Ensino a distância é inferior ao tradicional?

Desde 2008, a USP vem apostando no ensino superior a distância. Mesmo depois de cinco anos, esse novo modelo ainda enfrenta alguns preconceitos quando comparado ao tradicional. Será que ele deixa realmente a desejar?

“Aula de verdade só na sala de aula!”. “Você nem conhece seus professores e colegas, como vai aprender?”. “Posso estudar apenas quando eu quero”. “Não preciso nem sair de casa para ganhar meu diploma”. Quantos de nós já não ouvimos frases como essas amplamente reproduzidas quando o assunto é ensino a distância (EaD)?

Para esclarecer este assunto, o Jornal do Campus entrevistou o professor Gil da Costa Marques, coordenador de EaD na USP, a professora Sonia Castellar, chefe do Depto. de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação-USP e o aluno do 3º ano de Licenciatura em Ciências, Celso Nobuo.

A partir dos avanços nas áreas de informática e comunicação, as universidades públicas, com a intenção de atender a novas demandas e possibilitar uma maior inserção educacional, têm investido recentemente no desenvolvimento do ensino a distância. Em 2008, foi criado o Programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) com o objetivo de ampliar a abrangência do ensino superior público gratuito e de qualidade no Estado de São Paulo.

Em convênio com a USP, Unicamp, Unesp e em parceria com o Centro Estadual de Ensino Tecnológico Paula Souza (CEETEPS) e a Fundação Padre Anchieta (FPA), foram criados cursos semipresenciais estruturados e idealizados pelos próprios professores das universidades que os oferecem – as quais também são responsáveis pelos respectivos processos seletivos e métodos avaliativos dos estudantes. Dos sete cursos oferecidos pela Univesp, a USP é responsável por três, sendo dois de especialização e um de licenciatura.

Para a professora Sonia, a Licenciatura em Ciências foi escolhida para ser pioneira no EaD da universidade pois, além de ser uma área muito importante na formação do indivíduo, possibilita que o aluno tenha contato com várias disciplinas ao mesmo tempo, valorizando a interdisciplinaridade.

Esse fator foi decisivo para que o estudante universitário Celso Nobuo, licenciado e bacharel em Biologia, decidisse iniciar o curso como segunda graduação: “O principal motivo que despertou meu interesse foi a possibilidade de ampliar meus conhecimentos sobre as Ciências como um todo (Matemática, Física, Química e Biologia)”.

Curso é bem estruturado

Em fevereiro desse ano, o Ministério da Educação (MEC) divulgou uma avaliação das condições de ensino dos 1207 cursos de graduação a distância do Brasil. Apenas 13 obtiveram a nota máxima, entre eles o de Licenciatura em Ciências da USP.

Os responsáveis atribuem esse resultado à preocupação na formulação dos cursos para suprirem todas as necessidades dos alunos com o uso das tecnologias e na qualidade dos conteúdos. “Não há nenhum curso no Brasil que tenha todo o material produzido por professores da USP. Todo o material de todo o curso, não só de uma disciplina ou outra, foi produzido por docentes da USP, porque não existe material específico para professores de ensino Fundamental”.

Além do investimento nos conteúdos, há a preocupação com os formatos em que os mesmos são disponibilizados, como a opção por vídeo-aulas e a criação de fóruns e ambientes de discussão online. “As vídeo-aulas trazem muitas vantagens, como ilustrações do próprio livro didático, vídeos junto com a explicação do professor, coisa que você jamais vai conseguir numa sala de aula normal”, defende Gil da Costa Marques. Outro aspecto positivo é o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), uma plataforma onde todo o conteúdo fica disponibilizado e onde os alunos podem interagir entre si e com seus educadores e tutores. “A tecnologia permite a troca instantânea de mensagens e o esclarecimento de dúvidas que são importantes para construir os conhecimentos”, acrescenta Celso Nobuo.

A cobrança não é menor

Os alunos dos cursos possuem um mínimo de horas de estudo por semana baseado no tempo necessário para assistir às vídeo-aulas e realizar as atividades online. As aulas de cada disciplina têm em média uma hora e meia por semana, somadas a aproximadamente duas horas de exercícios, simuladores e outras atividades online.

Para obter a aprovação, o aluno precisa assistir às aulas e realizar as atividades online com a mesma exigência de frequência das graduações comuns (70%). O mesmo vale para as oito horas de aulas presenciais aos sábados. “A cobrança é a mesma dos cursos comuns de licenciatura. O aluno precisa assistir e conhecer todos os conteúdos durante a semana, senão não consegue participar das atividades presenciais nos fins de semana”, explica Marques. A avaliação dos alunos é calculada considerando tanto as atividades online quanto as presenciais, nas proporções de 40% e 60%, respectivamente.

Há convivência entre os alunos

Além de 45% das horas do curso serem presenciais em encontros obrigatórios aos sábados, inclusive nos feriados, os alunos têm acesso a todos os ambientes de convívio da universidade, como qualquer aluno dos cursos tradicionais, e se envolvem em fóruns e discussões exclusivos de cada disciplina. “Esses alunos têm representação discente, representação no conselho de graduação e agora estão organizando o Centro Acadêmico. Eles têm assembleias constantes para discutir os problemas do curso”, afirma Sonia Castelar.

Perfil geral do aluno de EaD

Segundo levantamento da coordenação do curso, mais de metade (51%) dos alunos de Licenciatura em Ciências são professores ou já atuaram como docentes e estão realizando uma segunda graduação. Celso é um exemplo: tem 26 anos, é professor concursado da rede pública estadual e leciona Ciências para o Ensino Fundamental II no período da tarde e Biologia para o Ensino Médio, no período noturno.

Evasão

Segundo dados da coordenação, na primeira turma a evasão ficou em torno de 45% no primeiro ano. Na segunda turma, o índice foi de aproximadamente 25%. Essa diferença de números foi causada por um erro no processo das matrículas, que permitia que alunos de São Paulo com nota insuficiente para se matricularem na capital pudessem se inscrever nos pólos de cidades do interior. “O aluno se matriculava no interior e abandonava o curso, porque ninguém ia para as aulas presenciais. Então nós tínhamos um ficção. Esses 45% foram por conta disso. A partir do ano passado, não permitimos mais isso e os números de evasão caíram”, explica o coordenador da EaD, Gil da Costa Marques.

Democratização da educação

O ensino a distância torna possível expandir o alcance de cursos de qualidade, principalmente a pessoas de localidades distantes sem condições financeiras para deixar suas cidades e fazer um curso presencial. “A USP está querendo ampliar o acesso à educação. Eu gostaria muito que esse curso de ciências tivesse um pólo em Manaus, no Mato Grosso, no Paraná, no interior de Pernambuco, porque nós teríamos condições de proporcionar boa formação a pessoas que não poderiam vir para os campi da universidade por conta de situações socioeconômicas.”, explica Sonia.

O número de pólos de alguns cursos cresceu esse ano, como o de Licenciatura em Ciências, que passou a ser disponibilizado em sete cidades do estado, e ainda há planos para a criação de mais três pólos. “O que a gente precisa é valorizar a licenciatura, e estamos todos empenhados em fazer dar certo”, afirma a professora Sonia.