Diretas já para reitor ou só daqui a pouco?

Estudantes declaram greve e ocupam a reitoria da universidade, reivindicando eleição mais democrática à reitoria. Já viu esse filme antes? Protestos na PUC-SP retomam discussão na USP sobre como se deve decidir quem ocupa o cargo
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Devemos evitar a todo momento dar mais peso para qualquer setor – entrevista com Reginaldo Nasser
Eleição direta carrega o risco de propostas só para ganhar votos – entrevista com Jacques Marcovitch


Devemos evitar a todo momento dar mais peso para qualquer setor

Reginaldo Nasser é mestre em Ciência Política pela Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, com foco na área de relações internacionais. É professor do Departamento de Política da PUC-SP desde 1989.

Jornal do Campus: Qual análise o senhor faz sobre a forma como os reitores da PUC-SP e da USP são escolhidos?
Reginaldo Nasser: Eu diferenciaria que na USP não há a possibilidade de professores em geral, dos alunos e funcionários manifestarem a sua vontade, o que acontece na PUC, onde votam todos. Os votos são proporcionais. A semelhança é que se compõem a lista tríplice, encaminhada para o poder de decisão acima da comunidade acadêmica. Quando o poder decisório não escolhe o mais votado, se instaura uma crise,: o velho confronto entre legalidade e legitimidade.

JC: Tanto João Grandino Rodas quanto Anna Maria Marques Cintra não foram os mais votados, mas acabaram sendo escolhidos para o cargo de reitor – o que não acontecia desde a ditadura. O que isso pode significar? 
RN: Há impacto não só nas universidades. A escolha dessa forma abre precedente para outros cargos também e procedimentos não democráticos se difundem pela universidade. De todo modo, não podemos olhar isoladamente a PUC, a USP ou outra universidade. É um movimento geral que faz parte da sociedade. Há um crescimento de setores conservadores. É muito evidente nos jornais, blogs e, portanto, a universidade reflete isso.

JC: Quais são os riscos e problemas de centralizar a escolha na decisão de uma única pessoa ?
RN: Eu fico muito curioso imaginando esse processo de escolha. O governador e o cardeal decidem se valendo de algumas informações para se escolher esse ou aquele candidato. Eu fico muito curioso com duas questões: quem dá essas informações e como elas chegam, e o critério que o governador ou o cardeal têm para escolher.

JC: A maneira como o reitor é escolhido pode ser diferente de acordo com o caráter da instituição (pública ou privada)?
RN: Deveria ser igual. Colegas argumentaram que, no caso de privada, a lógica é que deve ser cumprido o direito baseado na propriedade privada. Não precisa ser socialista ou comunista para perceber que, no caso de uma universidade, o critério da propriedade não tem imperativo, porque se não descaracteriza o que é a universidade. Universidade é um lugar de pluralidade, de liberdade de debate, de liberdade de escolha. Eu não creio que elas devam ser diferentes no seu espírito.

JC: O senhor é a favor da greve na PUC-SP?
RN: Sou a favor, e o processo eleitoral foi fundamental. No primeiro dos debates organizados pelos alunos passaram uma ficha de declaração de que os candidatos teriam o compromisso de assumirem o posto apenas se fossem os primeiros. Os três assinaram. Como é que uma pessoa que vai ocupar o cargo de reitor não cumpre aquilo que escreveu? Aparece claramente a distinção entre legalidade e legitimidade. Após a nomeação e a aceitação da professora Anna Cintra, ela não procurou nenhum setor da PUC e nem os candidatos que concorreram com ela. É o ato da decisão de alguém de fora que acarreta poderes e não se sente na obrigação de justificar, de responder, de debater as suas idéias. O recurso que entendo como mais legítimo é a greve. É todo um processo muito autoritário que tem ocorrido na PUC e a greve é a manifestação da maioria das pessoas.

