Alunas vítimas de violência criticam omissão da USP

Estudantes criticam ausência de política institucional para punição de casos de violência contra mulher; especialista cobra mapeamento da violência

Violência física e psicológica tem feito parte da vida estudantil de muitas alunas do Campus Butantã da Universidade de São Paulo. Relatos de assédios, estupros, agressões físicas e verbais contra a mulher nos espaços da universidade são comuns.

Espaço Verde

No último mês de março, Flávia*, 23, foi agredida e acuada ao entrar no Centro Acadêmico das Ciências Sociais, o Espaço Verde. Segundo a vítima, o agressor sofre de transtornos psiquiátricos e e ameaçou esfaqueá-la.¹ Ela conta que ele se dirigiu a ela proferindo ofensas e frases como “você não pode fazer isso comigo” e em seguida começou a se despir. Assustada, a aluna diz que pediu ajuda a outro estudante que estava próximo ao local e que o agressor fugiu quando ela solicitou ajuda aos guardas do prédio.

Flávia relata que não sabia que procedimento adotar. “Pedi ajuda aos guardas do prédio e à Guarda Universitária, que informaram não ter poderes para tomar alguma atitude além de espantar o agressor”, conta. Confusa, a aluna diz que diante das novas ameaças feitas pelo agressor não sabia como proceder. “Eu era a vítima e tive que correr atrás de tudo”.

Por que você está gritando?

“Eu não fui a primeira, nem a última garota a ser estuprada na USP. A reitoria não pode continuar fingindo que não há estupros na USP”, desabafa Carolina*, 21, vítima de violência sexual no final de 2012², na Rua do Matão. “Só contei para amigas próximas. Estou abrindo meu caso para que nenhuma outra garota tenha que passar por isso”. Da agressão, ela diz que se recorda apenas em flashes. “Lembro-me dele dizer ‘por que você está gritando se eu estou te fazendo um favor?”.

Carolina prestou queixa à polícia, fez Boletim de Ocorrência e exame de Corpo de delito. Não pode efetuar o reconhecimento, pois não seria capaz de distingui-lo. “As mulheres enfrentam um grande desestimulo para impetrar um processo. A polícia desestimula”. A aluna acredita que há necessidade da punição institucional em todos os casos de estupro nessa universidade. “Vamos ter que esperar morrer alguém para algo ser feito em relação à violência contra a mulher”, protesta.

Ilustração: Marcelo Marchetti
‘Menos eu’

Em 2009, Irina Cezar, 24 – na época, aluna da graduação de Ciências Sociais, atualmente cursa Licenciatura na mesma área – foi vítima de assédio moral dentro do apartamento que dividia com o agressor e outro colega, no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (CRUSP).

Vinda do interior, Irina precisou recorrer à moradia estudantil devido a problemas financeiros. “Quando vim pra São Paulo, vim pra ficar. Não tive condições de pagar uma república, então bati de porta em porta no CRUSP até me aceitarem”. Ela não sabia que o jovem receptivo que a acolhera era o mesmo sob o qual pesavam três acusações de estupro. “Todo mundo sabia, menos eu. Achei que eu tivesse tido sorte por encontrar uma vaga”, relembra. Certa noite, Irina acordou com o barulho de sua mala caindo no chão e viu que o agressor estava dentro de seu quarto. “Tudo aquilo era muito estranho, eu pensei que seria estuprada. Mas quando ele me tocou eu comecei a chorar, ele desistiu e saiu”.
A aluna decidiu processar o agressor. “Fui até o fim, não quis acordo. Quando ganhei o processo achei que poderia tirá-lo da USP, levei os documentos ao COSEAS, eles disseram que iam tomar providências, nada foi feito”.

Casos invisíveis

“As pessoas dentro da universidade reproduzem os valores da sociedade. Muitos casos de violência permanecem invisíveis” afirma Wânia Pasinato, socióloga e Coordenadora de Pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP) e especialista em Violência de Gênero. Segundo a pesquisadora, para que medidas efetivas possam ser tomadas em relação à violência contra mulher é necessário que a universidade registre os casos e desenvolva estudos sobre o assunto, o que inexiste. “Eu desconheço estudos sobre a violência de gênero em ambiente universitário, nem aqui na USP nem outra universidade brasileira, apenas em universidades estrangeiras. Essa é uma grande lacuna no assunto. A USP precisa fazer uma pesquisa de vitimização com as alunas, falta uma política institucional para esses casos”, comenta.

Luiz de Castro Junior, o Superintendente de Prevenção e Proteção Universitária da USP, alega que está sendo providenciado um material de prevenção para “delitos e ações antissociais”. O superintendente e os demais departamentos da USP procurados pelo Jornal negam ter registros formais dos casos de violência contra a mulher. Irina contesta essa afirmação dizendo que seu caso foi computado e que se recorda de outros casos que também o foram.

“A USP não possui nenhuma articulação sobre esse assunto, não temos política institucional”, afirma uma funcionária da USP que preferiu não se identificar.
Enquanto a universidade não prevê sanções, segundo Irina, agressores seguem convivendo no campus. “O meu agressor é um morador antigo do CRUSP, eu o denunciei e ele ainda mora aqui nos apartamentos da pós-graduação”.

Embora não haja punições da própria instituição, Castro esclarece que “internamente a USP conta com a Assistência Social que pode atender esses casos e repassar à Superintendência de Segurança para medidas de acionamento policial”. No entanto, Carolina se diz insatisfeita. “A polícia já está aqui dentro e eu ainda não me sinto segura”. Por outro lado, Irina acredita que se a polícia fosse mais presente no campus, talvez seu agressor não cometesse crimes livremente. “Sem autoridade ele estava livre para fazer o que quisesse, sabia que a USP não faria nada”.

Uma questão social

Irina, Flávia e Carolina concordam que há omissão por parte da USP nos casos de agressão às alunas, tanto no registro interno, quanto em iniciativas de segurança. Para Carolina, “a segurança da USP não contempla a demanda das reivindicações da mulher. Precisamos de podas de árvores, mais iluminação, presença de efetivo feminino”. E Irina denuncia: “Conheço pelo menos um caso de violência contra mulher por bloco do CRUSP, todo mundo sabe”.

Wânia defende que o atendimento emergencial de violência na USP deve ser aprimorado continuamente, seja ele feito por meio da polícia ou de uma guarda e algumas medidas de segurança devem ser aplicadas, tais como melhor iluminação, reforço de segurança em dias de festas, orientação sobre lugares a serem evitados ou comportamentos estranhos e identificação das zonas mais perigosas do campus. “A questão da violência contra a mulher não é uma questão de policia, é uma questão social e a universidade tem que ser exemplo para a sociedade”, e acrescenta que “a USP precisa fazer um diagnóstico da violência nesse espaço, um trabalho interinstitucional. Que se possa ter um ranking, ainda que não seja um quadro que coloque a USP entre as melhores universidades. Mas imagine que ótimo seria se as pessoas pudessem ver um exemplo de combate à violência na universidade?”.

*Nomes fictícios

¹Errata: Na matéria impressa do jornal consta que a vítima disse que o agressor portava uma faca, mas, segundo ela, não havia visivelmente nenhuma faca. O correto é que o agressor apenas ameaçou verbalmente esfaqueá-la.

²Errata: Na versão impressa consta o ano de 2011, no entanto, a agressão ocorreu em 2012.