A trajetória de Ana Mae e o entusiasmo pela arte-educação

A sala de estar é à meia luz, um quadro é iluminado por uma lâmpada. É abstrato, em tons de preto, branco e laranja, e ganha destaque. Ao redor dele há várias obras. A sala de Ana Mae Barbosa não poderia ser diferente. A professora é referência no Brasil para o ensino de arte nas escolas.

Ana Mae nasceu no Rio de Janeiro, mas ainda pequena foi morar em Recife. Perdeu o pai com três anos e a mãe com seis, sendo criada pela avó materna. Fez graduação em direito, contra a vontade da avó. Precisava trabalhar e por isso foi fazer um curso com o Paulo Freire para prestar um concurso de professora primária. “Na época, esse era o único emprego decente para mulher”, comenta.

Ana Mae conta que na primeira aula ele pediu para os alunos escreverem porque queriam ser professores. “Escrevi que não queria, mas estava sendo obrigada”. Paulo Freire chamou Ana Mae para uma conversa e provou que a educação poderia ser libertadora. “Foi então que me encantei com a educação”, conta. Foi nesse curso que ela teve o primeiro contato com Arte-educação.

Referência em arte-educação, Ana Mae fez com que a área fosse reconhecida nacionalmente. (Foto: Roberta Barbieri)

Ana Mae passou no concurso e começou lecionar em uma Escolinha de Arte no Recife. Os pais matriculavam as crianças nessas Escolinhas porque não tinha arte nas escolas. Devido à ditadura, Ana Mae e seu marido, João Alexandre Costa Barbosa, vieram para São Paulo. Por intermédio de José Mindlin, Ana Mae fez amigas, e juntas abriram uma Escolinha de Arte.

Ana Mae se empolgou para estudar mais, queria fazer mestrado. Solicitou uma bolsa a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que lhe respondeu que não reconhecia a Arte-educação como área de pesquisa. “A minha maior glória é que trinta anos depois eu ganhei a Ordem Nacional do Mérito Científico pelas minhas contribuições científicas”, relata com um sorriso no rosto.

Fez mestrado na Universidade Yale, onde deu aulas de cultura brasileira para pagar os estudos, e doutorado na Universidade de Boston. Para o ensino da arte, Ana Mae introduziu uma abordagem metodológica que envolve a análise de obras, o fazer artístico e uma contextualização teórica. Ela também acredita que a arte tem grande importância intelectual e cognitiva e que é preciso investir em arte nas escolas, com um professor para cada área (artes visuais, música, dança e teatro).“Sei que isso demanda dinheiro, mas enquanto se economizar com educação, mais dinheiro vai se gastar com prisão”, afirma.

Há 39 anos na Universidade de São Paulo, Ana Mae, além de lecionar, foi diretora do MAC de 1987 a 1993. É professora aposentada pela Escola de Comunicações e Artes, mas ainda orienta doutorados. “Sou uma entusiasta da ECA, não consigo deixar essa escola”, afirma.

Há dez anos, sua filha Ana Amália Barbosa teve um AVC no tronco cerebral, ficou tetraplégica e muda. “A primeira coisa que eu resolvi combater foi a ideia de que somos vitimas da vida”, afirma. Ana Amália tem a cognição e a memória preservadas. “Ano passado, com o movimento do queixo e um programa de computador desenvolvido para ela, minha filha defendeu um doutorado na ECA”, conta a mãe cheia de orgulho.

Sobre as obras de arte de sua sala, o quadro não está em posição de destaque por acaso. “Tenho paixão pelo quadro embaixo da luz, foi uma das últimas coisas que minha filha fez antes de ter o AVC”, relata Ana Mae emocionada.