Revisão do Plano Diretor deve ser democrática

Especialistas criticam a política urbanística das últimas gestões da cidade de São Paulo e apontam a necessidade da participação popular

Grandes cidades como São Paulo precisam de diagnósticos, planejamento e gestão. Um dos mecanismos para que a cidade funcione está no Plano Diretor Estratégico (PDE), lei que regula o seu desenvolvimento urbano.Elaborado em 2002, o Plano está em processo de revisão para sua adequação às novas realidades da metrópole, e conta com várias ferramentas que buscam objetivos do ponto de vista urbanístico e de como nortear os agentes privados que constroem o espaço.Uma das bases do Plano está na participação popular, que, segundo especialistas, é um dos pontos de maior debate e conflito.

A urbanização brasileira, que ocorreu de forma acentuada nos últimos 50 anos, levou às cidades um padrão de exclusão e segregação. Com a redemocratização, vários instrumentos jurídicos começaram a normatizar a cidade, começando pela própria Constituição de 1988, trazendo o direito à moradia e à cidade. Essas diretrizes foram destrinchadas com a elaboração do Estatuto da Cidade, que deu base para a construção dos planos diretores, visando à redução das desigualdades urbanas.

Para o professor Nabil Bonduki, da FAU, “o Plano Diretor, após amplo processo participativo, deve estabelecer a cidade que queremos, definindo os objetivos a alcançar e instrumentos urbanísticos, programas, projetos e obras para alcançá-la. Por isso, além de instrumento de Planejamento, o Plano Diretor deve estar articulado com a Gestão de Políticas Públicas”.

Diversas críticas são feitas sobre o Estatuto da Cidade e sua aplicação nos planos diretores, principalmente em relação às formas de integração e gestão. “Doze anos depois da aprovação do Estatuto da Cidade nós não tivemos nenhuma cidade brasileira que tenha aplicado todos os seus instrumentos de maneira eficiente, integrada e sobreposta”, disse o professor da FAU João Whitaker, durante 4° jornada da Moradia Digna, realizada em São Paulo nos dias 02 e 03 de março.

O Plano Diretor é, portanto, fundamentado em objetivos, tais como: apropriação da valorização imobiliária para o interesse público, garantia da habitação com qualidade de vida e bem localizada independente da situação financeira e aprimoramento do transporte, principalmente entre o centro e a periferia. Depois de definidos os objetivos, é preciso determinar os programas (projetos, obras) e os instrumentos urbanísticos para alcançar tais fins. Bonduki, que também participou da 4° Jornada, completa: “o que está por trás do plano diretor é definir a cidade que aspiramos”.

Infográfico: Larissa Teixeira e Marcelo Marchetti
Infográfico: Larissa Teixeira e Marcelo Marchetti
Gestão Democrática

A participação popular de fato é uma das diretrizes que acompanham diversos planos diretores, mas até hoje poucas foram as suas aplicações. Sobre toda a contextualização da luta popular e de suas mudanças, Whitaker disse, ainda durante a Jornada, que uma das barreiras está justamente na forma em que o país foi construído, em uma “sociedade que utiliza o Estado historicamente para proteger o bem público, mas não o público de alguns, e sim daqueles que o dominam”.

Os instrumentos de participação que estão explicitados no Estatuto da Cidade são divididos entre Conferências, Audiências Públicas, Reuniões Temáticas e Regionais, Conselhos e a Iniciativa popular de projeto de leis, programas e projetos. Porém, nem todas essas formas são conhecidas pela maioria da população. Para o professor José Carlos Vaz, do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH, “seria desejável uma participação numericamente grande, mas não parece viável”. O especialista afirma que nem todos os cidadãos têm tempo e interesse, e, além disso, o conhecimento de aspectos técnicos não é fácil, dificultando a adesão em massa. “O essencial é que as entidades da sociedade civil e os movimentos populares possam conhecer as propostas, discutí-las e levar suas reivindicações. Ainda assim, os vereadores podem voltar as costas para essas demandas”, completa.

Nabil Bonduki também reforçou a importância da participação popular. Para o urbanista, o papel da população não está apenas em uma consulta pública, mas sim em uma participação estrutural, que signifique a possibilidade da sociedade construir junto com o poder público os planos e projetos urbanísticos. O vereador ainda salienta que a discussão deve fazer aflorar conflitos de interesses, como entre a associações de moradores e o setor imobiliário.

Sobre isso, José Vaz diz que “a dinâmica de revisão do plano diretor deverá ser utilizada por esses setores para pressionar o governo municipal e os vereadores para a construção de uma cidade democrática e solidária. Será uma disputa pesada, pois os interesses são muito grandes e há várias frentes de disputa, o que faz com que nem sempre seja possível uma leitura maniqueísta do debate”.

Outra crítica feita por Whitaker e também acompanhada por outros especialistas, como Bonduki e o professor da FFLCH Eduardo Cesar Leão Marques, se refere à gestão dos prefeitos José Serra e Gilberto Kassab. Para Leão Marques, “a população não foi ouvida suficientemente durante o processo de revisão iniciado na gestão passada. Imagino que isso vá mudar com a atual gestão, apesar do cronograma de aprovação estabelecido não ser muito longo”.

Uma das questões que também norteiam a gestão democrática está na discussão dentro de bairros e subprefeituras, e, para isso, são criados Planos Diretores Regionais. Eles são um importante recurso para a descentralização e o aprimoramento da relação entre o Poder Público e os cidadãos. José Vaz afirma que “a cidade precisa ter governos locais de fato, e não zeladorias regionais cuidando de buracos e poda de árvores. Nesse sentido, as decisões com impacto sobre os bairros devem passar pela discussão nestes. O processo decisório do município deve levar isso em conta no seu desenho”.