ONU foca desarmamento e aprova primeiro Tratado de Armas

A Organização das Nações Unidas aprovou, no início deste mês de abril, o primeiro Tratado de Comércio de Armas Convencionais. A resolução saiu da Assembleia Geral realizada no último dia 2. “Ao longo da história dos esforços da ONU em prol do desarmamento, um empenho para eliminar as armas de destruição em massa tem sido feito em paralelo com os esforços para regular e reduzir as armas convencionais. Isso porque esses objetivos se reforçam mutuamente”, declarou na ocasião a representante da ONU sobre desarmamento, Angela Kane.

O tratado deverá entrar em vigor em um ou dois anos. Para o professor de relações internacionais e coordenador da pós-graduação da Faculdade Rio Branco Gunther Rudzit, é um primeiro passo para a política de desarmamento mundial, mas ele diz ver com ceticismo a questão. “O alto número de países que se abstiveram [da votação] já mostra um sinal. [O mercado de armas] é uma fonte de receita muito grande para governos exportadores e um instrumento para alguns governantes se manterem no poder”, diz ele.

O documento pretende estabelecer a conexão de responsabilidade entre a exportação de armas e os potenciais efeitos humanitários que elas venham a causar. Em síntese, o país produtor e exportador da arma também será responsabilizado pelos crimes de guerra, genocídios e atrocidades cometidas, uma realidade de diversos países da África e Oriente Médio, com destaque recente para a Síria.

Potências, com destaque para os Estados Unidos e Europa, têm um papel fundamental na discussão, segundo o especialista, ao passo que também são os grandes produtores de armamento no mundo.

Nos EUA, a questão invadiu os noticiários e os debates no Senado após o massacre na escola de Newton, quando 20 crianças e seis adultos morreram em um tiroteio que partiu de um jovem que portava armas de guerra. A sociedade civil em geral passou a se questionar se o número de armas em circulação e disponível para a compra dos cidadãos deve ou não ser restringida. A discussão, segundo Rudzit, tem uma grande importância dada a força que os EUA têm perante a comunidade internacional. O recente atentado ocorrido em Boston, em 15 de abril, pode fomentar ainda mais a discussão.

Repetida à exaustão durante a Assembleia Geral, a frase de que “A aprovação do Tratado é apenas um começo” mostra que os frutos a serem colhidos demandarão tempo, muita diplomacia e grandes esforços da comunidade internacional. As conseqüências e benesses que ele pode trazer, segundo o especialista em segurança, são os embates e discussões dentro de cada Estado e sociedade. “É um importante passo porque tem a capacidade de mobilizar novos eleitores, que pressionarão seus governos. Mas é preciso dar continuidade a esse processo para que isso aconteça”, explica Rudzit.

O Brasil

No contexto da política mundial de desarmamento, impulsionada pela ONU, o Brasil apresenta pioneirismo, segundo o diretor e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Daniel Cerqueira. “Há 10 anos o Brasil já se mostrava pioneiro na questão do desarmamento, com o lançamento do Estatuto do Desarmamento, sancionado em dezembro de 2003”, diz ele. Em recente pesquisa do IPEA, da qual Cerqueira foi um dos coordenadores, constatou-se que em 10 anos de Estatuto em vigor, a proporção de pessoas que compram armas de fogo no país caiu 40,6%.

Os números da pesquisa, concluída no começo de abril, também mostram que o total de armas compradas caiu 35% no período entre 2003 e 2009, de 57 mil para 37 mil. Um dado que chama a atenção, entretanto, é o número de homicídios, que aumentou. “O crime em geral tem várias causas e parte de situações variadas, como o mercado de drogas, questões socioeconômicas e demográficas. A arma de fogo é apenas mais um elemento, não podemos fazer uma mera correlação”, explica o pesquisador.

Ainda assim, ele destaca que a pesquisa conseguiu apurar que 1% a mais de armas circulando, acarreta em uma taxa de homicídio entre 1 e 2% maior. Uma constatação importante foi a de que, nos lugares onde se conseguiu diminuir as armas de fogo, a criminalidade diminuiu. As 20 microrregiões com mais armas de fogo apresentam uma taxa de homicídio 7,4 vezes maior que as 20 microrregiões com menos armas de fogo. “Esse dado mostra que mais armas de fogo acarretam, sim, em mais homicídios, mas essa não é uma causa única.”

Cerqueira diz que a prioridade agora é manter o Estatuto fiel ao seu objetivo e não permitir que ele se torne mais brando. “Diversas emendas já foram feitas. Querem, por exemplo, aprovar que guardas municipais possam atuar com arma de fogo. Isso é um erro muito grave, que abranda o Estatuto e retira seu sentido”, afirma.

Como Gunther Rudzit, Daniel Cerqueira diz que a conscientização é um passo fundamental para a redução das armas convencionais. “O perfil dos maiores compradores é de pessoas com até 3 anos de estudo. São elas que continuam comprando e elas que continuam morrendo”. Parece unânime, para especialistas e governantes, que a conquista histórica da Assembleia no dia 2 de abril é apenas a primeira de uma série de barreiras a serem ainda ultrapassadas.