Irregularidades marcam terceirizações na USP

 Funcionários de empresas que prestam serviços para a Universidade reclamam de problemas nos pagamentos e de sofrerem discriminação 

Caixa dois e não pagamento de vale transporte são algumas das irregularidade cometidas pelas empresas terceirizadas na USP. Os problemas variam de empresa para empresa e unidade da USP. Para preservar as fontes, os nomes dos terceirizados não são identificados.

O TST (Tribunal Superior do Trabalho), em setembro deste ano, validou, em caráter excepcional, a jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso,  “pois em algumas atividades ele é tradicional, sendo que alguns funcionários até preferem, assim em um dia pegam um emprego e, no dia seguinte, outro”, afirma Antonio Rodrigues, de direito do trabalho da USP.

Esse sistema de jornada, realidade de boa parte dos vigilantes que trabalham no campus, é, de acordo com Antonio, “em tese, um sistema ilegal. Na Constituição está que o trabalhador deve exercer no máximo jornada de trabalho de 8h ou, se estabelecido em acordo coletivo, de 10h.”

Muitos vigilantes da USP enfrentam a dupla jornada, chegando a trabalhar todos os dias ou até 24h seguidas intercaladas por 1 dia de descanso. Um deles problematiza: “Se tivesse trabalho digno, salário digno, quem é que ia trabalhar 24 horas seguidas? 360 dias por ano?” Segundo o professor de direito, “Isso [jornada dupla] não é bom nem para o trabalhador nem para a empresa. Fica difícil de fiscalizar”. Um dos casos mais extremos é de um vigilante que tem três plantões seguidos dentro do campus: “Ele não tem vida social, a vida dele é o trabalho. Os colegas seguram um pouco pra dar tempo de ele chegar” diz um deles. Para Neli do Sintusp, “a dupla jornada é culpa do próprio processo de terceirização.”

Muitos terceirizados da USP cumprem folgas trabalhadas (FT’s). De  acordo com Antonio, quando isso ocorre “deve-se pagar por essas horas de trabalho, no mínimo, o dobro do valor da hora normal.” Mas algumas empresas pagam apenas R$ 50 por 12h de trabalho em um dia de folga, outras aproximadamente R$ 115,00.

Uma parte dos terceirizados denunciam também que empresas, como EVIK e Atlântico Sul, pagam as FT`s “por fora”. “Eles chamam de FT cash. Referente a esses dias não tem nem vale transporte nem vale alimentaçao, mas eu faço para aumentar a renda” afirma um vigilante. O professor Antonio, que acha estranho que isso aconteça “nas barbas da USP”, afirma que “o caixa dois é uma fraude que prejudica não só o empregado como o poder público.” Segundo ele, a USP pode ter que vir a pagar o FGTS e INSS desses trabalhadores, caso eles venham a ser demitidos. “A USP pode abrir uma sindicância, tem o dever de investigar”, acredita ele.

Já empregados de empresas como Higilimp e O.O.Lima, ambas responsáveis pela limpeza, relatam não receber vale transporte. “Para quem mora na São Remo e no Jaguaré eles não dão, eu levo quase 1 hora pra vir e outra pra voltar andando.” Desde março, quando os circulares da SPTrans passaram a atender o campus, esses trabalhadores têm enfrentado essa dificuldade, já que o circular gratuito passa com uma frequência muito reduzida. Antonio ponta ainda que “o vale transporte é sempre obrigatório, o trabalhador pode cobrar na justiça.”

O processo
Para Neli Wada, diretora do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), o processo de terceirização “leva à miséria, corrupção e péssimas condições de trabalho”, tendo se intensificado no campus desde a década de 90. A maioria dos terceirizados na USP, exercem funções de limpeza, manutenção e vigilância. Sendo eles contratados por diferentes empresas prestadoras de serviços, que têm a USP como tomadora desses serviços

Segundo o professor, “a terceirização em si não é boa. E se for boa, não vai ser em favor do empregado”. Para Fausto, um dos motivos desse problema é que  “há um déficit de gerenciamento: trabalha-se para um, e presta-se serviço para outro”.

