O PIMESP é um bom método de inclusão?

O PIMESP – Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista – ainda nem chegou ao seu formato final e já tem causado enorme discussão dentro da comunidade da USP. Sua criação, método de seleção, ações e consequências para o meio acadêmico têm sido alguns dos principais assuntos que dividem opiniões de estudantes, funcionários, reitores e militantes.
Anunciado no final de 2012, o Programa é um plano de metas que tem como objetivo garantir que, gradativamente até 2016, 50% das vagas das USP, UNESP, UNICAMP, FAMEMA, FAMERP e FATECs sejam ocupadas por alunos egressos do ensino médio público. Dentro delas, 35% destinadas a Pretos, Pardos e Índios.
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“Queremos unir formação de qualidade a aspectos socioétnicos” – entrevista com Carlos Vogt
“O projeto é um remendo, não uma solução para a desigualdade” – entrevista com Eunice Durham


“Queremos unir formação de qualidade a aspectos socioétnicos”

Carlos Vogt é presidente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) e foi um dos professores que colaborou para a formatação inicial do PIMESP.

Jornal do Campus: Como foi criado o PIMESP?
Carlos Vogt: A proposta surgiu no CRUESP, com os três reitores das universidades paulistas, a superintendente do Centro Paula Souza, o diretor científico da FAPESP e eu como presidente da Univesp. Em várias reuniões, contamos também com pró-reitores de graduação das universidades e representantes de comissões de vestibulares. Surgiu então o desenho da proposta, que foi levado ao Governo Estadual para garantir seu apoio ao Fundo destinado a financiar a permanência dos estudantes e evitar que necessidades financeiras sejam motivos de evasão. Em seguida, a proposta foi à comunidade, para que seja debatida, aprovada ou negada. O PIMESP não é uma imposição de cima para baixo, ele está aberto para que instituições e comunidades a discutam.

JC: Qual será o critério utilizado na seleção dos alunos ingressantes no PIMESP?
CV: As universidades têm autonomia para escolher o melhor critério de seleção dentro do seu perfil de comunidade. Diferente da realidade das universidades federais, as instituições estaduais paulistas gozam de plena autonomia didática, científica, administrativa e de gestão financeira. É dentro dessa cultura institucional que a proposta do PIMESP se insere. O Programa é um plano de metas, que vem também com um roteiro de sugestões de ações que podem ser, ou não, aplicadas para se alcançar essas metas. Cabe às instituições entender, dentro da sua demanda, a melhor forma que atuará para selecionar seus estudantes e atingir os resultados. Algumas podem optar pelo ENEM, outras pelo ICES ou ainda outro formato. Qualquer uma dessas iniciativas precisa responder aos aspectos socioétnicos e acadêmicos. É por esse motivo que as metas estabelecidas são estudadas curso a curso, turno a turno, com base nos dados dos vestibulares.

JC: O ICES estaria tentando corrigir falhas do Ensino Médio público?
CV: O ICES – Instituto Comunitário de Ensino Superior – é uma das propostas de ação que as Universidades podem adotar dentro do PIMESP. Ele não é obrigatório e tem a função de recuperar possíveis falhas do aluno no ensino médio, mas a capacitação é o principal objetivo do ICES, podendo ser comparado aos “colleges” americanos. Trata-se de cursos sequenciais de capacitação e formação superior de dois anos com diploma que habilita o aluno a atuar em áreas que não exigem formação técnica específica, como por exemplo, alguns cargos em setores de prestação de serviços e alguns cargos públicos. Ele ainda permite que o aluno explore diversas áreas do conhecimento antes de decidir seu futuro. O ICES será semipresencial para que o aluno de regiões mais remotas e periféricas tenha acesso a essa formação de casa e frequentando o ambiente acadêmico. A partir desse curso, o aluno pode optar por tentar ingressar na faculdade.

JC: Qual o diferencial do PIMESP em relação às outras propostas de inclusão?
CV: O PIMESP não visa estabelecer uma quantidade fixa de cotas, mas sim metas dentro da demanda e perfil de cada curso em cada instituição. Além disso, o PIMESP traz um plano completo de sugestões de iniciativas, que podem ser avaliadas e adotadas nas Universidades, como o ICES e o Plano de Recrutamento, que tem como objetivo identificar jovens talentos na sociedade. O PIMESP não anulará programas de inclusão já existentes nas universidades e contará com o investimento do Governo Estadual.


“O projeto é um remendo, não uma solução para a desigualdade”

Eunice Durham é professora emérita de Antropologia na USP e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPES), também pela USP.

Jornal do Campus: Como você analisa a capacidade de inclusão do PIMESP?
Eunice Durham: Como método de inclusão, ele é muito precário, é um remendo que tenta democratizar o acesso à universidade manipulando o vestibular, que não é a causa, mas o reflexo da desigualdade existente. Creio que alguma forma de ação afirmativa para ampliar o leque socioeconômico e étnico dos alunos da universidade é importante, mas o PIMESP não faz isso, assim como a maioria dos sistemas de quotas atuais. Podemos ver isso analisando os números: no Estado de São Paulo, menos de 30% dos jovens está matriculado no ensino superior. Desses, apenas 15% estão nas universidades públicas, ou seja, com ou sem quotas, as universidades paulistas já excluem 95% da população na faixa etária de 18 a 24 anos. O projeto acaba subvertendo o sistema de mérito do vestibular para privilegiar uma parcela ínfima dos jovens.

JC: Quais seriam as medidas alternativas a esse tipo de projetos?
ED: É necessário diversificar a formação oferecida e melhorar o ensino básico e médio. Dada a qualidade do nosso ensino médio e a grande desigualdade social da população, o número de candidatos com as condições mínimas de ingressar na universidade, que tem a capacidade de ler e interpretar um texto complexo, é muito pequeno. Além disso, há muitos alunos que não se interessam pelo pensamento abstrato, pela reflexão sobre um tema, mas pela prática. Para esses, uma universidade voltada para a pesquisa e a produção intelectual não é o adequado, pois poderiam fazer um curso mais voltado para uma aplicação mais prática e imediata no mercado de trabalho, que não envolva os custos de uma universidade.

O desconhecimento de quais são as possibilidade e as demandas reais das pessoas que se formam no ensino médio cria um falso igualitarismo que diz que todos precisam vir para esse tipo de universidade e que, se não for assim, está havendo discriminação.

JC: Quais são os maiores problema de projetos como o PIMESP?
ED: Creio que um dos maiores problemas é o critério que se usa nessas ações. Cotas para negros eu acho uma medida extremamente perigosa, porque o princípio da universalidade, que é a base dos Direitos Humanos e da democracia significa que não deve haver distinção por gênero, raça, etnia ou renda. O critério da universalidade de seleção está sendo quebrado quando se oficializa a raça, e vai contra toda luta que se empenhou contra o racismo no Brasil nas últimas décadas. Criando mecanismos de ingresso diferentes para brancos ou negros, definem-se oficialmente duas raças distintas e mutuamente excludentes, contrariando o conhecimento científico, que aponta a grande miscigenação da população brasileira e também cria o problema de definir quem é branco e quem é negro. Para mim, criar um sistema onde negros só competem com outros negros é uma forma de discriminação inaceitável. Além disso, usar como critério a permanência em escola pública é como dizer que não há problema na má qualidade do ensino público, pois esses alunos ganharão vantagens depois para poder entrar na universidade.