São Paulo existe há aproximadamente 20 anos. Hoje a dependência em relação ao crack já é considerada uma epidemia a ser combatida na cidade. Entretanto, está claro que as ações públicas de caráter repressor tomadas até então não conseguiram conter a força dessa droga, e nem solucionar questões sociais que permeiam o seu uso. Segundo alguns especialistas, essa questão tem raízes culturais e econômicas de São Paulo e precisa ser vista de maneira mais profunda.
A operação de combate ao tráfico e dispersão de usuários da Cracolândia realizada pela Polícia Militar de São Paulo desde janeiro não foi a primeira a tratar o local dessa maneira. Para a psicóloga Miriam Mirajes, especialista na ação das drogas sobre o comportamento, a dispersão só tende a dificultar qualquer ação que vise solucionar um problema local e de determinado grupo. Além disso, segundo Paulo Malvasi, pesquisador da Faculdade de Saúde Pública, a guerra às drogas em si “é muito equivocada”.
Ele explica que o aumento da distribuição/produção do crack no Brasil está ligado, na verdade, ao corte feito pela Polícia Federal na passagem dos insumos da Bolívia para o Brasil. “Não temos clareza de onde reprimir”, diz, ao comentar que a ineficiência das operações está no fato de terem se focado “no tráfico de esquina”, que tende a atingir mais o usuário do que o traficante. Para Malvasi, o ideal seria voltar-se para reprimir o refino e a distribuição, entretanto, ele acredita que o desconhecimento do poder e da opinião pública acabaram somente legitimando a violência como melhor forma de tratamento, ao invés de cuidar do caso.
Segundo a psicóloga Miriam, a insuficiência de apoio governamental na criação de oportunidades sociais e culturais claras para jovens de camadas excluídas tem muita influência para uso primário do crack, falando “do Estado de São Paulo em geral”. O suprimento desse vazio com o uso de uma droga barata, de fácil acesso e de efeito poderoso é bastante inteligível, explica a psicóloga. Em geral, esse tipo e substituição “é um princípio comportamental”, ela diz. Isso se soma à cultura do imediatismo que domina a sociedade atual. “Hoje em dia, as coisas rápidas são melhores, e não necessariamente a longo prazo, como o efeito crack”. A droga é um produto que permanece com o mesmo preço há mais de quinze anos. É preciso entender a situação dentro de uma lógica de mercado, considerando o crack como um produto de “sucesso comercial”. Malvasi destaca uma pesquisa que realizou nas periferias de São Paulo, entre 2008 e 2011 que indicava a diminuição da oferta de maconha e um aumento na oferta do crack. Fora essa problemática social, ele acredita numa questão mais ampla. “O uso do crack em locais públicos torna aparente a miséria que ainda há no Brasil”, coloca.
Ademais, Paulo defende que o funcionamento sociedade contemporânea, da maneira como é, não dá sentido e significado para a vida das pessoas. E isso pode ser notado em qualquer classe , evidenciando uma “tendência das pessoas buscarem experiências radicais, um amortecimento da dor e da angústia” que, segundo Paulo, são muito frequentes atualmente. Assim como há aumento do uso do crack, há o aumento exponencial do uso de antidepressivos e calmantes. Para o pesquisador, o abuso de drogas lícitas e ilícitas mostra uma “faceta” da realidade atual.

Uma droga social
Do ponto de vista psicológico, entretanto, o desenvolvimento da dependência em relação ao crack pode ter influência de outros fatores além da carência de oportunidades públicas. A maioria das drogas são consumidas socialmente, mas, para a psicóloga Miriam, especificamente no caso da Cracolândia, o crack “se tornou uma droga social”, ao passo que seu uso contínuo se desenvolveu a partir do compartilhamento entre aquele grupo.
Ela explica que isso se deve ao fato de tratar-se de “um grupo de pessoas que precisa dos fornecedores da droga por perto, já que o uso pede uma alta frequência”, e que já perdeu o apoio familiar e a possibilidade de manter um emprego. Dessa forma, a partir da droga, são formadas novas relações sociais, o que de certa maneira gera uma “proteção” para o próprio grupo.