Se implantadas em São Paulo, UPPs teriam que ser diferentes

A operação na comunidade de Paraisópolis, no bairro do Morumbi, e a parceria com o Governo Federal para conter o recente aumento da violência na cidade têm levantado a discussão sobre a possibilidade e eficácia da aplicação do modelo das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro em São Paulo. Paraisópolis, a maior favela da cidade, é apontada como sendo um dos pontos de onde teriam partido ordens de execução de PMs. Policiais ocupam o local desde o dia 28/10, em operação que, para alguns, poderia ser o embrião de uma política de pacificação das comunidades da metrópole.

No final de novembro de 2010, houve uma série de crimes e atentados no Rio de Janeiro, dando sustentação para uma enorme operação da Polícia Militar carioca, com auxílio de forças do Exército e da Marinha. Os efetivos permaneceram nos Complexos de favelas do Alemão e da Penha até este ano, quando se completou a instalação de UPPs nas comunidades. Desde o inicio das operações, em 2008, 28 comunidades receberam a polícia pacificadora. Esta tem o perfil de uma guarda comunitária, buscando se aproximar a população. Embora as ações nas comunidades do Alemão e da Penha tenha tido participação do exército, vale lembrar que a pacificação do território, que precede a instalação das UPPs, é feita, na maioria dos casos, apenas por forças de elite da PM.

Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI-USP), estudou as UPPs, fez pesquisas de campo e entrevistas com moradores e membros das forças de segurança. Para ele, o trunfo das unidades está em inserir a figura do Estado no cotidiano dessas comunidades, ao mesmo tempo em que se ataca o tráfico. “Nesse sentido, acho que as UPPs têm sido um sucesso até agora. O número de homicídios caiu e não existe a mesma influência de um poder paralelo que existia”.

O diferencial nessas operações estaria no seu caráter permanente, concretizando uma presença efetiva do Estado. “O grande desafio têm sido mostrar para uma população que não estava acostumada com a presença do Estado que este não é só polícia matando traficantes, mas que também representa a garantia para outros serviços”, diz Lehmann Para ele, há uma desconfiança mútua entre governo e população que, no âmbito da segurança, seria ainda mais marcante devido ao legado da ditadura militar nas forças de segurança: “A polícia militar existia não para proteger a população, mas para proteger o Estado da população”.

Agora, o desafio é dar continuidade a essas ações com programas sociais e de inclusão que insiram tais comunidades na jurisdição estatal, provendo serviços e estruturas básicas para o desenvolvimento destas. Como explica Lehmann, “está sendo feito, mas é o segundo passo. Ainda se investe muito na logística das UPPs em si, pois isso é muito caro”.

Em São Paulo
Apesar da ocupação de Paraisópolis ter alguns pontos semelhantes às atividades das UPPs nas favelas cariocas, para Lehmann, o caráter dessa ação deixa dúvidas sobre sua continuidade quando a situação se tornar mais estável. Isto porque ela parece ter sido uma resposta aos ataques recentes, sem um planejamento a longo prazo.

O professor afirma que a escolha dessa comunidade foi estratégica, por sua localidade próxima às áreas mais nobres da cidade, que representam também as maiores consumidoras de drogas. A ocupação das áreas próximas a regiões nobres se assemelha ao que acontece no Rio de Janeiro.

Entretanto, a maior parte das comunidades paulistas não tem essa característica. No Rio, elas estão majoritariamente nos morros, e podem ser encontradas em grande número próximas as áreas mais nobres da cidade. Já em São Paulo, a maioria das favelas se localiza nas periferias. Segundo o professor, na prática, isso significa que em São Paulo as favelas poderiam ser evitadas, o que não acontece na capital carioca.

Estas diferenças fazem com que paulistas e cariocas encarem o problema da violência de modo diverso. Apesar da proximidade entre as áreas mais ricas e mais pobres da cidade no Rio de Janeiro, a identificação entre as populações que as habitam é mínima. Lehmann explica: “A divisão no Rio, geograficamente e no pensamento das pessoas, é muito mais forte”. Além disso, a violência é um problema para São Paulo, mas não o principal desafio da cidade. Estatisticamente, essa ainda é mais grave na cidade do Rio de Janeiro do que na capital paulista. Em São Paulo, a taxa de homicídio em 2011 foi 10 e 26,5 no Rio para cada 100 mil habitantes, segundo as Secretarias de Segurança de SP e RJ, respectivamente.

Lehmann destaca ainda sua impressão de que “o crime organizado em São Paulo é mais organizado”, o que tornaria mais difícil desarticular as quadrilhas que atuam na cidade. Mesmo assim, os princípios para a instalação de UPPs na cidade seriam parecidos. “O objetivo básico tem que ser o mesmo: o Estado tem presença em qualquer e todo lugar da cidade. Isso, como objetivo, deve existir em qualquer cidade”, afirma o professor.

No entanto, a execução dessa política em São Paulo deveria sofrer algumas modificações, pois os grupos aqui atuantes estão envolvidos em diversas atividades, não somente o tráfico de drogas. Lehmann exemplifica que poucas UPPs foram estabelecidas em áreas dominadas por milícias no Rio de Janeiro, justamente por estarem envolvidas em diferentes negócios, é mais difícil.