Grandes construções são a melhor opção?

Muitas obras estão em andamento na Cidade Universitária. Especialistas em urbanismo e preservação histórica, da FAU, fazem considerações sobre reflexões que a Universidade deveria praticar antes de renovar seu patrimônio físico
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A USP precisa recuperar edifícios antigos e realizar novos investimentos que se fazem necessários – entrevista com Bruno Roberto Padovano
As coisas devem ser conduzidas nos termos das normas previstas – entrevista com Maria Lucia Bressan Pinheiro


A USP precisa recuperar edifícios antigos e realizar novos investimentos que se fazem necessários

Bruno Roberto Padovano é Livre-Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e Coordenador Científico do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP).

Jornal do Campus: A Universidade deveria privilegiar reformas da estrutura que já possui ou a construção de novas instalações? Porque?
Bruno Roberto Padovano: As duas devem ser “priorizadas”, uma vez que a Universidade precisa recuperar seus edifícios antigos e ao mesmo tempo realizar novos investimentos que se fazem necessários em novas edificações (como, por exemplo, o Design, que precisa de uma sede própria e as ampliações no CEPEUSP, para adequar o nosso centro esportivo para acomodar as necessidades das delegações estrangeiras que o usarão na Rio 2016). Há necessidade também para obras que criem uma relação mais positiva da USP com seu entorno urbano, como a substituição do lamentável muro ao longo da Marginal Pinheiros e uma ligação aérea para pedestres e ciclistas com o parque Villa Lobos, passando por cima da Marginal e conectando com a ciclovia existente (e uma projetada) ao longo do Rio Pinheiros.

JC: Que tipo de necessidades por espaço físico a USP demanda hoje?
BRP: Diria que a parte de pesquisa vem exigindo espaços novos, laboratórios e outras instalações especiais, a partir das necessidades de cada unidade. Moradia é também muito importante, especialmente agora que iremos receber cada vez mais estudantes de intercâmbio do exterior e, quem sabe, professores de intercâmbio também. Os estudantes se queixam da falta de espaços para o encontro e para realizarem suas festas, um aspecto importante de uma vida universitária plena. O campus vem inclusive sendo usado por muita gente de fora, que exige banheiros e vestiários para a prática esportiva e física dessa população que enxerga a USP como um parque para seu lazer de fim de semana. A questão da segurança é central nessa questão do espaço físico, e a boa arquitetura e o urbanismo podem ajudar muito a aumentar o controle social dos espaços da Universidade, tornando-os mais seguros para seus usuários.

JC: O senhor acredita que a universidade como um todo deva adotar, como a FAU, um Plano Diretor para definir diretrizes para o uso dos espaços físicos e orientar a elaboração de reformas, reparos, restauros e ampliações?
BRP: Sem dúvida, isso é fundamental, inclusive pela escala e complexidade das obras necessárias e de sua infraestrutura. O Plano (e um necessário projeto urbanístico a este vinculado) deveria, sim, definir, segundo os recursos disponíveis, segundo qual sequência as obras deverão ser realizadas, dentro de todo um processo de planejamento estratégico para o desenvolvimento sustentável do Campus, como se este fosse uma cidade mesmo, até porque a USP é maior, em termos populacionais, do que a maioria dos municípios brasileiros. E todas as unidades (professores, alunos e funcionários) devem ser ouvidas e participar ativamente de sua elaboração, já que diz respeito a todos. A FAU tem de fato desenvolvido um belíssimo trabalho neste sentido, que pode servir de exemplo para o campus como um todo.

JC: O que se pode dizer sobre a maneira como as construções são feitas (sem a participação da comunidade universitária)? A comunidade não deveria ter um espaço para opinar na forma como é destinado o espaço físico?
BRP: Há obras emergenciais, como os banheiros e vestiários citados, que não exigem uma grande participação, mas o ideal é que um grupo representativo e experiente em planejamento urbano e ambiental coordene esse processo de planejamento participativo, usando essa experiência pioneira da própria FAU.

