Guarda Universitária agride alunos da FFLCH

Alunos com cerveja no carro são perseguidos e, em seguida, agredidos física e verbalmente pela G.U. Superintedência de Segurança diz estar apurando

Confusão, socos, chaves de braço, agressões verbais, tumulto e a presença da PM marcaram a madrugada entre quinta e sexta-feira, 02/11, na USP. O saldo foi um aluno bem ferido, uma estudante agredida, nenhuma solução tomada.

Na noite da quinta-feira, 01/11, alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) realizavam uma festa, aproveitando a véspera do feriado. Aproximadamente às 2h da manhã, já no dia 02/11, faltou cerveja na festa, e alguns alunos foram comprar mais. “Saíram para comprar breja eu e um amigo. Como nem todas as cervejas couberam no carro dele, eu fiquei lá no Extra esperando um outro amigo ir me buscar com o meu carro”, explica Clara*, aluna do 6º ano do curso de Letras. Ao retornarem, pouco antes das 4h, a estudante e seu amigo foram barrados no P1. “Após eu apresentar a carteirinha da USP, me disseram que eu estava com cervejas no carro e que era proibido entrar no campus [com bebidas alcoólicas]. Eu pedi para que me apresentassem qualquer documento, regulamentação ou diretriz que explicitava tal proibição, o que não fizeram”, conta Fernando*, amigo de Clara e aluno do 6º semestre de Ciências Sociais.

Ilustração: Sofia Soares

Segundo o estudante, quando a sua passagem foi impedida, ele encostou o pára-choque do carro no cone em sua frente e, bem devagar, foi empurrando-o. Em seguida, a Guarda tentou colocar um cavalete na frente do carro, mas o colocaram deitado no chão, então ele passou por cima e entrou no campus.

Os dois só perceberam o primeiro carro da Guarda perseguindo-os já na altura da Casa de Cultura Japonesa, de acordo com Clara. Os alunos pegaram o caminho para entrar no Bolsão da FFLCH e Fernando a deixou em frente à biblioteca Florestan Fernandes para que ela pudesse chamar ajuda. Depois disso, ele continuou tentando escapar dos carros da Guarda.

Fernando completa o relato: “Ao ver uma vaga, posicionei o carro para fazer a baliza. Ai me fecharam e um guarda chegou na minha janela, enfiou o braço dentro do carro e arrancou a chave”. Segundo o estudante, depois disso ele foi forçado a sair do veículo e recebeu diversas chaves de braço e joelhadas. A sua cabeça bateu no carro e começou a sangrar bastante.

“Eu e mais algumas pessoas evitávamos que uma briga acontecesse, quando vimos, do outro lado da rua, três viaturas da Guarda Universitária, onde cinco ou seis guardas imobilizavam e cercavam um rapaz, que estava com as mãos presas para trás, o peito encostado em um carro e a cabeça sangrando”, conta Nelson Fordelone, do 6º semestre de Letras, testemunha do acontecimento. Segundo Nelson, nenhum dos guardas estava identificado. O estudante conta que o homem que se afirmava supervisor disse apenas o primeiro nome, mas os que efetivamente seguravam o aluno se recusavam e afirmavam não ter essa obrigação.

A Polícia Militar apareceu no local após cerca de 20 minutos. “Eu já tinha sido ‘liberado’ pela Guarda e não vi o que aconteceu quando eles chegaram”, conta Fernando. Segundo Nelson, quando a PM chegou, os policiais ficaram de longe observando. “Em verdade, todos pareciam dispostos a sair dali o mais rápido possível, diante da quantidade de estudantes que desceu da festa em solidariedade aos colegas”, conta.

Segundo a comandante Raquel, do 16º Batalhão da Polícia Militar, o chamado chegou até eles como um pedido de apoio, por parte da Guarda Universitária. Entretanto, ao chegarem no local, nem a G.U nem o estudante quiseram registrar a ocorrência. “O que consta aqui no registro é que os PMs apenas deram algumas orientações e voltaram”, explica.

Ao ser procurada pelo Jornal do Campus, a Superintendência de Segurança da USP – agora chamada de Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária – respondeu apenas que o assunto está passando por um processo de apuração interna. A assessoria não quis dar maiores esclarecimentos.

