Fernando*, principal envolvido na história

* nome fictício utilizado para proteger a identidade da vítima

Jornal do Campus: Quando você e sua amiga voltaram com a cerveja no carro e foram barrados, que argumentos os guardas apresentaram para vocês não entrarem no campus? Como vocês fizeram para entrar na USP depois disso?
Fernando: O argumento foi, literalmente, “não pode entrar com cerveja”. Após eu apresentar a carteirinha da USP na Portaria 1, me disseram que eu estava com cervejas no carro e que era proibido entrar no campus. Eu pedi para que me apresentassem QUALQUER documento, regulamentação ou diretriz que explicitava tal proibição, o que não fizeram (o mais próximo que existe é um parecer de 2010, e que diz respeito à Ribeirão Preto http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2010/03/rodas-assina-parecer-que-pode-proibir-bebidas-na-usp-2/). Insisti que ia entrar. Quando impediram minha passagem com um cone, eu encostei o pára-choque do carro no cone, e bem devagar, fui empurrando o cone. Eles tentaram colocar um cavalete na frente, mas colocaram o cavalete deitado no chão, eu passei por cima e entrei no campus.

JC: Ao entrarem, vocês foram perseguidos pela Guarda Universitária. De onde até onde essa perseguição aconteceu? Como a guarda abordou vocês, depois de terem sido “fechados” por eles?
F: Eu vi o primeiro carro me perseguindo quando estava próximo à Casa de Cultura Japonesa. O carro que apareceu primeiro foi uma PALIO WEEKEND PRATA, sem identificação da Guarda Universitária (havia apenas um adesivo vermelho da USP na lateral). Eu subi a Lineu Prestes e fui para o estacionamento próximo à biblioteca Florestan Fernandes, e lá desceram a Clara e a outra colega que estava no carro. Elas desceram para avisar quem estava na festa do que estava acontecendo. Eu segui pelo bolsão, passei pela FAU, IME, e entrei à direita na Luciano Gualberto. Não tinha onde parar em frente ao gramado da Letras, então segui até o retorno após o semáforo da História, e fiz o retorno. Nessa altura eu ouvia pelo menos 2 sirenes diferentes, e acho que tinham 3 carros me perseguindo (2 Palio Weekend não identificadas, e um Corsa (?) da Guarda, colorido e identificado). Quando cheguei na altura da Sociais/Letras, vi uma vaga e posicionei o carro pra fazer a baliza. Aí me fecharam, e antes que eu pudesse acelerar de novo um guarda chegou na minha janela, enfiou o braço dentro do carro e arrancou a chave. Então ele abriu a porta, me forçou para fora do carro e me “prensou” no carro que estava do meu lado, me dando uma chave de braço. Eu bati o rosto no carro e comecei a sangrar da testa, o que não senti até que me disseram que minha cara estava ensanguentada. Outro guarda deu uma chave de braço no outro braço. Me deram joelhadas e forçaram bastante meus braços, até o público da festa chegar, então deram uma diminuída. Toda vez eu eu tentava me mexer, esse processo (joelhada na parte posterior da coxa, torção da mão, do braço) se repetia.

JC: No momento da abordagem, quantos guardas estavam presentes, mais ou menos? Você reparou se eles estavam devidamente identificados?
F: Eu acredito que eram 4-6 guardas. Acho que um dos carros foi embora logo que eu parei. Não procurei ver se os dois que me seguravam estavam identificados. Mas depois, vendo o vídeo que um colega gravou, ficou aparente que não estavam identificados e inclusive que mentiram sobre seus nomes quando perguntados pelos alunos que aglomeraram em volta.

JC: Segundo a nota da AAA FFLCH, consta que você foi agredido pelos guardas. Que tipo de agressões físicas você recebeu? Houve alguma agressão verbal/moral também? Você fez exame de corpo de delito ou preferiu não registrar nenhuma ocorrência?
F: Sobre as agressões, foi o que descrevi na pergunta 2. Não fiz exame nem boletim de ocorrência.

JC: A PM apareceu depois de quanto tempo? Que tipo de postura/medida foi assumida pela PM?
F: A PM apareceu após cerca de 20 minutos. Eu já tinha sido “liberado” pela Guarda e não vi o que aconteceu quando eles chegaram. Aparentemente os PMs disseram algo do tipo “vocês vão querer mesmo levar pra delegacia?”, e a Guarda respondeu negativamente.

JC: É verdade que os sua carteira sumiu? Quando você se deu conta do seu desaparecimento? Quais documentos você perdeu? Já recebeu alguma notícia do paradeiro de alguma coisa?
F: Minha carteira sumiu na hora, mas já foi recuperada. Pelo que eu entendi, estava na grama ao lado do carro e um colega pegou. Não perdi nenhum documento.

JC: Segundo a nota, alunos da festa desceram em sua defesa. Com a divulgação da nota oficial pela atlética da FFLCH, mais pessoas ainda ficaram sabendo da história. Como você tem sentido a repercussão do caso? Muitas pessoas vêm conversar com você?
F: Vários amigos e conhecidos ficaram sabendo e perguntam da história. Repercutiu bastante, acho que não só pelo caso em si mas porque todo mundo está atento pra essa questão da “proibição” das bebidas e pra repressão em geral que está acontecendo sob a gestão Rodas.

JC: Após vivenciar isso, na madrugada da última quinta-feira, você ainda consegue ver a guarda universitária como um símbolo de segurança dentro do campus ou você acredita que eles representam mais um motivo de se ter medo, aqui dentro?
F: Eu nunca vi a Guarda como fator de segurança, e sim de controle e vigilância. Vale frisar que das “viaturas” que me perseguiram, duas não estavam identificadas, ou seja, claramente são carros utilizados pela Guarda quando não querem deixar sua presença conhecida no local. Pra que ficar escondidos, quando se quer fazer segurança? Não é melhor deixar a presença clara para inibir qualquer comportamento ilícito ou violento? Recentemente descobriram câmeras escondidas no Bandejão Central. Tenho certeza que muitos moradores do CRUSP tem fichas extensas feitas por funcionários que registram até as “companhias” dessas pessoas. Isso é extremamente perturbador, na minha opinião. O que fazem com esses dados? Certamente não são utilizados em pesquisas da Universidade; caso fosse assim, isso seria público. É o fato de ser uma política secreta da reitoria – o controle total dos alunos que moram no campus – que me preocupa.