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As coisas devem ser conduzidas nos termos das normas previstas

Maria Lucia Bressan Pinheiro é Professora do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto (AUH) da FAUUSP e ex-diretora do Centro de Preservação Cultural da USP.

Jornal do Campus: A reitoria tem optado por construir novos prédios (Nova ECA, Parque dos Museus) a reformar instalações já existentes. A Universidade deveria privilegiar a reforma ou a construção?
Maria Lucia Bressan Pinheiro: Não é possível dizer que se deve privilegiar uma coisa ou outra. Sabemos que a maioria dos prédios precisa de intervenções, mesmo porque não faz parte da sociedade brasileira a cultura de manutenção e cuidado constante dos edifícios. É necessário avaliar não apenas do ponto de vista do estado físico deles, mas também avaliar qual o significado simbólico que as construções da USP têm hoje. É lógico que ninguém acha que deve ser mantido obrigatoriamente tudo,(..) mas é preciso que haja uma reflexão consistente na Universidade sobre o que é necessário preservar e o que pode ser demolido, transformado, modificado (…). As transformações têm se dado ao sabor das conveniências. Essa reflexão prévia que deveria embasar as decisões de intervenção não está sendo feita.

JC: A construção da Nova ECA é um exemplo dessa falta de reflexão sobre o significado simbólico dos edifícios da USP?
MLBP: Sim. Não sei até que ponto foi feita uma reflexão sobre qual o significado dos antigos prédios da ECA para a comunidade USP. (…)Os edifícios têm uma série de qualidades, inclusive arquitetônicas, mas me parece que a preservação nem sequer chegou a ser cogitada.
Essa falta de discussão sobre o patrimônio – seja da cidade, seja da USP – é uma característica da nossa sociedade. A Universidade está agindo de acordo com a visão predominante na sociedade, que é a lógica da constante transformação, da constante mudança, que traz muitas coisas boas, mas às vezes traz perdas graves. (…). A Universidade é o local onde deve ocorrer a reflexão sobre o que é bom nessa dinâmica veloz de transformação da sociedade e não está fazendo isso, muito menos agora, nesse período de inusitada disponibilidade de recursos, que é positiva, mas também possibilita essa rápida transformação sem uma maior reflexão.

JC: Em que medida iniciativas como o Plano Diretor da FAU são úteis para viabilizar uma maior participação da comunidade universitária nessas decisões?
MLBP: A FAU é, por excelência, o lugar onde se dá esse tipo de preocupação com o patrimônio e os bens culturais(…) O Departamento de História tem essa preocupação com a preservação do patrimônio, mas isso sempre ficou muito restrito às disciplinas teóricas e nunca foi a tônica geral do curso. O prédio da FAU é um edifício emblemático (…), projeto do [João Batista Vilanova] Artigas, o que o torna um ícone da arquitetura,(…) Pela importância do edifício e pelo fato de que ele passou décadas sendo mal-tratado, ficou claro que a forma com que o edifício vinha sendo mantido não condizia com o que era ensinado na faculdade (…). Começou a tomar corpo a ideia de formar um Plano Diretor Participativo, com a participação das três categorias de usuários do edifício e um processo de se elencar as necessidades e os problemas que cada categoria identificava, mapear isso tudo e submeter a votação quais demandas seriam contempladas e com que prioridade (…)

JC: Qual a sua avaliação das políticas de manutenção dos edifícios da Universidade?
MLBP: Com algumas exceções, essas políticas se pautam por desconsiderar qualquer valor simbólico que o patrimônio da USP possa ter. Esse ponto não parece sequer ser levado em conta nas decisões sobre intervenções. Não se trata de preservar tudo, mas avaliar o que consideramos importante como elemento identitário da própria trajetória da USP. É, necessariamente, uma decisão coletiva, e ninguém pode tomá-la sozinho.

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