O professor universitário precisa de pós-graduação?

Nova lei que entrou em vigor em março impede que universidades federais exijam titulações de mestrado e doutorado em concursos para docentes. A medida, que deve ser revista pelo governo, reascende o debate sobre o perfil ideal do professor no ensino superior

Uma lei de iniciativa do Governo Federal, que entrou em vigor em março deste ano, reascendeu a discussão sobre a importância da pós-graduação para que um docente lecione no ensino superior. O texto do Ministério da Educação proíbe que as universidades federais exijam como requisito para a inscrição em seus concursos as titulações de mestrado e doutorado. Na prática, quem tiver apenas o diploma de graduação pode disputar agora todas as novas vagas para professores. Questionado por dirigentes de universidades sobre a nova regra, o governo afirmou que deve voltar atrás, permitindo que as universidades exijam as titulações.

Apesar do impasse jurídico, a medida trouxe rápidos resultados práticos pelo país – de aceitação e de protesto. Aderindo à nova legislação, a Federal de Santa Catarina abriu no fim de março 200 vagas para candidatos que tivessem, no mínimo, diploma de graduação. Já a Federal de Pernambuco suspendeu todos seus processos de contratação e emitiu uma nota de repúdio à nova regra. Se, para alguns, a lei serviu para abrir portas a profissionais qualificados, para outros, ela ameaça a qualidade do ensino universitário.

Por ser estadual, a USP não se enquadra no novo regulamento. Mesmo assim, sua aprovação voltou a alimentar o debate sobre o perfil ideal de um professor de universidade pública. O profissional sem pós-graduação tem formação e conhecimento teórico suficientes para lecionar no ensino superior? Ele tem algo para oferecer ao estudante universitário que mestres e doutores não possam oferecer com mais qualidade?

Aperfeiçoamento

Com a implantação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), no começo da década de 1950, foram concedidas as primeiras 79 bolsas de estudo de pós-graduação no país. Para a médica, pesquisadora e pró-reitora de Graduação Telma Maria Zorn, “a criação da pós-graduação deu um impulso extraordinário e foi o que fez o Brasil crescer tanto quanto cresceu”. Atualmente, segundo dados da GeoCapes, o número de estudantes de pós-graduação no Brasil chega perto dos 200 mil, entre alunos de mestrado e doutorado.

Mas a formação de pesquisadores qualificados não representa necessariamente a formação de docentes aptos à prática pedagógica. Segundo Telma, tanto a Capes quanto a USP têm trabalhado de forma a reconhecer a importância na formação do docente universitário, como é o caso do PAE (Programa de Aperfeiçoamento de Ensino), que dá aos pós-graduandos uma aproximação com a função. Mas na prática não é bem assim. A pesquisa científica na pós-graduação, cada vez mais verticalizada e fragmentada, acaba por afastar os pós-graduandos das salas de aula, além de restringirem muitas vezes o ensino às linhas de pesquisa nas quais tornaram-se especialistas.

Para contornar a relação entre ensino e pesquisa, a USP tem discutido a criação de um programa de recepção dos jovens docentes ingressantes na carreira. Segundo Telma, este programa estimularia os departamentos a darem suporte não só na questão de adaptá-los à graduação, começando com uma carga horária menor para o ensino, mas também para orientá-los sobre o funcionamento da universidade. “Teoricamente, esse doutor jovem deveria estar pronto para tudo, mas, na pós-graduação, ele não tem essa oportunidade”, afirma. “Isso é extremamente importante, principalmente nas áreas em que a interdisciplinaridade é mais valiosa para a pesquisa.”

Carreira científica

Dados publicados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, mostram que do total de mestres formados entre 1996 e 2009, cerca de 40% estão empregados no setor de educação. Dos doutores, 80% estão no ramo.

Esta busca pela carreira de professor pelos pós-graduandos recém formados, no entanto, é alvo de críticas por parte da pró-reitora de graduação da USP. Segundo ela, “professores contratados que acabaram de concluir a pós-graduação saem, muitas vezes, com pouca experiência para dar aulas”.

O valor da prática

Para o ex-professor de Jornalismo da ECA (Escola de Comunicações e Artes) e diretor da Oboré, Sérgio Gomes, a restrição do ensino a professores com titulações acadêmicas acaba impedindo que grandes profisionais dêem aula. “Se traçarmos um ranking dos cem jornalistas mais premiados do país, garanto que mais de 80% não dão ou nunca deram aula. Em parte, porque eles não puderam fazer carreira acadêmica”, afirma. Segundo Gomes, há aí uma grande contradição. “A universidade exige títulos de natureza acadêmica para um tipo de professor que, para ser um grande professor, não poderia ter gastado tanto tempo com carreira acadêmica”.

A ausência de profissionais mais práticos nas salas de aula cria, segundo o jornalista, uma lacuna entre o estudante que se forma e seus concorrentes no mercado. “Quantos professores hoje têm experiência de redação? Quantos não trabalham contra o relógio há mais de cinco anos?”, questiona.

Apesar de ser contra a exigência de pós, Gomes não descarta a importância da formação teórica dos professores. “Não faço defesa do anti-intelectualismo. Muito pelo contrário. Acho extremamente importante ser reflexivo. Mas há grandes profissionais que produzem conhecimento também fora das universidades.”

Telma Maria Zorn concorda que a universidade precisa valorizar mais a prática. Como exemplo, ela cita a Faculdade de Medicina, que tem poucos professores em regime de dedicação integral em pesquisa e docência (RDIPD) em seu quadro. “Os docentes precisam atender pacientes para saber ensinar seus alunos. O profissional que fica só dentro da universidade não tem essa prática”, afirma.

Pesquisa acadêmica

Para o ex-professor da Faculdade de Educação, Antônio Joaquim Severino, é na pós-graduação que o docente universitário tem seu mais importante contato com a pesquisa teórica e prática. “Quando se exige a titulação, não se está cobrando uma posição acadêmica, um status, mas uma experiência de construção de conhecimento”, explica.
Em seu artigo “Ensino e pesquisa na docência universitária: caminhos para a integração”, Severino considera que a docência universitária não deve ser praticada como uma mera extensão da pesquisa, e sim como um processo contínuo de desenvolvimento do saber. “O mínimo que se exige de um professor é que ele acompanhe o desenvolvimento do saber de sua área, mas, além disso, impõe-se a postura investigativa porque o conhecimento é um processo de construção”.