O regime que não se rende a pressões externas

Ameaças norte-coreanas intensificam desconforto internacional. No entanto, especialistas consideram guerra declarada improvável

Não é de hoje que a Coreia do Norte causa furor na imprensa internacional. Descrito como uma ditadura avessa à economia de mercado e isolada política e economicamente, o país vive em tensão com sua vizinha ao sul e o aliado desta, os EUA. Mas as tensões se multiplicaram nas últimas semanas, quando o presidente Kim Jong Un declarou “estado de guerra” com Seul e Washington e reativou um reator a plutônio na cidade de Pyongyang.

Além das divisões políticas, as Coreias apresentam profundas disparidades socioeconômicas. A Coreia do Norte possui um PIB per capita de US$ 1,8 mil, enquanto na vizinha do sul, bem mais rica, o valor aproxima-se de US$ 32,5 mil.

Nova liderança

Kim Jong Un assumiu o governo da Coreia do Norte em 2011. Jovem e com menos experiência militar, houve quem esperasse por uma onda de modernização. “Ele foi o primeiro governante do país a ter estudado no Ocidente [e] deu declarações que pareciam abertas no início de seu governo”, comenta Ângelo Segrillo, coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia (LEA), da FFLCH.

Mas a própria falta de experiência do novo presidente pode explicar o recente surto de agressividade. Segrillo acredita que o líder pode estar em fase de experimentação quanto à política externa. Outra teoria aponta a possibilidade de pressões de outras partes do governo. “Jovem e inexperiente, [ele] pode estar respondendo a pressões que vêm de diversas direções”, explica. Reginaldo Nasser, especialista em Política Internacional e professor da Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC-SP, também acredita na relação entre a mudança de governo e as recentes tensões. “Não temos informação para saber quais facções poderiam estar disputando o poder”, especula.
Levanta-se também a possibilidade da situação ser um modo do novo governante consolidar sua imagem. “Como nunca teve uma longa carreira no meio militar, estes arroubos militaristas podem ser uma forma de demonstrar que não é ‘fraco’”, diz Segrillo.

Ou tudo pode ser uma tentativa de obter concessões do Ocidente. Para Nasser, isso explicaria a postura ambígua da Coreia do Norte, constituindo a “arte da dissuasão”. “A dissuasão é uma arte implícita, com mensagens propositalmente ambíguas para causar confusão no inimigo”, explica. Na tentativa de sair do cerco a que está submetido, o Estado norte coreano teria a intenção de negociar, porém sem demonstrar fraqueza. Não à toa, a tensão demonstra que quanto mais sanções recebidas, mais o país se mostra agressivo.

Infográfico: Mateus Netzel
Chances de guerra

Apesar da atitude desafiadora, ambos os especialistas são claros ao afirmar a improbabilidade de um conflito aberto. Alexandre Uehara, Doutor em Ciência Política e também pesquisador do LEA, concorda, ressaltando a mobilização das potências internacionais para apaziguar o país. Até mesmo a China, maior aliada de Pyongyang, apoiou sanções contra os vizinhos durante a votação na ONU em 7 de março de 2013.

Os pesquisadores não descartam a possibilidade de guerra. Segundo ambos, seria um conflito rápido. “No máximo alguns mísseis lançados (como provocação) e depois, o início de negociações para um cessar-fogo que lhe garanta vantagens”, prevê Segrillo. Já Nasser, embora acredite na hipótese da Coreia do Norte ter ou vir a produzir artefatos nucleares, duvida do real interesse do país em um ataque.

Como apontam Segrillo e Uehara, a intervenção de Washington quebra qualquer equilíbrio de forças. “A capacidade nuclear da Coreia do Norte é muito limitada”, diz Segrillo. “Como a Coreia do Sul tem o guarda-chuva nuclear norte-americano, a Coreia do Norte nunca poderia ganhar a guerra”.

Estados irracionais?

A situação assemelha-se ao caso do Irã, com especulações sobre intenções do governo iraniano em atacar Israel ou Europa e EUA. “Seria o caso único na história de um Estado suicida”, comenta Nasser sobre ambos os casos. De acordo com o professor, não é razoável apenas considerar esses países como “irracionais”, cujas intenções repousariam na simples agressão aos inimigos.

O equívoco também se repete na conexão comumente feita entre os regimes políticos ditatoriais desses países e sua agressividade nas relações externas. “Se analisarmos empiricamente, o único país que jogou uma bomba nuclear foi a democracia americana e em um momento em que só ela tinha”, comenta.

Nasser também utiliza o caso do Paquistão, país que já detém armamento nuclear, como contrargumento. “O Paquistão tem um regime ditatorial, é um dos lugares em que ocorrem mais atentados terroristas no mundo, perdendo apenas para Afeganistão e Iraque, e não é considerado um problema”. Segundo ele, a partir do momento em que um país detém a bomba nuclear, lida-se com ele de uma forma diferente, o chamado “equilíbrio do terror pela paz”. “Ou seja, a Coreia do Norte pode estar querendo ser tratada como o Paquistão”, opina.

O pesquisador também avalia ser pouco interessante tanto para a Coreia do Sul quanto para os EUA atacar diretamente Pyongyang. Ainda acrescenta: “se imaginarmos, não por uma questão de guerra, mas por uma questão política, uma desintegração do Estado norte coreano é péssima para a Coreia do Sul e para a China”. A Coreia do Sul não tem condições para arcar com o chamado “modelo Alemanha”, com a unificação dos dois territórios. A China, por sua vez, que já recebe muitos imigrantes norte coreanos poderia ser alvo de corrente migratória ainda maior, bem como o sul da península coreana. “Na perspectiva da Coreia do Sul, quer-se uma Coreia do Norte estável, forte, mas não ameaçadora. Mas também não se quer que ela se desintegre”.

O papel da China

Para Segrillo, o verdadeiro problema seria uma possível intervenção chinesa, o que poderia ampliar o alcance do conflito. “A China quer a Coreia do Norte como um estado-tampão entre ela e os ‘inimigos’. Se os inimigos chegarem às suas fronteiras, ela não permitirá isso”. Mas todos consideram o cenário improvável, com Segrillo afirmando que Pequim está determinada a evitar o confronto. “No momento, não há sinais de que a China apoiaria a Coreia do Norte”, diz Uehara.

Quanto à possibilidade de a atitude de Kim Jon Un incentivar outros países “rebeldes” contra as resoluções da ONU a adotar posições mais combativas, ambos se mostraram pouco alarmados. Uehara aponta que a comunidade internacional já se expressa abertamente contra Pyongyang, o que tornaria improvável um fortalecimento do regime em nível internacional. Mas afirma que sanções econômicas são inócuas. Para ele, seria imprescindível convencer a China a adotar uma posição mais agressiva contra os excessos de seu aliado.