Machismo presente
Quando alunos desceram em defesa de Fernando, uma estudante que confrontou um guarda acabou sendo verbalmente agredida. “A menina foi chamada de ‘nóia’ e ‘vadia’, tratamento diferente do dado aos rapazes presentes”, conta Nelson. Segundo o estudante, quando a PM chegou, ela quis prestar queixa contra o Guarda, mas a resposta que obteve foi que ela deveria procurar a reitoria para reclamar, pois a delegacia da mulher não funcionava em feriados e finais de semana.

Isadora Szklo, estudante do 4º semestre de Letras e integrante do Coletivo Feminista da Letras, o “Marias Baderna”, conversou com a vítima e explica que a situação é delicada. “Quando a conduta machista parte de autoridades como a G.U, a gente fica com as mãos atadas. O máximo que podemos fazer é oferecer apoio às mulheres agredidas, soltar notas, e realizar discussões sobre o assunto. É importante que não deixemos a sociedade achar que esse tipo de coisa não acontece ou, se acontece, é comum”, explica Isadora. Segundo a estudante, nos últimos tempos, várias mulheres têm procurado o coletivo para se queixar de situações semelhantes. “Infelizmente, o que essas mulheres têm para nos dizer é muito triste. Para a gente, representam diversas evidências da cultura machista de nossa sociedade”, conta.

Restrições às atléticas
A Associação Atlética Acadêmica Oswald de Andrade, composta por alunos da FFLCH, divulgou, na sexta-feira à noite, uma nota de repúdio ao comportamento da PM e da Guarda Universitária. Segundo Priscilla Coelho, representante da entidade, a publicação da nota foi a maneira que a atlética encontrou para tornar o ocorrido público e receber o apoio de alunos, coletivos politicos, movimentos sociais, centros acadêmicos e do próprio DCE.
Priscilla discute ainda a venda da cerveja no campus. “A falta de auxílio e apoio às organizações estudantis prejudica o curso de qualquer projeto, nota-se um empenho em burocratizar e dificultar o acesso dos estudantes aos recursos públicos. Este ano, a nossa ida ao campeonato do BIFE esteve comprometida, após a negação de um pedido de apoio financeiro feito à diretoria” conta. Segundo a estudante, nesta conjutura, a venda de cerveja se apresenta às entidades estudantis como a alternativa mais viável para captação de recursos.

Questão de segurança
Este acontecimento aqueceu o debate a respeito do papel da guarda universitária e da policia militar enquanto orgãos de proteção dentro da cidade universitária. Para Fernando, a Guarda nunca foi vista como um fator de segurança, e sim de controle e vigilância do campus. A estudante Clara explica que depois da referida quinta-feira, ela se sente mais insegura. “Tenho medo de alguma repressália desmedida deles, por saberem quem sou e qual é o meu carro. Tenho medo do abuso de poder. E agora tenho certeza de que eles são ineficientes, não sabem agir em situações mais extremas e não possuem treinamento para lidar com a responsabilidade que têm”, argumenta.

Para Nelson, que testemunhou o caso, é questionável a contribuição da polícia para o controle e a manutenção da ordem. “Ainda que tivéssemos a PM e a G.U constituídas em seu corpo com livres docentes PhD em Direitos Humanos, eles ainda teriam um viés opressor, tanto na USP, quanto fora dela”, defende o aluno.

A Atlética da FFFLCH questiona, em seu comunicado oficial, para que ou para quem serve a G.U da USP: “Não é o primeiro e com certeza não será o último ato de violência cometido contra quem quer que seja. A Universidade precisa urgentemente repensar a sua política de segurança, já que ficou claro que a Guarda não tem o mínimo preparo necessário para lidar com o público”. Priscilla, representante da entidade, comenta que mesmo as pessoas que não foram atingidas diretamente pela história passaram a se sentir ameaçadas, dentro do campus.

Entrevistas na íntegra

1. Fernando*, principal envolvido na história
2. Clara*, segunda envolvida na história
3. Priscilla Coelho, representante da AAAOA-FFLCH
4. Isadora Szklo (4º semestre de Letras)
5. Nelson Fordelone (6º semestre de Letras)