JC: Em sua visão, qual seria a melhor forma de se escolher o reitor de uma universidade?
RN: Voto direto. Há um número grande de alunos, comparando com professores e funcionários. Há o detalhe de encontrar alguma forma de equilíbrio, porque deve-se evitar a todo o momento dar mais peso para um, ou outro setor. Isso é o ideal.

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Eleição direta carrega o risco de propostas só para ganhar votos

Jacques Marcovitch foi reitor da Universidade de 1997 a 2001. É professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).

Jornal do Campus: Qual análise o senhor faz sobre a forma como os reitores da PUC-SP e da USP são escolhidos?
Jacques Marcovitch: Não me sinto à vontade para tratar do modelo adotado na PUC ou qualquer outra instituição privada. Sobre a USP, da qual fui reitor, aprovo o processo de sucessão na reitoria.
Na USP, a Assembleia Universitária escolhe, entre mais de mil professores elegíveis, oito que se dispõem a se submeter como candidatos a um mandato não renovável de quatro anos.
O processo é legitimado por expressiva presença do colégio eleitoral. Revela o alinhamento da comunidade acadêmica e prevê o encaminhamento, no fim do processo, de uma lista tríplice para a escolha do governador do Estado.

JC: Tanto João Grandino Rodas quanto Anna Maria Marques Cintra não foram os mais votados, mas acabaram sendo escolhidos para o cargo de reitor – o que não acontecia desde a ditadura. O que isso pode significar?
JM: A escolha dos dirigentes através de lista tríplice foi incluída no Estatuto da USP em 1988, com o país já redemocratizado.

JC: Em sua visão, qual seria a melhor forma de se escolher o reitor de uma universidade?
JM: As melhores universidades do mundo escolhem seus dirigentes pela representação qualificada. A escolha do reitor centra-se no princípio da competência. Exige-se um perfil em que se sobressaiam o reconhecimento da sua contribuição à pesquisa e ensino, capacidade administrativa e pleno domínio de questões pertinentes à atividade fim da instituição.
A liderança de um dirigente universitário se mede pela capacidade na agregação de competências e formulação de um projeto para a academia. O desvio principal na tese do voto direto é o de exigir do reitor ou dirigente de unidade o posicionamento de um líder partidário. Ele não é isso, por mais que admitamos, no plano político, um protagonista com este perfil. Não se veja, nesta observação, qualquer menosprezo à política e seus ritos, perfeitamente legítimos quando praticados em âmbito próprio.

JC: A maneira como o reitor é escolhido deve ser diferente de acordo com o caráter da instituição (pública ou privada)? 
JM: A universidade pública é mantida pelos contribuintes. Isso cria para os dirigentes um grau de responsabilidade que seria atropelado se houvesse risco de partidarização no processo de escolha do seu reitor. No caso da universidade privada, o assunto deve ser tratado em seu próprio âmbito e considerando as suas especificidades.

JC: Quais são os riscos e problemas de centralizar a escolha na decisão de uma única pessoa (o governador, no caso da USP, e o cardeal/ grão-chanceler, no caso da PUC)? 
JM: Na USP o reitor é votado por dois colégios, sendo o primeiro composto por mais de 1600 integrantes e o segundo por mais de 300. É questionável a afirmação de que a decisão esta centrada numa única pessoa. Não vejo risco no atual processo decisório. O risco está em compor uma lista tríplice com nomes que não sejam qualificados.

JC: O senhor pensa que caso fossem feitas eleições diretas para reitor na USP, a Universidade seria prejudicada? De que forma?
JM: O voto direto, ideal na representação política do Estado, é de todo inconveniente na escolha dos dirigentes de uma universidade pública. Na eleição direta para reitor surge a tendência de candidatos lançarem plataformas apenas para ganhar votos. O improvável cenário da eleição direta para reitor poderia ser também uma porta escancarada para o aparelhamento da instituição. O bom desempenho da USP, nas avaliações internacionais, recomenda prudência na mudança de processos de escolha dos seus dirigentes.

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