Flor mais antiga ainda hoje floresce na universidade

Foto: Gabriely Araújo
Professora Berta ocupa a mesma sala há 50 anos

“Eu não sou fotogênica, o pessoal vai ficar desiludido”, disse em meio a risadas a professora Berta Lange de Morretes ao ser fotografada. Aos 95 anos, depois de 72 de profissão, Berta mantém não só o bom humor, mas também muitas lembranças intactas. “Eu teria que sentar e escrever um livro para contar tudo o que eu me lembro desse tempo todo”.

Desde 1941 leciona e realiza pesquisas na USP, onde se formou no extinto curso de História Natural. Berta conta que logo no dia em que se formou foi contratada pelo departamento: “aceitei na hora! Era uma honra, meu Deus do céu! Acabar de me formar e já ser nomeada!”. Hoje dá aulas de anatomia ecológica e anatomia de plantas superiores para a pós-graduação, além de realizar pesquisas na área de anatomia vegetal.

De naturalidade alemã, Berta viveu em seu país de nascimento apenas até o fim da primeira Guerra Mundial, pois quando rompeu o conflito seu pai recebeu um aviso de que não poderia deixar a cidade porque falava cinco idiomas e poderia ser útil durante o período de batalhas. “Quando a guerra acabou, viemos na primeira embarcação que se encaminhava para o Brasil. Fomos direto para Curitiba. Depois meu pai recebeu um convite daqui de São Paulo para trabalhar no Museu Paulista na parte de zoologia”. Nessa época, Berta e sua irmã acabavam de concluir o ginásio e decidiram que queriam continuar estudando. “Meu pai nos perguntou o que a gente queria estudar e nós dissemos História Natural. Era um curso novo que tinha sido aberto, tanto que não tinha nem professorado brasileiro. Você imagina, sair do ginásio e assistir a aulas em francês, italiano… era uma loucura! Quando nós começamos a estudar aqui na USP nós ficamos quase doidas!”, conta sorrindo.

Depois de mais de sete décadas no meio acadêmico uspiano, “dona Berta”, como é carinhosamente chamada, afirma que um grande problema que ainda persiste na universidade é o ensino. “Professores passam tempo fora dando palestras ou fazendo pesquisa mas não trabalhando em seu departamento, que é o que deveriam fazer porque foi para isso que foram contratados. Quem sofre com isso é o aluno, que não tem ideia do que está perdendo”.

Quando foi fazer seu pós-doutorado, Berta escolheu a professora Katherine Esau da Universidade da Califórnia para ser sua supervisora de pesquisa. No momento em que Katherine olhou o currículo de Berta, exclamou: “Are you crazy, lady?”. “Fiquei assustada! Por que eu deveria estar maluca? Eu disse que estava falando sério, que queria fazer o pós-doutorado com ela. E ela disse: ‘Berta, negative. Are you crazy? You will be a professor of the university, not a pos-graduated student!’”. Foi assim que a bióloga se tornou professora visitante da Universidade da Califórnia. Ao final do ano lecionando, seus alunos pediram para que Berta fosse responsável pelo curso, porque entendiam melhor suas aulas do que as dadas por professores americanos. “Foi muito bom, aprendi muito. E eu também saí cheia, né? Feliz e contente por ter sido considerada melhor do que os outros”.

Não obstante a dedicação de sua vida à construção de conhecimento, Berta também ajudou a construir com suas próprias mãos uma estufa mergulhada para plantas com sombra e umidade relativas controláveis, que funciona perfeitamente há mais 20 anos no Instituto de Biociências (IB). “Carregamos tijolos, fizemos argamassa e construímos a estufa com os braços da gente. Nenhum de nós era pedreiro para fazer uma coisa desse tipo e está funcionando, apesar de construída pela gente”, brincou.

A professora, além da simpatia e do entusiasmo quase centenários, também conserva consigo um coração enorme. Berta custeia mensalidades de faculdades e cursos de nove funcionários do IB. “Eu pago porque acho que sentir vontade de estudar e não possuir condições de pagar deve ser um trauma para a pessoa. Então se eu tenho condição de pagar, eu pago. Não me importa gastar todo o meu décimo terceiro salário com isso”.

Ao ser questionada sobre seus planos para o futuro, apesar de afirmar que seu trajeto restante pela vida é curtinho, de uma coisa a professora tem certeza: continuará dando aulas enquanto puder. “Gosto de ensinar, de ver o rosto do aluno quando percebo que ele entendeu, sabe? Parece que uma luzinha acende”.