“A terceirização coloca sob responsabilidade do outro o que é de sua responsabilidade.” Segundo Fausto Augusto Júnior, sociólogo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), “no Brasil, historicamente, a terceirização não surgiu para especialização e aumento da produtividade mas, como forma de precarizar o trabalho, sempre visando custo e não qualidade”. Um dos terceirizados conta que “raramente se trabalha em uma empresa decente”.

Sindicatos e discriminação
Outro problema enfrentado pelos terceirizados é a indefinição sindical: “ele não é reconhecido como parte da empresa tomadora [USP]”, segundo Antonio, e a legislação prevê que ele faça parte do sindicato específico de sua atividade, o que os impediria de serem representados pelo Sintusp.”Porém acho que deve ser do sindicato da atividade preponderante da tomadora [funcionários da USP] e não da prestadora [terceirizados]” Fausto concorda: “sindicato específico não vive a realidade daquela empresa (…) convenções de trabalho acabam sendo piores.”

“Sindicato corre do lado do patrão. Cara reclamou pro sindicato de pagamento atrasado pediram nome e R.E. [registro de empregados]. Ele recebeu no dia seguinte, mas logo ficou de plantão”, conta um vigilante. Neli do Sintusp afirma que os terceirizados tendem a pedir ajuda para o Sintusp: “Os outros sindicatos não ajudam, dizem que é assim mesmo, que é pra ficar quieto. Sintusp já foi processado por eles ao ajudar os terceirizados”.

Essa indefinição faz parte de um problema maior: “terceirizado não é visto como um funcionário da empresa, às vezes não pode nem usar o mesmo refeitório”, afirma Fausto. Na USP, alguns vigilantes noturnos relatam não poderem usar as copas dos prédios onde trabalham, tendo que utilizar outros prédios. “Já escutei que a gente não usa porque vigilante é porco. Me sinto muito mal aqui. Isso é humilhação, né?”

Outro vigilante conta que quando trabalhava em uma das guaritas que ficam pelo campus “não tinha aguá potável, as condições de higiene eram péssimas.”

Caminhos
 Apesar de a terceirização ser, nas palavras do professor Antonio, “a porta de ingresso mais rápida para precarização”, cuja marca seria uma instabilidade geral, a resposta para este problema não é imediata. Para Fausto, sociólogo do Dieese, “não adianta ser contra a terceirização e não apontar uma solução. No setor público, não há agilidade nos concursos, o que o Estado dá de instrumentos jurídicos para se contratar sem terceirizar?” Devido a essa necessidade de agilidade, muitos setores públicos justificam a terceirização: “ela burla o concurso público. Isso é cruel, porque geralmente o contrato com as firmas terceirizadas acaba saindo mais caro que por concurso”, o que acontece devido às taxas cobradas pelas prestadoras de serviço e à “comum corrupção nos contratos de serviço” completa.

Para resolver essa questão, ele acredita que seja necessário alterar a legislação de contratação e demissão no serviço público: “Hoje temos um legislação arcaica, para demitir alguém que tenha práticas incoerentes o processo administrativo pode demorar 3 anos.” Um caminho que os sindicatos têm encontrado é o de ir encarecendo o serviço terceirizado, até que ele não valha mais à pena. Ou ainda, que professores e funcionários diretos, já que não correm o risco de demissão, reivindiquem que os terceirizados tenham os mesmos direitos que eles.”Mas até que ponto o outro trabalhador vai estar disposto a brigar pelo direito do terceirizado? Essa é uma das muitas perguntas.” Antonio finaliza: “terceirização é sempre um mal para a sociedade que respeita o trabalho”.

Procurada um dia antes do fechamento da edição, o JC não obteve solicitação de entrevista atendida pela reitoria, mesmo tendo conseguido entrar em contato.

Precarização nas instalações é uma das queixas. (foto: Renata Garcia)
Funcionários não conhecem todos seus direitos (foto: Renata Garcia)