Dama do xadrez: ecana coleciona conquistas

Campeã estudantil, universitária, brasileira e pan-americana, a uspiana Amanda Marques Pereira ainda luta pelo título mundial

Amanda, campeã do Pan, critica falta de interesse da USP pelos enxadristas (Foto: Ruan de Sousa Gabriel)

A estudante de Relações Públicas Amanda Marques Pereira não precisou de muito tempo para vencer este repórter numa partida de xadrez. Peões desenvolvidos em direção ao centro, cavalos a postos, alguns movimentos e… Xeque-mate: rei encurralado entre o bispo e a rainha. “É como futebol”, comparou Amanda ao dar dicas de ataque e defesa ao repórter derrotado que entende ainda menos de futebol do que de xadrez, mas balançava a cabeça em concordância. “A torre e a rainha são peças pesadas…”, explicava pacientemente a vencedora.
Amanda foi iniciada nos tabuleiros ainda na infância. No Colégio Albert Sabin, onde estudou, o xadrez fazia parte da grade curricular. “Da mesma maneira que você tinha aula de ciências, você tinha aula de xadrez uma vez por semana”, recorda. A menina tomou gosto pelo jogo, passou a ter aulas particulares e treinar cada vez mais.
Aos sete ou oito anos – não se lembra ao certo – disputou seu primeiro campeonato. Forçando um pouco a memória, conta sobre as “medalhas superbonitas” que as dez crianças mais bem classificadas ganhariam. Amanda foi a 11ª colocada e cai na gargalhada ao trazer à memória a frustração infantil de quem ficou sem a tão desejada medalha. Não muito tempo depois, a pequena enxadrista ganharia seu primeiro torneio estudantil.

Títulos e mundiais
Hoje, aos 18 anos, Amanda é campeã universitária, estadual, brasileira e pan-americana. Um dos poucos títulos que lhe faltam é o de campeã mundial. “Nossa! Como assim você não ganhou o (Campeonato) Mundial?!” é assim que a jovem enxadrista imita o espanto daqueles que se recusam a acreditar que, apesar de tantas conquistas, ela ainda não trouxe para casa o título mundial. “É que as pessoas não têm noção do que é o Mundial”, desabafa.
Amanda já disputou o Campeonato Mundial de Xadrez em três ocasiões. Em 2004, aos 10 anos de idade, ficou em nono lugar no Mundial da Grécia. “Comecei perdendo as duas primeiras rodadas. Fiquei muito triste. Depois eu fui ganhando e consegui ficar em nono. Fiquei super feliz!”, conta a jovem que, orgulhosa, garante que quebrou um tabu e foi a primeira enxadrista do sexo feminino a figurar entre os dez primeiros colocados do Mundial em muito tempo.
A conquista pessoal de 2004 é apenas uma das muitas partidas marcantes que Amanda recorda e narra de maneira animada, sorrindo e gesticulando muito. Partidas que classifica como“felizes e outras não tão felizes assim.”
Uma feliz: Campeonato Pan-Americano de Xadrez de 2006, na Colômbia. Amanda havia ganhado a rodada anterior e jogava a última partida contra uma peruana – as peruanas se destacam entre as enxadristas latino-americanas. Rindo, a brasileira confessa que, intimidada pela adversária, chegou a chorar, mas “no final, consegui empatar e ganhei o Pan!”
Uma não tão feliz assim: classificatória para a Olimpíada de Xadrez de 2008. “Eu tinha 14 anos e me lembro que se conseguisse empatar o jogo já estaria classificada. Seria um grande objetivo alcançado. Mas eu me desconcentrei e perdi” conta a jovem que afirma sonhar (ou ter pesadelos) com a fatídica partida “até hoje.”
Em 2010, Amanda alcançou seu objetivo e disputou a Olimpíada de Xadrez como parte da delegação brasileira. Eletrizada pela lembrança, narra com aflição e riqueza de detalhes o que “seria a partida da minha vida se eu tivesse ganhado.” “Na primeirarodada, nós (a delegação brasileira) jogamos contra a China. Os chineses eram os favoritos, depois dos russos. A chinesa e eu estávamos empatadas. Ela estava com uma torre numa casa branca e, se eu desse um xeque, ela subiria o rei e moveria o bispo de lugar, e eu atacaria a torre e ameaçaria o com um xeque-mate ao mesmo tempo. Ela teria que entregar a torre ou levar o mate. Entendeu? Eu poderia remontar aquelas posições agora de tão bem que me lembro! Mas não dei o xeque porque ela estava ameaçando coroar um peão. Eu resolvi me defender dessa coração e acabei não ganhando nem a torre nem a partida”, lamenta.

Representando a USP
Em 2011, Amanda não dedicou muito tempo ao xadrez porque “tinha que estudar para a Fuvest”. Em 2012, já na matriculada no curso de Relações Públicas da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA), a jovem representou a Universidade em duas competições: na Liga do Deporto Universitário (LDU), realizada em Goiânia (GO) no mês de junho, e nos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), que aconteceram em outubro em Foz do Iguaçu (PR). Venceu as duas competições.
Os torneios de xadrez costumam se dar em sete rodadas. Cada vitória dá ao competidor um ponto, e um empate, meio. Terminada a sétima rodada, vence o jogador com mais pontos acumulados.
Com cinco vitórias e dois empates na LDU, Amanda conseguiu seis pontos e disputou a última rodada contra outra uspiana: Líria Garcia, aluna da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). Como tinha mais pontos acumulados, a ecana venceu a competição.
Amanda, no entanto, enfrentou alguns problemas na LDU. A organização do torneio exigia que cada uma das delegações usasse um uniforme feito exclusivamente para a competição. A ECA, representada apenas por Amanda, não tinha uniforme oficial. A enxadrista teve de improvisar: “Comprei uma camiseta da USP no CEPE e outra da ECAtlética feita para o JUCA. A organização da LDU reclamou porque não era um uniforme feito especialmente para os Jogos da Liga”.
No JUBs, Amanda e Líria voltaram a se enfrentar em um jogo que terminou em empate. A ecana se tornou campeã universitária de xadrez com 6,5 pontos (seis vitórias e um empate).
A enxadrista reclama que – ao contrário das universidades federais – a USP não dá tanta atenção aos torneios, não envia delegações, nem financia a viagem dos esportistas. “É incrível que a USP não faça nada. No JUBs só estávamos eu e a menina da FEA (Líria, representando a Universidade). A USP nem sabia que estávamos lá”, desabafa.

Transição
Tendo dedicado mais de metade dos seus 18 anos ao xadrez, Amanda enumera o que ganhou com a prática do esporte: “conheci gente, pude viajar e ‘abrir a cabeça’. O xadrez me ajudou a amadurecer e me ensinou muito sobre convívio social, persistência e os ‘3 D’s’…” Os “3 D’s” são uma referência a uma sigla usada porsua mãe que significa “determinação, dedicação e… disciplina” – é preciso buscar o terceiro “D” no fundo da memória.
Apesar de movimentar as peças no tabuleiro de maneira decidida, Amanda tem dúvida quanto ao que fazer da vida. Acha o curso de Relações Públicas “muito teórico” e já tentou transferir para Economia. “Não sei muito bem o que eu vou fazer. Mas se eu descobrir, eu te falo.” Ficam o sorriso e a promessa.