Sua casa, minha vida

A Cidade Universitária e a capital do País, Brasília, têm muito em comum. Ambas são ilhas secas. Quilômetros de grama verde separam os dois lugares de seus respectivos arredores. Tanto num quanto noutro, a maioria dos moradores está só de passagem. Alguns ficam apenas durante um governo. Outros, durante um curso de graduação. Seja como for, tanto a USP quanto o Eixo Monumental são clubes bastante exclusivos.

Só assim dá para entender porque a história da ex-militante do movimento estudantil ameaçada de despejo do Conjunto Residencial da USP (Crusp) esteja na manchete do jornal, enquanto a reportagem sobre incêndios criminosos em favelas, despejos forçados de pobres e o drama da população em situação de rua, que tem de morar em albergues por não poder pagar por alternativa melhor, esteja a seis páginas de distância da capa, guardada no fundo do jornal.

O leitor sente a distância prudente estabelecida entre o drama da ex-estudante de Filosofia da USP Amanda Freire e o resto dos paulistanos, que vive fora dos muros da Cidade Universitária. Embora as duas matérias tratem de habitação, são dramas que, para o jornal, não se encontram. Para começar, uma história tem rosto, tem nome, tem filho e dá aspas. A outra não dá nada disso – é apenas um gráfico feio, uma imagem borrada cheia de cores e legendas na zona que corresponde à periferia de São Paulo. Afinal, são mundos separados – é como Brasília. E o resto.

De um lado, a capital segrega seus satélites de empregadas domésticas, zeladores e serventes de pedreiro, morando em mundos menos brancos que o parque temático de Oscar Niemeyer. De outro, os estudantes que lutam por uma polícia diferente da polícia do povo e uma lei de drogas diferente da lei de drogas que recai sobre o povo falam agora no jornal de uma política habitacional diferente da que rege o resto do povo? E se não é assim, porque o jornal faz parecer que é? As duas histórias ganhariam mais se editadas como um conjunto.

Por fim, a última edição não perderia nada se não trouxesse tantas vezes o maneirismo dispensável do “devido a” e “devido ao”.

João Paulo Charleaux é jornalista e coordenador de comunicação da Conectas Direitos Humanos e do curso de jornalismo em situações de conflito armado e outras situações de violência. Escreve sobre cultura e direito internacional em veículos como Folha de S. Paulo e Última Instância, além de colaborar com a rádio França Internacional, a revistaCarta Capital, o jornal Le Monde Diplomatique, a rádio Popular de Milão, a rádio Interworld (Panos London), a Rádio Netherland e a Agência Poonal de Berlim.